A internet possibilitou a comunicação entre pessoas de qualquer lugar do mundo, em tempo real. Também viabilizou que os indivíduos expressem suas opiniões pessoais e as divulguem nas redes sociais. No entanto, não vivemos só de diversidade de ideias e debate público no ambiente digital. Há divulgação de vídeos, fotos, receitas gastronômicas e até conteúdos criminosos. Alguns exemplos são ofensas à honra alheia, divulgação de fotos íntimas sem o consentimento de uma das partes, ameaças, além de desinformação. Aqui você vai conhecer um pouco sobre as legislações que garantem seus direitos online, sobre as políticas das plataformas para proteger os usuários e o processo que precisará seguir para se defender de eventuais posts ofensivos nas redes sociais.
Marco Civil
O Marco Civil da Internet, Lei nº 12.965, de 2014, estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Resumidamente, a lei garante a liberdade de expressão ao mesmo tempo que tem como fundamento o reconhecimento dos direitos humanos e a proteção da privacidade. O objetivo é garantir o acesso à informação, ao conhecimento e à participação na vida cultural e na condução dos assuntos públicos.
Tendo como princípio a preservação e garantia da neutralidade de rede, a única limitação sobre divulgação de conteúdo que a lei faz está contida no art. 21. Ele versa sobre a divulgação “de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado” sem a autorização de seus participantes. O artigo impõe responsabilidade subsidiária do provedor de aplicação de internet que não remover o conteúdo após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal. Ou seja, a plataforma precisa remover este tipo de conteúdo, sob pena de ser responsabilizado judicialmente.
Além dessa hipótese, os provedores só serão legalmente responsabilizados se, após ordem judicial, não removerem um conteúdo.
Termos de serviço e políticas das plataformas
Paralelamente, as plataformas podem elencar regras próprias que limitam a publicação de conteúdos para proteção de direito autoral e/ou de propriedade intelectual ou para coibir pornografia infantil, por exemplo. Os termos de uso e políticas de dados de serviços online das redes sociais informam as regras de utilização das plataformas pelos usuários e delimitam a responsabilidade do proprietário da aplicação de internet.
O Facebook restringe conteúdos com nudez, violência, assédio, suicídio ou automutilação, informação falsa, spam, vendas não autorizadas, discurso de ódio, terrorismo.
No Twitter não é permitido ameaçar nem promover terrorismo ou extremismo violento, exploração sexual de menores, promover violência, ameaçar ou assediar outras pessoas, amplificar ou suprimir informações artificialmente prejudicando a experiência dos usuários, manipular ou interferir em eleições, falsa identidade.
Já o Youtube considera violação das diretrizes da comunidade conteúdo sexual, violento ou repulsivo, incitação ao ódio ou abuso, assédio ou bullying, atos perigosos ou nocivos, abuso infantil, promoção de terrorismo, spam ou enganoso, que viola os direitos de outros usuários ou tenha problemas com legenda.
Código Penal
Posts ofensivos ou ameaças a outros usuários (xingamentos, falsas acusações ou mentiras sobre condutas criminosas ou não de determinados usuários) podem configurar crime contra a honra, tipificado no Código Penal; compartilhamento de fotos, vídeos ou conversas íntimas (porn revenge/pornografia de vingança) podem incidir na conduta tipificada no art. 218-C, §1º do Código Penal; e até mesmo a divulgação de desinformação pode afetar o debate público (como mentiras contra um candidato ou o processo eleitoral em si) ou a saúde pública (como divulgação de remédios sem eficácia contra a Covid-19 ou contra a eficácia da vacinação e das medidas sanitárias) são conteúdos ilícitos, pois causam danos públicos ou pessoais.
Os usuários podem notificar extrajudicialmente as redes sociais caso uma publicação contenha cena de nudez ou atos sexuais de participante que não tenha autorizado sua publicação ou que viole os termos de uso das plataformas. Neste caso, é feita a análise do conteúdo e, se for o caso, a indisponibilização da publicação.
