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Pontos de vista

Acervo pessoal

maio 13, 2024 | Pontos de Vista

Recomendações para lidar com a desinformação na mídia social em momentos de crise

Acervo pessoal
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Fiquei pensando em como eu podia ajudar um pouco a mitigar a crise da desinformação que vivemos, com as enchentes no RS (e eu também estou por aqui) levando em conta tudo o que o MIDIARS estudou e aprendeu com desinformação nos últimos anos.

A primeira coisa importante talvez seja compreender que desinformação floresce principalmente, onde há vácuo informativo. Em uma crise, como a das enchentes, onde é preciso tomar decisões rápidas, há medo e urgência em acessar informação. No entanto, a comunicação institucional/governamental não está acostumada com essa urgência, com a necessidade constante de estar informando, acalmando e trazendo aquilo que as pessoas precisam saber. Importante salientar que espero que tenhamos percebido, mais do que nunca, da importância de se ter boas assessorias de Comunicação. Vamos precisar também, daqui por diante, ter gabinetes de comunicação para a crise climática, que possam centralizar parte do combate à desinformação e auxiliar as assessorias locais.

Estamos monitorando (dentro do possível) os conteúdos desinformativos que estão circulando em várias plataformas sobre as enchentes e a catástrofe climática. Em cima dessas observações, este texto organiza algumas recomendações/sugestões em cima do que temos observado e das discussões que temos realizado. Esperamos que possam contribuir para a construção de estratégias mais eficazes de combate a esse tipo de desinformação na crise.

1.Ter canais oficiais nas plataformas 

O primeiro ponto é estar nos espaços específicos usados pelas pessoas da comunidade como presença oficial e canal oficial de informação. Por exemplo, sabemos que o WhatsApp é talvez o principal canal de comunicação entre pessoas no Brasil e um dos espaços por onde mais circula desinformação e, sobretudo, desinformação rápida, por conta de suas características. Vídeos antigos são replicados como se fossem atuais, gerando pânico. Informações sobre estradas que não existem, também. É preciso ter presença oficial ali, tanto para impulsionar o conteúdo oficial como para desmentir rapidamente conteúdos que possam causar dano. É preciso ter canais de informação de urgência, inclusive SMS. Além disso, tirar as dúvidas e apontar falsidades também é relevante, pois são espaços onde o conteúdo realmente informativo também se espalha mais. Quanto mais presença oficial, menos espaço para a desinformação.

2. Preencher o vácuo informativo

A desinformação circula porque as pessoas estão desesperadas por informação. De um modo geral, não há um preparo para isso em equipes de comunicação focadas em conteúdo institucional. Então, é preciso organizar o que vai ser informado e quando. As pessoas querem saber, várias vezes ao dia, se a água da enchente vai chegar onde estão. Querem saber se vai faltar comida. Querem saber onde estão seus pets. Querem saber quando volta a água e a luz. Querem saber das estradas, para buscar seus entes queridos. E fazer um único boletim e deixar o vácuo informativo por dias não resolve. Então é importante organizar essas demandas e fazer boletins frequentes e em horários específicos em que as pessoas podem já esperar (e informar desses horários), daqueles conteúdos com maior urgência. Quanto mais informação, menos espaço para a desinformação.

3. Centralizar as informações importantes 

Além de boletins frequentes, centralizar todas as informações em canais de fácil acesso pode ajudar muito. É importante concentrar todo o conteúdo ali: Estado das estradas, informações sobre o tempo, as cheias, serviços essenciais, abrigos, como ajudar, etc. Embora os conteúdos existam, as pessoas não sabem onde buscar, não lembram onde viram e acabam buscando errado. Nestes casos, as pessoas recorrem a grupos para buscar o conteúdo que perderam e muitas vezes, ou não recebem essa informação ou recebem desinformação. Ter um espaço claro onde está tudo organizado ajuda essa busca e permite que as pessoas encontrem o que buscam. Quanto mais as pessoas souberem ONDE procurar a informação verdadeira, menos chances de serem vítimas da desinformação.

Imagem de checagem realizada pela equipe da prefeitura de Pelotas (RS).

4. Organizar o conteúdo e os canais 

Uma estratégia relevante também pode ser buscar organizar o conteúdo temporalmente e em níveis de importância nos diferentes canais (sim, é preciso usar vários canais). Quase todo mundo usa o Instagram, mas como espaço de conteúdo informativo de urgência temporal, ele é péssimo (embora precise ser usado). A plataforma não organiza o conteúdo temporalmente e pode mostrar coisas antigas como atuais. Sempre que o conteúdo for publicado ali, precisa vir com data e horário muito claros, de modo que as pessoas rapidamente identifiquem aquilo que é velho. Além disso, boa parte do conteúdo que sai nos stories acaba “sumindo”, então é igualmente relevante ter esse conteúdo também em outros espaços. Embora eu sempre defenda, como estratégia comunicativa, não publicar o mesmo conteúdo em todas as plataformas, em comunicação de crise, onde se precisa ter certeza de que as pessoas vão receber aquela informação, a redundância é fundamental. Publicar a mesma coisa em vários canais oficiais, não só dá credibilidade, quanto também auxilia na visibilidade da informação.

