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maio 9, 2024 | Destaques, Notícias

Infodemia nas emergências do clima: como lidar? como solucionar?

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A infodemia, termo usado pela Organização Mundial da Saúde durante a pandemia da Covid-19, quer dizer um aumento significativo no volume de informações, corretas ou não, sobre um tema específico nos ambientes ON e Offline, atrapalhando a confiança nas organizações oficiais, gerando desconfiança e comportamentos de risco que agravam a situação. Ela é típica de momentos emergenciais e tragédias, como estamos acompanhando com as enchentes no Sul do Brasil. Vamos ter de entender a engrenagem deste fenômeno para combatê-lo a partir da aliança de vários atores: poder público, jornalismo de qualidade, checagem de fatos, plataformas digitais, pesquisadores e sociedade civil organizada. 

A pesquisadora e consultora ambiental Lori Regattieri  lembrou que o último relatório do Fórum Econômico Mundial sobre desinformação e mudança do clima já previa severos riscos globais a partir dos dois problemas. Regattieri, em texto publicado no Observatório do Clima, ressalta  a necessidade de uma abordagem integrada para enfrentar tais desafios, especialmente à luz da liderança do Brasil no G20 e sua preparação para a COP30.

“A desinformação agrava esse cenário, pois desacredita a ciência e retarda a ação climática essencial. Assim, os eventos no Rio Grande do Sul são um lembrete brutal de que a crise climática não é um problema distante, mas uma realidade iminente que demanda ação urgente e informada”.

Um relatório do Instituto Democracia em Xeque sobre a narrativa da bancada ruralista sobre o tema reforça a análise de Regattieri. De acordo com a pesquisa, há uma persistência, no contexto das manifestações de solidariedade, de uma narrativa que ignora por completo a influência da crise climática e ambiental como um dos fatores determinantes da tragédia no Rio Grande do Sul. “As poucas menções aos fatores ambientais encontradas nestas postagens são em tons irônicos e negacionistas da crise climática”, destaca o relatório.

A professora Universidade Federal de Pelotas e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Raquel Recuero, que vive na região e pesquisa a circulação de informações falsas, analisou em um texto publicado nesta terça-feira (7) como, nessa crise, a desinformação opera em dois níveis. O primeiro, argumenta, busca descredibilizar e culpabilizar autoridades públicas, enquanto o segundo se trata de informações sobre localidades específicas buscando gerar o caos.

“Esses dois tipos de desinformação, contextual e específica, geram tipos diferentes de efeitos na população. No primeiro caso, a desinformação gera descrédito da população nas autoridades (principalmente governamentais, mas também, científicas, por exemplo). No segundo, dificultam a chegada de informação relevante e urgente, amplificam os problemas e afetam, diretamente, a tomada de decisões ruins pelas pessoas. Enquanto o primeiro caso foca o confirmation bias, o famoso “viés de confirmação”, extremizando posições políticas, o segundo foca o pânico, o medo, e o sentimento de desespero”, analisa Recuero.

O papel do jornalismo

Em meio ao caos informacional, o papel do jornalismo como mediador é valorizado como um ator capaz de separar o joio do trigo. No entanto, o modelo de negócios de muitos veículos – baseado no paywall – cria, literalmente, um muro para quem tenta buscar informações confiáveis sobre o tema, o que reforça ainda mais o lugar das plataformas digitais no consumo de conteúdos – sejam eles verdadeiros ou não. Esse fato também foi alvo de críticas da pesquisadora em suas redes sociais:

No entanto, alguns veículos agiram para que seus conteúdos tivessem livre acesso para o público em geral. O jornal O Globo anunciou a criação de um espaço no site chamado SOS Rio Grande do Sul com conteúdo aberto a todos os leitores sem a necessidade de assinatura. Outro veículo que abriu o seu material para republicação é a agência Lupa, todas as checagens que a organização está fazendo sobre as enchentes estão livres para republicação por qualquer meio de comunicação do Brasil. 

Além de um vácuo do jornalismo, o vácuo institucional também contribui para o caos informacional. Em entrevista ao *desinformante no começo da semana, Raquel Recuero deu exemplos sobre como a falta de centralização de informações e de uma comunicação oficial célere reforçam esse cenário:

“Na região onde estou a prefeitura anunciou que vai ter cheia e que ia divulgar um mapa de locais que deverão ser evacuados. Como não divulgou na hora, começam a surgir outros mapas desinformativos de locais que não serão atingidos, gerando pânico. Tem um vácuo que deveria ser preenchido e centralizado pela informação institucional que está sendo ocupado pelo que chega pelo whatsapp”, relatou.

