A portaria do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) para conter a circulação de conteúdos violentos sobre ataques nas escolas, anunciada ontem (12/4) pelo ministro Flávio Dino, dividiu opiniões. Enquanto a medida foi vista com alívio pelas famílias de crianças, estudantes e professores que estão vivendo o pânico e insegurança nos últimos dias, pesquisadores e representantes da sociedade civil envolvidos com o debate da regulação digital levantaram pontos problemáticos, como o viés autoritário.
Uma das que se colocaram a favor da portaria foi a advogada Flávia Lefèvre, membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil, para quem a aplicação das obrigações de segurança previstas no Código do Consumidor, um dos documentos orientadores do texto do MJSP, deve ser sim aplicada às plataformas.
No seu perfil pessoal, Lefèvre publicou: “me parece que o MJ não pretende aplicar sanções com base numa canetada. Medidas como eventual suspensão ou banimento de plataformas deverão ser determinadas pelo Poder Judiciário”.
Outro que viu sentido nessa aplicação foi Ronaldo Lemos, professor e cientista chefe do ITS-Rio. Num fio também no Twitter, Lemos afirmou que a atuação prevista junto à Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) faz sentido, pois as plataformas podem ser consideradas produtos, e assim, devem manter a segurança do serviço prestado.
Twitter começa a remover perfis violentos
Nesta quinta-feira (13), a pressão do governo junto às plataformas parece ter surtido efeito, especialmente em relação ao Twitter, que parecia não querer colaborar frente aos apelos do governo para este tema.
De acordo com a assessora da pasta, Estela Aranha, a empresa começou a atender os pedidos do governo de exclusão dos perfis identificados. O Twitter é apontado como umas das principais redes sociais que recebem conteúdos com apologia a ataques e, até então, tinha se recusado a cumprir as orientações governamentais.
Quais são os pontos críticos da portaria?
Como aponta Paulo Rená, doutorando em Direito, Estado e Constituição na Universidade de Brasília e co-diretor executivo do Aqualtune Lab, a portaria consolida a falta de diálogo do governo federal com as organizações da sociedade civil que estão acompanhando o tema da regulação de plataformas.
Apesar do momento crítico, a medida que determina retirada de conteúdo considerado ilegal, sob pena de multa, tem um caráter autoritário, segundo Rená, podendo criar precedentes para contextos diferentes deste para o que foi criada.
“Isso é colocar em jogo uma arma que pode facilmente ser usada por outros governos com vertentes políticas diferentes para, inclusive, perseguir integrantes do governo atual e representantes dos direitos humanos”, explicou o pesquisador.
Posicionamento parecido foi levantado no Twitter pela jornalista Bia Barbosa, integrante da Coalizão Direitos na Rede, que apontou como problemática a exclusão de conteúdo por mandado de governo. Nem a administração Bolsonaro chegou a tanto, disse a jornalista.
Sobre o uso do Código de Defesa do Consumidor, o advogado Chico Brito, diretor executivo do InternetLab, questionou o envolvimento da Secretaria Nacional de Segurança Pública para o cumprimento das ações da portaria, como a elaboração do banco de conteúdos ilegais e a proibição de criação de perfis.
“Ao envolver a Senasp, compartilhamento de dados e criar um banco de conteúdos ilegais você acha que a questão está só na esfera do CDC?”, perguntou.
Representantes do Partido Novo na Câmara entraram com um projeto para derrubar a portaria do MJSP. A iniciativa assinada pelos deputados Adriana Ventura (SP), Gilson Marques (SC) e Marcel Van Hattem (RS), entende a medida como usurpação de poder, já que prever medidas para plataformas seria uma prerrogativa do Legislativo e não do Executivo.
Quais caminhos poderiam ter sido tomados?
Questionado qual caminho teria sido mais adequado por parte do governo, Paulo Rená aponta a aproximação do governo aos representantes da sociedade civil e também a criação de uma ação conjunta entre o Executivo e o Judiciário, com o intuito de judicializar as ações de contenção desses conteúdos.
“O que o governo precisa é parar de achar que necessita inventar uma regra nova e olhar para as regras que já existem, executando-as”, disse Rená, sugerindo caminhos de ação judicial em parceria com a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério Público Federal (MPF) por meio de medidas cautelares.
Esse ponto também foi levantado por Chico Brito que, em conversa com Ronaldo Lemos, sugeriu a remoção de conteúdos por meio de medida cautelar, seguindo a reserva de jurisdição, que consiste no impedimento de outros órgãos exercerem atividades originalmente atribuídas ao poder Judiciário.
E como fica o PL 2630?
Algumas determinações levantadas pela portaria também estão presentes nas propostas que o Executivo enviou ao Congresso para serem contempladas no Projeto de Lei 2630. Um desses conceitos é o dever de cuidado, que responsabiliza pessoas físicas e jurídicas pela prevenção de danos causados pelos seus serviços.
Sobre possíveis implicações da portaria na futura votação do PL 2630, o deputado Orlando Silva, que é relator do projeto, afirmou que não há atropelo no debate da Câmara. “Na verdade é mais uma demonstração da urgência que tem a aprovação desse projeto”, pronunciou Silva.