Ocorre que, especificamente nos casos de violação aos termos de uso, como não existe uma obrigação legal de remoção extrajudicial desses conteúdos, caso a plataforma não remova após a análise da denúncia recebida pelos seus canais, o usuário prejudicado só poderá lograr êxito por meio de uma ordem judicial e, neste caso, precisará recorrer ao Poder Judiciário e ajuizar uma ação.
O processo na Justiça
O processo na Justiça não é rápido, não é simples e, muitas vezes, não é barato.
A pessoa que desejar remover um conteúdo ilícito das redes sociais e quiser identificar o responsável pela publicação precisa delimitar o conteúdo indicando a URL, o link que a publicação gera. É a primeira prova que o autor da ação deverá fazer. A segunda prova é a captura da imagem da publicação ofensiva. Segundo o art. 422 do Código de Processo Civil, bastava o print screen da publicação. Recentemente, a jurisprudência tem indicado a necessidade de outros meios de prova, como a ata notarial ou a captura técnica com metadados da publicação, com preservação em blockchain – tanto a ata notarial como o blockchain não são baratos -, e a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento para declarar que não podem ser usadas como provas as mensagens obtidas por meio do print screen da tela da ferramenta WhatsApp Web (RHC 99.735).
Feita essa produção de provas prévia ao processo judicial, deve ser escolhido o procedimento, se comum ou sumaríssimo (juizado especial). No procedimento comum (vara cível), a parte autora terá que pagar as custas iniciais, mas a vantagem é a possibilidade de recorrer de algumas decisões, o que no juizado não é possível. Por outro lado, no juizado especial, além de não ter custas, o trâmite é mais rápido e o processo termina mais rápido, mas não tem espaço para a produção de prova necessária para identificar quem publicou o conteúdo ilícito, para futura ação criminal ou indenizatória.
Produção de prova
A produção de prova para identificação do usuário não é tarefa simples. É necessária uma ordem judicial para que a empresa de aplicação de internet forneça o endereço de IP do link indicado. De posse do IP, o autor da ação deve conferir no site Whois qual é a empresa de conexão daquele IP e pedir a quebra de sigilo telemático para que a empresa de conexão forneça os dados pessoais do usuário responsável pelo IP. Há casos com milhares de IPs e cada um deve ser verificado.
Além de ser um procedimento burocrático e demorado, o Marco Civil da Internet prevê um prazo de 6 meses para as empresas de aplicação de internet guardarem os registros de acesso e de 1 ano para as empresas de conexão guardarem os registros de conexão. Portanto, se o processo demorar demais, as provas da identificação do usuário que publicou o conteúdo ilícito podem ser perdidas.
Para facilitar a comunicação com as provedoras de conexão e aplicação, o art. 246, §1º do Código de Processo Civil obrigou as empresas públicas e privadas a se cadastrarem no sistema de processos dos tribunais para receberem citações e intimações por meio eletrônico, o que tornou mais ágil o processo.
Depois da ordem judicial de remoção do conteúdo e da identificação do usuário ofensor, o autor da ação terá os dados necessários para intentar a ação de reparação dos danos morais e, se for o caso, a ação criminal. Tanto uma ação quanto a outra demandará um novo processo.
Há um caminho mais célere se a publicação tiver conteúdo criminoso. Neste caso, a vítima poderá apresentar uma notícia crime na delegacia especializada de repressão a crimes de informática ou na delegacia próxima de sua residência, pagar a taxa estipulada pela delegacia para “notícia crime” narrar os fatos, apresentar provas e requerer a quebra de sigilo telemático do responsável pelo post para, de posse dos dados pessoais, apresentar a queixa crime e/ou a ação indenizatória.
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Evelyn Melo Silva é advogada, especialista em Criminologia, Direito e Processo Penal pela Universidade Cândido Mendes e em Direito Digital pela UERJ/ITS. Membro da Comissão de Direito Eleitoral e da Comissão de Proteção de Dados e Privacidade da OAB/RJ.