5. Buscar dar a informação completa e dirimir dúvidas

Outro problema freqüente é, quando, na pressa de se trazer uma informação importante, ela é entregue de modo incompleto. Esse é outro “vácuo” que permite que a desinformação circule. Então é muito importante trazer o conteúdo completo, com as indicações já de como acessar e como compartilhar. Além disso, ter canais e espaços para auxiliar com dúvidas específicas é fundamental. Se o conteúdo não é completo e restam dúvidas, as pessoas vão buscar resposta em fontes “alternativas”.

6. Usar o tom correto nas informações e buscar construir credibilidade e autoridade 

Vi vários representantes oficiais dando entrevistas em tom de escárnio ou de pouca ou exagerada urgência. O problema é que, se o tom é sensacionalista demais, ou se usa de escárnio ou ironia, por exemplo, ele gera pânico e no pânico, as pessoas compartilham qualquer coisa “alternativa”, que “não foi dita” ou que “estão escondendo”. Entrevistas do tipo podem ser catástroficas, reduzindo a confiança nas autoridades. É preciso que as autoridades sejam transparentes, objetivas e sérias, informativas e empáticas, trazendo também especialistas para construir a posição de credibilidade. Se não há credibilidade na autoridade, na comunicação oficial, há espaço para a desinformação crescer.

Imagem usada para desmentir desinformação em canais oficiais da PRF.

7. Fazer monitoramento da desinformação 

Outro ponto importante é saber qual desinformação está circulando. Para isso, é preciso monitorar canais públicos de conteúdo e pedir que as pessoas busquem informações oficiais quando recebem conteúdos que possam ser desinformativos. Boa parte da desinformação não é completamente falsa e ilógica, mas baseada em eventos possíveis, em conteúdos parcialmente verdadeiros e enquadradas de modo a apelar para determinadas audiências. Sabemos que a desinformação é publicada em canais onde se sabe que as pessoas vão compartilhar e dar credibilidade, principalmente através de “enquadramentos” que favorecem esse compartilhamento. Por exemplo, temos visto muito conteúdo desinformativo ser publicado em canais de teoria da conspiração, buscando aliar a desinformação climática, a crise no RS e conteúdo político. Também vemos enquadramentos políticos para favorecer um conteúdo desinformativo específico (por exemplo, colocando um grupo político em um viés positivo ou negativo) e a publicação desse conteúdo ocorrer entre os detratores ou apoiadores do grupo. Esses grupos são usados para impulsionar o espalhamento desse conteúdo. Saber o que está sendo espalhado e o que é importante desmentir rapidamente também pode ser chave numa crise.

8. Atuar em conjunto com a imprensa e os checadores 

O jornalismo e o fact-checking podem ser ferramentas importantes e relevantes para auxiliar no combate à desinformação, principalmente, pelas assessorias. Nesse sentido, parece que é cada vez mais necessária, nesse tipo de crise, a localização da checagem (ou seja, checar também conteúdo muito locais) e o apoio da imprensa em construir credibilidade para a informação oficial.

Esse texto é um conjunto de indicações que não tem a pretensão de ser exaustivo e nem de dar conta de toda a questão. Aqui temos algumas indicações com base no que temos observado em termos de espalhamento de desinformação. Já fiz outro texto apontando os principais tipos e como parece que o fenômeno está acontecendo por aqui. É evidente que o ideal seria ter uma sala de comunicação de crise, levando em conta todos os elementos de comunicação de crise que já foram apresentados por outros colegas na própria literatura.

A desinformação é um fenômeno sistêmico e que adapta e muda muito rápido e, por isso, precisa ser continuamente observado, sistematizado e, em cima disso, precisamos sempre de soluções mais específicas. Na época da pandemia, por exemplo, a desinformação nas plataformas de mídia social tinha um comportamento bastante diferente do que vemos nessa crise das enchentes e do clima no RS. Estratégias que foram pensadas para aquele momento não pensavam, por exemplo, na questão da urgência do desmentido de certos conteúdos, como vemos hoje. Então, é muito relevante que pensemos, também, nas universidades, na pesquisa, e na ação institucional, em modos coletivos, cooperados e sistêmicos de lidar com a desinformação.

Este texto foi originalmente publicado no Medium de Raquel Recuero.

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Raquel Recuero

Professora e pesquisadora no Departamento de Comunicação e Linguagens da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), atuando nos programas de pós-graduação e graduação. Também é professora no programa de pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). É fundadora e diretora do Laboratório de Pesquisa em Discurso, Redes Sociais e Mídias (MIDIARS) e pesquisadora no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Disputas e Soberanias Informacionais (INCT-DSI).

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