O papel das plataformas 

Atores fundamentais para combater a infodemia, dado o volume de informações desencontradas que se multiplica em situações sensíveis, as plataformas digitais não conseguem conter desinformação climática e cumprir, por exemplo, as regras na União Europeia. É o que diz o estudo do CAAD (Climate Action Against Disinformation), que analisou os relatórios publicados pelas empresas de tecnologia sob o regimento do Código de Conduta sobre Desinformação e da Lei de Serviços Digitais (DSA, na sigla em inglês).

A partir das análises dos documentos, foi constatado que as plataformas não estão abordando a desinformação climática nas publicidades e não estão rastreando ou comunicando usuários que compartilham os conteúdos desinformativos. Além disso, as redes sociais estão permitindo propagandas irrestritas do setor de combustíveis fósseis e possuem lacunas nas políticas contra greenwashing, quando empresas se dizem sustentáveis, utilizando práticas de marketing e propaganda, mas não o são de fato.

No caso das enchentes do Sul, anúncios falsos, com pedidos de doações para os afetados que escondem golpes financeiros, são impulsionados sem qualquer moderação nas redes da Meta — que lucra ao permitir a divulgação desses crimes no Instagram, no Facebook, no Messenger e na plataforma de monetização Audience Network, informa o Aos Fatos. 

O veículo encontrou três publicações pagas que usam como foto de perfil o logotipo do g1, ainda que não tenham vínculo com o site de notícias da Globo.

De acordo com os Padrões de Publicidade da Meta, anunciantes não podem “veicular anúncios que promovam produtos, serviços, esquemas ou ofertas que usem práticas identificadas como enganosas ou fraudulentas, incluindo golpes para obter dinheiro de pessoas ou acessar informações pessoais”.

Um cenário de regulação digital 

Num eventual cenário de regulação digital, a infodemia poderá ser contida? Não temos como responder o que ainda não é realidade no Brasil. Mas o PL 2630 traz a ideia de dever de cuidado para as plataformas digitais. Na proposta legislativa, que ficou parada no Congresso, as plataformas vão precisar atuar de forma mais rápida para prevenir e reduzir práticas ilícitas que configurem crimes em algumas situações específicas: contra o Estado Democrático de Direito, atos de terrorismo e preparatórios de terrorismo, crime de instigação a suicídio ou a automutilação, crimes contra crianças e adolescentes, crime de racismo, violência contra a mulher e infração sanitária.

O projeto de lei também cria o protocolo de segurança, uma situação emergencial em que, com a iminência dos riscos ou negligência das empresas, as plataformas poderão responder civilmente pelos danos causados. Este protocolo terá um tempo determinado de vigência. 

A pesquisadora do INCT.DD e diretora do Democracia em Xeque, Tatiana Dourado, salienta a necessidade de um órgão regulador independente de governos que possa atuar com diligência nas situações de excepcionalidade. “Em momentos de crise severa, como a enfrentada pela população gaúcha, é muito natural que a busca e compartilhamento de informações seja acompanhada de especulações sobre os fatos e eventos. Infelizmente, grupos, certamente bem distantes do local da tragédia, disseminam mensagens, frequentemente falsas ou alarmistas, para atender a essa demanda e explorar ansiedade, medo, angústia e sofrimento das pessoas. Este cenário reforça a importância de ter autoridade reguladora independente, técnica e especializada para plataformas digitais, que possua, portanto, uma compreensão do que são e como podem ser mitigadas práticas abusivas e danosas online, inclusive em cooperação com governo, plataformas e outros segmentos”.

Já Nina Santos, coordenadora do *desinformante e diretora do Aláfia Lab, lembra como o país fica refém de medidas extraordinárias e pontuais, quando poderia estar sob regras contínuas pactuadas socialmente. “Enquanto estivermos lidando com medidas excepcionais para momentos excepcionais, as respostas serão sempre mais lentas e menos eficientes. O mundo digital veio pra ficar, faz parte das nossas vidas e precisa ter regras que sejam construídas e pactuadas socialmente. Só uma legislação pode fazer isso. Hoje estamos vivendo em função de regras opacas controladas por empresas privadas com pouca conexão com a realidade nacional. Se continuarmos assim, estaremos sempre correndo atrás do próprio rabo”.

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