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A três meses das eleições gerais, Índia tem cenário ideal para desinformação

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O megaciclo de eleições no mundo, logo mais, vai enfrentar mais um desafio. Entre abril e maio deste ano, espera-se que mais de 1,4 bilhão de pessoas participem das eleições gerais na Índia para escolher os representantes legislativos que firmarão o próximo primeiro-ministro do país. Mas a maior eleição em um país democrático no mundo apresenta um risco já conhecido pelos indianos: a desinformação.

No ano passado, o Instituto Internacional pelo Apoio à Democracia Eleitoral publicou um relatório que mostra a Índia como o país onde mais circulam peças desinformativas durante processos eleitorais no mundo – o Brasil vem em segundo lugar. E as expectativas de novos grandes fluxos de informações falsas com a proximidade das novas eleições gerais levou o Fórum Econômico Mundial a afirmar, neste mês, que a desinformação é o risco mais urgente a ser enfrentado no país durante os próximos dois anos.

Partha C., ativista dos direitos humanos e especialista em desinformação, concorda com a avaliação do Fórum e explicou ao *desinformante o contexto desinformativo indiano dos últimos anos. De acordo com o ativista, o Partido do Povo Indiano (BJP, na sigla em hindi), que hoje governa o país e que concorre novamente no pleito deste ano, chegou ao poder apoiado num ecossistema massivo de desinformação.

Em setembro passado, uma matéria do The Washington Post destrinchou como as plataformas digitais, principalmente o WhatsApp, estão sendo utilizadas pelo grupo político – liderado pelo primeiro-ministro Narendra Modi, favorito para as eleições deste ano – para compartilhar material inflamatório, preconceituoso e falso, influenciando no processo eleitoral. Pesquisadores indianos também chegaram a comentar, ano passado, sobre como funciona a indústria da desinformação governamental do país.

“Para competir com o BJP, os partidos políticos da oposição também criaram as suas próprias redes de desinformação, embora tenham muito trabalho a fazer para recuperar o atraso”, comentou Partha.

Muçulmanos são os principais alvos de desinformação

Além disso, as mensagens compartilhadas a mando do BJP possuem um alto teor islamofóbico. Não à toa, em 2023, os mulçumanos foram os principais grupos atacados em peças de desinformação no país pelo terceiro ano consecutivo, de acordo com um levantamento realizado pela agência de checagem indiana BOOM

Segundo a organização, entre janeiro e dezembro, das 1.190 informações falsas checadas, 183 delas (ou 15,4%) tiveram como alvo a comunidade muçulmana. Desse montante, 96% trouxe uma perspectiva negativa à população muçulmana, 3% positiva e 1% neutra. Essas notícias falsas teriam, então, o intuito de espalhar a chamada “ansiedade demográfica”, termo utilizado para descrever a animosidade contra grupos demográficos.

O nacionalismo hindu e a supressão religiosa são algumas das principais pautas do BJP, que é vinculado a uma família maior de organizações de extrema direita chamada “Sangh Parivar” ou “Família Sangh”, que, por sua vez, faz parte da Organização Nacional de Voluntariado (Rashtriya Swayamsevak Sangh, em hindi), um movimento paramilitar que tem inspiração em movimentos fascistas europeus.

“Este movimento fascista sempre acreditou que a Índia pertence apenas aos hindus, e que os muçulmanos e os cristãos só podem ser cidadãos de segunda classe porque a sua ‘terra santa’ está fora da Índia”, explicou Partha. Mesmo com influência de propósitos nacionalistas, para o ativista, a principal causa desses ataques islamofóbicos é o “majoritarismo de Modi e o seu desejo de manter o poder através da disseminação do ódio contra as minorias vulneráveis”.

A propagação de discurso de ódio, consequentemente, levou a situações de violências reais contra populações historicamente oprimidas. Em agosto do ano passado, por exemplo, uma mulher muçulmana de 23 anos foi violentada por um grupo de quatro homens hindus. “Você não pode fazer nada, o governo é nosso”, afirmaram os agressores conforme relatou o jornal The Guardian.

Os fatores que explicam “a tempestade de desinformação” na Índia

Como explicou Partha, o discurso de ódio da extrema direita dirigido às minorias religiosas, além de migrantes e refugiados, é um dos principais fatores que explicam o desenvolvimento de um cenário informativo tóxico na Índia. Ainda de acordo com o ativista, outras duas tendências também ajudam a entender o processo pelo qual passa o país: o rápido acesso à Internet da população sem educação midiática digital e o barateamento na implementação das “fazendas de cliques“.

Sobre isso, ele comenta que, nos últimos anos, a população indiana passou por um enorme crescimento de acesso à Internet, especialmente por meio dos celulares. Porém, isso também resultou em “centenas de milhões de novos usuários que não possuem educação midiática digital e capacidade de distinguir o que é verdadeiro e o que é falso”. Além disso, o vasto excedente de mão de obra barata no país tem permitido a adesão cada vez maior das chamadas “fazendas de cliques” e da ação de trolls, utilizados para postar conteúdos e amplificar desinformação nas plataformas digitais.

“Todos estes três elementos criaram uma tempestade perfeita de desinformação tóxica e cheia de ódio, manipulando as eleições na Índia e causando violência direta no mundo real”, concluiu o ativista.

IA generativa na corrida eleitoral

Como em outros países, inclusive no Brasil, a Índia também espera uma maior presença de conteúdos criados sinteticamente, por meio de Inteligência Artificial, durante seu processo eleitoral. Por lá, as tecnologias de IA generativa já estão sendo utilizadas para criar deepfakes de candidatos e representantes de partidos políticos, afirmando coisas que não foram faladas por esses indivíduos.

Semana passada, a BOOM noticiou a presença de quatro deepfakes em áudio durante o pleito estadual de Madhya Pradesh, estado localizado na região central do país, no ano passado. “As descobertas são preocupantes enquanto a Índia faz a contagem regressiva para as eleições gerais de abril a maio. Os deepfakes também oferecem uma amostra de como os partidos políticos podem abusar da tecnologia de voz generativa de IA para enganar os eleitores”, pontuou a agência de checagem de informações.

Plataformas não respondem apelos de neutralidade 

Quando perguntado sobre as reações das big techs perante ao grande fluxo de desinformação, Partha C. respondeu que elas nada estão fazendo para proteger as eleições na Índia. “Os gigantes das redes sociais recusaram repetidamente qualquer envolvimento significativo com a sociedade civil ou mesmo com partidos políticos da oposição”, afirmou.

Em outubro passado, um bloco de oposição ao governo a Modi, chamado de INDIA, chegou a escrever para os diretores-executivos da Meta e do Google, Mark Zuckerberg e Sundar Pichai respectivamente, pedindo para que as empresas mantivessem a neutralidade das plataformas durante a eleições gerais de abril e maio. “Não parece ter havido qualquer resposta pública”, comentou Partha.

Há evidências, porém, de que as plataformas tenham contribuído para a situação indiana, como o YouTube e Instagram mantendo espaços para conteúdos violentos hindus mesmo com avisos da sociedade civil e a Meta sendo acusada de suprimir informações sobre o país em seu relatório de Direitos Humanos. Em 2020, a empresa de Zuckerberg também foi acusada de ter favorecido o partido do poder ao afrouxar as regras de moderação para determinadas figuras públicas.

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