Os italianos foram às urnas e elegeram, no último domingo (25), com mais de 44% dos votos a coalizão de direita conservadora para o parlamento do país, levantando a possibilidade de a Itália ter como primeira-ministra a ultraconservadora e nacionalista Giorga Meloni.
A campanha eleitoral, que ocorreu próxima ao pleito brasileiro, foi marcada por ataques aos políticos de esquerda e de direita nas redes sociais, discursos xenófobos e uma campanha de desinformação online com pautas pró-Rússia dias antes da Meta anunciar a derrubada do que pode ser a maior rede de desinformação russa sobre a Guerra da Ucrânia. Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro celebraram Giorgia nas redes sociais e alguns perfis a chamaram de ”Bolsonara italiana”.
Conforme aponta o Observatório Italiano de Mídia Digital, canais de desinformação a favor do presidente Vladimir Putin foram acionados para espalhar medo em relação à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), acusando líderes ocidentais de levar a Europa à guerra nuclear.
O observatório também identificou mensagens no Twitter e no Facebook que apontavam teorias da conspiração em torno da OTAN, alegando que aviões alemães estavam deixando rastros de agentes químicos sobre o território italiano em setembro.
Além disso, durante o período eleitoral, políticos que apoiaram a União Europeia nas sanções ao Kremlin sofreram ataques nas redes sociais. Como explica Gianni Riotta, jornalista coordenador do Observatório Italiano de Mídia Digital e diretor do projeto DataLab da Università Luiss (Roma), o alvo dos ataques foram principalmente os integrantes do Partido Democrático (PD), de centro-esquerda, como o ex-premiê Enrico Letta.
Ataques também foram identificados à Giorgia Meloni, líder do partido Irmãos de Itália, o mais votado no domingo. Isso se deve principalmente pelo apoio da parte dela ao envio de armas à Ucrânia e às sanções à Rússia.
Ainda segundo Riotta, nomes como Silvio Berlusconi (líder do partido Força Itália), Matheus Salvini (do Liga) e o ex-premiê Giuseppe Conte não sofreram investidas do tipo. Os três possuem posicionamentos públicos a favor de Putin e do Kremlin.
“Esse silêncio em relação a eles nos faz entender que a desinformação russa os ignora. Há dois sinais: quando você faz parte dos amigos do universo pró-Rússia, não sofre ataques. Mas se faz parte dos inimigos, sim”, comenta o jornalista.
Políticos de esquerda como alvo de fake news
Outras articulações de fake news e desinformação foram identificadas na Itália. De acordo com o estudo desenvolvido pela Trementum Analytics e analisado pelo DataLab da Luiss para o jornal italiano La Repubblica, uma ação de desinformação orquestrada no Twitter atormentou principalmente políticos da esquerda às vésperas da eleição.
Conforme analisado pela Tremendum, cerca de 127 contas falsas produziram uma enxurrada de 18.419 tweets coordenados contra políticos e partidos no final de semana do pleito. Desse montante, 70% foi direcionado ao Partido Democrata.
O partido Força Itália, liderado por Silvio Berlusconi, recebeu 10% dos ataques, enquanto que Giorgia Meloni foi visada por 6% das mensagens compartilhadas pelos perfis falsos na rede social.
Outra organização preocupada com a situação de desinformação na campanha, a NewsGuard montou o Centro de Monitoramento da Desinformação especialmente para as eleições no país.
Segundo eles, dezenas de informações falsas começaram a surgir à medida que o dia do pleito se aproximava, chegando ao pico na última semana de campanha. Alegações infundadas que questionavam a integridade das eleições italianas foram alguns dos temas espalhados pelas redes sociais.
Em uma delas, por exemplo, um vídeo compartilhado no Facebook afirmava que os eleitores votantes no exterior recebiam a cédula junto com um panfleto convidando a votar em candidatos do Partido Democrático, sigla de centro-esquerda. De acordo com a própria NewsGuard, não há evidências de que isso aconteceu.
A ascensão de Giorgia Meloni e da direita italiana
Ela gosta de se apresentar como “mulher, mãe e cristã”. Em seus discursos aparecem também, com frequência, palavras como nação, defesa, tradição, patriota e orgulho italiano. Nos últimos dois meses, Giorgia Meloni, líder da sigla de extrema-direita Irmãos da Itália, surgiu como um fenômeno político e midiático.
As fotos de modelo, o discurso antissistema, as origens em um bairro popular romano, a Garbatella, e seu sotaque da capital tentam tirar importância a fatos do passado: aos 15 anos, Giorgia entrou no Movimento Social Italiano (Msi), partido fundado em 1946 de ex-líderes fascistas. “Acho que Mussolini foi um bom político, considerando tudo aquilo que fez pela Itália”, disse ela, recém-saída da adolescência, a uma reportagem de 1996 do canal France 3.
