Após três anos de desenvolvimento, parte da Lei de Serviços Digitais da União Europeia, o DSA, começa a valer nesta sexta-feira, 25 de agosto, para 17 plataformas e dois mecanismos de buscas considerados de grandes proporções, que possuem mais de 45 milhões de usuários no bloco econômico. Algumas das novas obrigações que devem ser seguidas pelas empresas de tecnologia também estão previstas no Projeto de Lei 2630/2020, o chamado PL das Fake News, que busca regular as plataformas digitais no Brasil.
Ao todo, 33 dos 92 artigos do DSA começarão a valer a partir desta sexta, do artigo 11 ao 43. Eles estabelecem, por exemplo, a criação de mecanismos que permitem que qualquer pessoa possa notificar as plataformas sobre a presença de conteúdos ilegais. Além disso, as redes sociais terão que notificar com clareza os usuários sobre os motivos que levaram a ações de remoção de conteúdo ou até mesmo de contas.
O diretor do InternetLab, Chico Brito, diz que há pelo menos quatro pontos em que é possível fazer um paralelo entre os projetos regulatórios europeu e brasileiro. Mas Brito reforça que o processo jurídico do DSA é peculiar, já que se trata não de um país, mas de um conjunto de 27 nações – o que torna a aplicação da lei um desafio, pois cada um desses estados-membros possuem suas próprias legislações. Isso é uma das razões, segundo ele, pelas quais o processo será feito em etapas, cada qual com suas datas e diretrizes.
Apesar das altas expectativas para esta sexta-feira, inclusive com algumas plataformas já anunciando atualizações para se adequarem à nova lei, Chico pondera que há muito caminho pela frente. De acordo com o pesquisador, além de os próprios países estarem se organizando para aplicar o texto, ainda há pontos que não sabemos como vão funcionar na prática, como os relatórios de transparência a serem apresentados pelas empresas.
“Como vão parecer esses relatórios? Qual tipo de métrica vai ser utilizada? A gente não sabe totalmente porque nenhum dos relatórios foi apresentado ou analisado pelas autoridades competentes. A gente tá começando a ver as balizas surgindo, as discussões sendo feitas dentro das empresas e dos âmbitos reguladores”, afirmou Brito.
Mas o que pode parecer um balde de água fria para os mais ansiosos, também se configura uma possibilidade de análise para os países que observam o desenrolar da iniciativa europeia, como o Brasil. “Se o DSA vai inspirar o processo do Brasil, precisamos discuti-lo a fundo como brasileiros”, afirmou o diretor do Internetlab, organização que lançou, nesta semana, o projeto Devorando o DSA, com o objetivo de trazer o debate da nova regulação de plataformas da Europa em diálogo com outros contextos e realidades.
Separamos abaixo algumas das principais semelhanças e diferenças entre o que vai ser implementado nesta sexta-feira pelo DSA e o que está previsto no PL 2630 brasileiro, que atualmente está em tramitação na Câmara dos Deputados.
Semelhanças
1 – Análise e mitigação de riscos sistêmicos
No DSA, as plataformas e mecanismos de buscas muito grandes deverão identificar, analisar e mitigar todos os riscos sistêmicos decorrentes da concessão ou do funcionamento dos seus serviços. É entendido como risco sistêmico, por exemplo, a difusão de conteúdos considerados ilegais e os efeitos negativos no exercício dos direitos fundamentais, como a liberdade de expressão e a proteção das crianças. A análise e mitigação de riscos sistêmicos também está presente na última versão do PL 2630.
2 – Realização de auditorias
As empresas terão que contratar, pelo menos uma vez ao ano, empresas de auditoria independentes para avaliar se as operações estão cumprindo as diretrizes do DSA. O ponto, que também aparece no PL 2630, vem sendo questionado por pesquisadores e estudiosos da área jurídica, já que a lei pode dar brecha para o chamado “audit washing“, quando a própria empresa determina os padrões a serem analisados e seguidos, dando a falsa garantia de cumprimento das normas e deveres.
