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acervo pessoal

mar 20, 2023 | Pontos de Vista

Por que é tão irresistível expor seu preconceito nas redes sociais?

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“O jovem tem todos os defeitos de um adulto e mais um:
o da inexperiência. Jovens, envelheçam!” 

Nelson Rodrigues

A polêmica envolvendo as estudantes do curso de biomedicina, da Unisagrado, em Bauru, na semana passada, já deu muito o que falar sobre preconceito etário, falta de empatia e, até mesmo, um mal estar generalizado sobre a degradação da juventude, tamanha alienação da chamada “geração tiktok”, no contexto de uma sociedade utilitarista, que refuta o envelhecimento da mulher a qualquer custo. 

Para quem, porventura, não teve tempo de ficar sabendo o que houve, o resumo da história é que três jovens debocharam (para dizer o mínimo) de uma colega de turma que tinha mais de 40 anos e estava iniciando junto com elas o curso de graduação. Num vídeo que viralizou nas redes sociais, discriminando de maneira ostensiva a presença de uma mulher mais velha na turma, as jovens disseram atrocidades do tipo “como desmatricula?”, “40 anos! Já era para estar aposentada!” e “Gente, 40 anos não pode mais fazer faculdade, (…) Ela não sabe nem o que é Google!”. A postagem, ocorrida no Twitter em 10 de março, alcançou mais de 3 milhões de visualizações rapidamente e poucos dias depois já estava em 7 milhões.

Não é o caso aqui de seguir analisando este caso especificamente e, muito menos, de condenar as três jovens que são mais dignas de pena e necessitam urgentemente de uma educação mais empática e acolhedora para se darem conta do que fizeram.  A repercussão gerou indignação de jornalistas, pesquisadores e usuários de redes sociais em geral, amplamente difundida nas próprias redes e pelos meios de comunicação tradicionais.

A partir do julgamento social e de um processo disciplinar aberto pela instituição de ensino para apurar a conduta das jovens, elas optaram por abandonar o curso, o que é realmente triste, dado que continuar ali e enfrentar os próprios erros seria a melhor maneira de amadurecerem e se tornarem pessoas melhores. A decisão, muito provavelmente, foi indicada por seus advogados de defesa, e encorajada pela família, já que, com isso, o processo na universidade é finalizado por falta de objeto. 

 A vitimização das agressoras, uma vez que, além de deixarem o curso, também afirmam ter sofrido com reações violentas nas redes sociais – porque também o cancelamento é implacável – , não surpreende. Tampouco podemos dizer que é chocante a total ausência de um pedido de desculpas ou qualquer tipo de retratação por parte delas e de seus familiares à vítima ou à instituição de ensino. 

Há tempos, temos assistido de camarote a eclosão e o agravamento de uma sociedade cada dia mais segregacionista, classicista e permeada de preconceitos fortemente estimulados pelo ambiente digital e suas formas de sociabilidade. Etarismo, racismo, xenofobia, violência de gênero, transfobia, são demonstrações de preconceito e ódio com as quais temos que lidar diuturnamente via mídias sociais. Quer dizer, todas estas manifestações são crimes, mas nas redes sociais são encontradas aos montes e circulam como se estivesse tudo bem. 

Pior que isso, sofremos também com o pronunciamento compulsório. Parece que ninguém mais se permite pensar em silêncio. Seja esse “pensar” uma grande asneira, como foi o caso das jovens de Bauru, ou uma ideia sensacional, algo que está cada dia mais escasso nas redes. 

Paralelamente, e com alívio, não faltaram também demonstrações de apoio à estudante 40+ gerando uma ‘corrente do bem na web”, e demonstrando, mais uma vez, que a vida online já não se separa mais da vida offline. Mais do que isso, que o mundo digital não pertence apenas à juventude.

Pegando o gancho da vida onlife, tratado no último Ponto de Vista do *desinformante, podemos ir além da responsabilização de nossos atos nos ambientes online e offline para questionar: por que não conseguimos mais “pensar” em silêncio? Por que nos sentimos compelidos a publicar tudo o que fazemos e pensamos? Fomos aderindo a essa realidade, que é uma só, paulatinamente, sendo conduzidos e estimulados pelas tecnologias, ao mesmo passo em que fomos fornecendo dados sobre quem somos, o que pensamos e o que queremos, capazes de alimentá-las. Na prática, trata-se de uma relação de retroalimentação onde o uso social da técnica fomenta a própria técnica e esta prossegue afetando o uso social que fazemos dela. Nesse sentido, se a sociedade é etarista, xenófoba, racista ou o que mais de pior vier a ser, a técnica se desenvolverá sob essa realidade, bebendo esses dados e reproduzindo esta lógica.

É bem complicado, mas a parte boa disso tudo é que a sociedade vai sendo revelada. Com os males expostos, podemos ir em busca dos antídotos. Talvez “a ficha esteja começando a cair” (será que as jovens de Bauru alguma vez ouviram essa expressão? rs). As discussões sobre o papel dos algoritmos na condução da vida social vêm ganhando espaço e ampliando o debate sobre quem os programa e como os programa. Que discursos são perpetuados e por que? Nesse hibridismo, onde digital e analógico, online e offline se entrecruzam, conhecer e reconhecer a sociedade que construímos e fomentamos pode ser um processo doloroso, porém, também coloca luz sobre os debates que calamos até hoje e nos fornece os instrumentos necessários para uma revisão ampla, geral e irrestrita sobre o mundo em que queremos viver.

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Lena Benz

Lena Benz tem 47 anos é Doutora em Comunicação e Cultura, designer da equipe *desinformante e trabalha diariamente com softwares de criação gráfica, metodologia ágeis, redes sociais, google e afins.

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