Em 2012, fundou o partido Irmãos da Itália que neste ano, junto aos outros dois maiores partidos conservadores – a Lega de Matteo Salvini e o Forza Italia de Silvio Berlusconi – abarcou mais de 44% dos votos, levando-a, assim, a ter também uma grande maioria nas duas casas do Parlamento, em uma dimensão tal que não ocorria desde as eleições de 2001. No entanto, dos 50 milhões de eleitores italianos, 36% não foram votar, levando à maior abstenção da história, em um país onde o voto é facultativo e onde, décadas atrás, a abstenção podia chegar a 10%.
Abaixo das expectativas ficou o Partido Democrático (PD), cujo secretário, Enrico Letta, se demitiu após a apuração dos votos: seu partido chegou a 18,97% das preferências para o Senado e 19,10% na Câmara dos Deputados, enquanto o Movimento 5 Stelle, também da precedente coalizão governamental, obteve 15% nas duas casas.
“A vitória plena é de Giorgia Meloni e seu partido”, explica Domenico Bilotti, analista e professor na Faculdade de Direito da Universidade Magna Grecia, “uma vitória camaleônica que passou de um partido minúsculo, cinco anos atrás, à maior força italiana”.
Segundo Bilotti, à raiz desse fenômeno estão aspectos como a união apresentada pela coalizão de direita, em contraposição ao enfraquecimento e à fragmentação dos setores de esquerda. “A esquerda se dividiu em três troncos e isso significou perder pelo menos um quarto dos colégios eleitorais”, analisa.
O PD, uma evolução de parte do Partido Comunista nascido como de centro-esquerda em 2007 e principal oponente da coalizão vencedora, desiludiu seu eleitorado como governo da situação nos últimos anos ao ter apoiado políticas neoliberais e se associado a siglas de centro e de direita. “A percepção de seu eleitorado tradicional é de que o PD perdeu sua identidade como partido representativo do povo e da esquerda”, observa Piero Bievilacqua, historiador, escritor e professor de história contemporânea na Universidade La Sapienza. Unida a esse fenômeno, a insatisfação devida às recentes crises econômica, pandêmica e da própria política italiana foi a brecha de que o populismo de Giorgia precisava.
Deus, pátria e família
O lema do partido de Giorgia, “Deus, pátria e família”, coincide com o desejo de uma sociedade patriarcal, tradicional e católica, em que os direitos das mulheres e das minorias provavelmente serão um alvo, junto à imigração irregular. Aqui no Brasil, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) foi um dos primeiros a parabenizá-la após a apuração. O deputado ainda destacou a similaridade discursiva entre Meloni e seu pai, o presidente Jair Bolsonaro (PL).
Algumas de suas promessas eleitorais são o combate ao “lobby” LGBTQI+, a abolição do crime de tortura por parte das forças de segurança, a facilitação do porte de arma, o bloqueio e apreensão dos navios de imigrantes irregulares, a punição a ONGs que os ajudam e a abolição do Reddito di Cittadinanza, ou Renda de Cidadania, um apoio econômico que complementa a renda de 4 milhões de pobres associado a um percurso de reinserção laboral e social.
A campanha de Giorgia também mencionou intenção de reduzir os impostos para os grandes empreendedores com o mote de que “quem gera mais empregos, paga menos”, na chamada proposta de “Flat Tax”, um imposto universal de 15%.
Existe também o risco de que o governo central coloque ainda mais empecilhos ao exercício do direito à interrupção da gravidez, já dificultado, atualmente, pela objeção de consciência da classe médica e à falta de acesso à pílula abortiva RU486 em algumas regiões.
O acesso à pílula RU486 e ao aborto gratuito nos primeiros 90 dias de gestação, na Itália, é um direito garantido pela Lei 194 de 1978. No entanto, os médicos podem se recusar a realizar o aborto caso não seja por motivos de risco à vida da mulher e hoje os objetores representam 69%, segundo o Ministério da Saúde, podendo ultrapassar os 80% em algumas regiões.
O perigo de que esses direitos sejam ainda mais subtraídos vem de experiências como a do governo de Francesco Acquaroli, do mesmo partido de Meloni, presidente desde 2020 da região Marche. Como as regiões têm autonomia na gestão da saúde, Acquaroli limitou o direito ao aborto impedindo o fornecimento da pílula abortiva até mesmo às clínicas privadas. Além disso, reduziu o limite de interrupção da gravidez para sete semanas (49 dias) e introduziu uma norma segundo a qual a mulher que tem a permissão para abortar é obrigada a “refletir” por uma semana antes da operação.
Sobre a imigração, o programa de governo de Giorgia relaciona o fenômeno a uma “ameaça à segurança e à qualidade de vida dos cidadãos”. Matteo Salvini, seu aliado pela Lega, ex-ministro do Interior, foi quem instituiu os decretos de segurança que aboliram a proteção humanitária, reduziram enormemente os canais e a concessão dos solicitantes de asilo político e as políticas de acolhimento – ações essas que foram, posteriormente, julgadas inconstitucionais pelo presidente Sergio Matarella e desmontadas pelo governo.