3 – Abertura de dados para pesquisa
Em meio ao fechamento de API por parte das plataformas, que estão tornando os dados cada vez mais privados, a lei da UE prevê que pesquisadores cadastrados tenham acesso a informações das redes sociais para o desenvolvimento de estudos no bloco econômico. O tema vem no texto do PL 2630, mas de forma mais ampla. O texto europeu é mais restritivo para os indivíduos que podem solicitar o acesso a dados. De acordo com Chico Brito, há receio de que agentes maliciosos possam monitorar comportamentos de cidadãos.
4 – Relatórios de transparência
O DSA estabelece que as plataformas e mecanismos de buscas publiquem de seis em seis meses relatórios de transparência com informações claras sobre atividades de moderação de conteúdo realizadas. Os documentos precisam conter, por exemplo, esforços das plataformas para conter conteúdos ilegais, o número de pedidos de remoção de conteúdo por parte dos Estados-Membros e os recursos humanos investidos para a moderação de publicações. Essa obrigação também está presente no projeto de lei brasileiro.
5 – Resposta e protocolos em casos de crise
A lei da UE prevê que, em momentos considerados de crise, as plataformas adotem medidas específicas para avaliar se os serviços prestados contribuem para a situação de ameaça grave e para mitigar possíveis contribuições. O texto entende “crise” como circunstâncias extraordinárias que conduzem a uma ameaça grave para a segurança pública ou a saúde pública na União Europeia ou em partes significativas do seu território. Apesar do assunto constar no PL 2630, no texto, ele vem envelopado na forma dos “protocolos de segurança” e com mecanismos de funcionamento diferentes em relação ao DSA.
Diferenças
1 – Estrutura reguladora
Enquanto no Brasil ainda se discute o modelo e o órgão que ficará responsável pela fiscalização da regulação, na UE, o DSA estabelece a criação de um Comitê Europeu de Serviços Digitais para acompanhar e gerir a aplicação da lei no bloco econômico. “A estrutura de fiscalização é totalmente diferente e não daria para ser igual, porque temos jurisdições diferentes”, explica Chico Brito.
2 – Dever de cuidado
O tópico do dever de cuidado que está presente no PL 2630, de acordo com Chico, estaria mais próximo da lei alemã NetzDG, que, como na versão brasileira, tem uma espécie de lista de conteúdos considerados ilegais que devem ser removidos pelas plataformas, sem a necessidade de uma ordem judicial. Seria muito complicado a aplicação desse mecanismo no DSA porque são 27 países, cada um com sua legislação e posicionamentos diferentes sobre conteúdos ilegais.
3 – Imunidade parlamentar e publicidade estatal
Outro ponto diferente é o tema dos usos das redes sociais pelos representantes do estado, que ficou conhecido como imunidade parlamentar. Obrigações sobre publicidade estatal também não estão presentes na legislação da UE. “Essas são peculiaridades brasileiras”, afirma Chico.
Plataformas começam a se adequar ao DSA
Às vésperas do início do DSA, mais empresas de tecnologia anunciaram atualizações para cumprirem a nova lei. Hoje, 24 de agosto, o Google prometeu expandir o seu Centro de Transparência de Anúncios, com informações adicionais sobre segmentação de público, e abrir o acesso a dados das plataformas para pesquisadores que estudam riscos sistêmicos na região.
O Snapchat também confirmou novas funcionalidades que permitirão que usuários europeus escolham entre os tipos de feeds desejados, por recomendação algorítmica ou por ordenamento cronológico, além de fornecer mais informações sobre como funciona o algoritmo utilizado pela rede social.”Estamos totalmente empenhados em garantir que cumprimos os nossos requisitos de DSA até 25 de agosto”, afirmou o Snapchat em comunicado.Ambas as empresas se somam à lista de plataformas que anunciaram recentemente atualizações dos seus produtos e serviços para estarem em conformidade com o DSA, como o Meta e TikTok.