A falta de ação das plataformas para defender os direitos humanos e a democracia na região do Oriente Médio e do Norte da África, que passa por um momento de instabilidade política e conflitos militares, foi o tema central de um evento realizado nesta segunda-feira (11) pela organização internacional Digital Action. A situação crítica dos palestinos, após o endurecimento do conflito entre Israel e Hamas, que já dura cinco meses, teve destaque no evento. A gerente de campanhas do Digital Action, Mona Shtaya, afirmou que a população palestina está sofrendo ataques de desinformação e discursos de ódio de maneira generalizada nas plataformas digitais, endossando episódios de violência física contra esse povo. “A desinformação está matando pessoas”, alertou. Em outubro passado, dias após o início da guerra, organizações internacionais já haviam pedido às bigtech que atuassem contra discursos violentos direcionados à população palestina bem como à israelense.
Além disso, de acordo com Mona, as plataformas da Meta, as mais usadas na região para comunicação e denúncia de episódios de violência, estão censurando postagens favoráveis à Palestina, diminuindo o alcance de conteúdos – prática chamada de shadowban – produzidos pela própria população para documentar os crimes de guerra que estão acontecendo em Gaza. “As políticas de moderação de conteúdo da Meta são enviesadas contra palestinos”, concluiu a ativista.
De aliadas da Primavera Árabe a ferramentas do ódio
Outro assunto levantado pelas participantes foram as eleições presidenciais na Tunísia, marcadas para o mês de novembro. Esse é o primeiro pleito eleitoral após a dissolução do Parlamento tunisiano, em 2021, pelo então presidente Kaïs Saïed que passou a governar o país por decreto. A Tunísia foi o estopim da Primavera Árabe, movimento popular que teve início em 2010 e que reivindicou o fim dos governos autoritários na região do Oriente Médio e do Norte da África.
Emna Mizouni, jornalista e ativista tunisiana, comentou sobre o papel das empresas de tecnologia na história recente do país. Mizouni lembrou que, na época da Primavera Árabe, as tecnologias digitais foram importantes para a articulação dos cidadãos, permitindo que eles se comunicassem e organizassem os protestos. “As empresas de tecnologia eram apoiadoras da revolução, mas agora, estão por trás de diversos tipos de violência”, afirmou Emna.
Como explicou a jornalista, atualmente discursos violentos contra populações negras, LGBTQIAP+ e críticos ao governo estão tomando conta das plataformas no país, como Facebook e TikTok. Além disso, jornalistas, empresários, políticos e qualquer um que postar comentários políticos dissonantes correm o risco de sofrer perseguições pelo governo. “O crescimento de discursos de ódio, infelizmente, não ajuda a transição democrática do país”, pontuou. A violência contra mulheres também foi destaque de um relatório publicado pela organização #ShePersisted, em agosto passado, que apontou como essa população vem sofrendo campanhas de ódio para que seja silenciada.
Já Rasha Younes, pesquisadora do Human Rights Watch, levantou a situação delicada por que passa a população LGBTQIAP+ nos países da região, como Egito, Irã, Jordânia, Líbano e Tunísia. De acordo com Younes, a presença digital dessa população, principalmente em aplicativos de relacionamentos e no Instagram, está sendo utilizada como provas para perseguições e violências on e offline.
“Eles estão perdendo seus empregos, sendo violentados pelas próprias famílias e tendo que se mudar de suas cidades”, relatou a pesquisadora. “E a Meta não respondeu às reclamações enviadas por eles, nem removeu os conteúdos violentos”.
O conselheiro do Oversight Board da Meta, Khalid Mansour, também estava presente no evento e reconheceu a urgência dos temas levantados pelas participantes, afirmando também que o maior desafio do conselho é a obtenção de transparência por parte da bigtech. “O papel da Meta e de outras plataformas é proteger seus usuários. Nós precisamos de mais transparência sobre as decisões que afetam a sociedade e a política”, afirmou.
Para Khalid, outro desafio são os vieses presentes na moderação de conteúdo, que ainda não consegue lidar com as especificidades contextuais e regionais dos usuários e suas publicações. “Ainda há muito trabalho a ser feito”, avaliou o conselheiro.