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Como informação falsa pode ameaçar uma eleição

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“A gente precisa lembrar que a desinformação no contexto eleitoral sempre existiu”, afirma Ester Borges, coordenadora da área de informação e política do Internetlab. O que muda, de acordo com a pesquisadora, é que agora não só os marqueteiros e partidos políticos controlam essa narrativa, mas também os apoiadores podem participar do debate público e pautar as discussões sobre as eleições. Isso é ainda amplificado pelos algoritmos das plataformas e pelo poder de alcance desses conteúdos.

Pesquisas mostram a ampla circulação de desinformação eleitoral no pleito de 2018 e, quatro anos depois, o cenário não parece ter se alterado significativamente. O relatório “Democracia Digital – Análise dos Ecossistemas de Desinformação no Telegram durante o processo eleitoral brasileiro de 2022” aponta o aumento exponencial de conteúdos antidemocráticos e convite à desobediência civil no aplicativo Telegram. Um outro levantamento aponta anúncios com desinformação sobre eleições publicados nas redes da empresa Meta.

O contexto pede por medidas de contenção. Em junho, entidades da sociedade civil – entre elas o *desinformante e o Internetlab – lançaram a campanha #DemocraciaPedeSocorro, reivindicando ações das plataformas digitais para o combate mais efetivo da desinformação, principalmente aquela que fere a integridade eleitoral. Borges destaca que o problema exige, além de soluções tecnocêntricas, observar um conjunto de outras saídas. No âmbito das plataformas, é preciso ter atenção, entre outras ações, à filtragem realizada por elas. 

“Uma vez que está na redes, o conteúdo passou pela filtragem de moderação de conteúdo das plataformas. Então elas precisam fazer essa filtragem de uma maneira responsável, de uma maneira que seja comprometida com os valores democráticos e com os valores do pluralismo”, explica Ester Borges. 

João Brant, coordenador geral do *desinformante, também indica a importância de, a dois meses das eleições, ressaltar o papel e a responsabilidade das plataformas nesse cenário: “É preciso que as plataformas deem conta de frear os casos em que o conteúdo está atacando diretamente o nosso sistema eleitoral a partir de informações falsas ou enganosas. Só quem tem condição de observar e perceber esses casos no conjunto são as plataformas. Claro, com cuidados para que não seja retirado discurso legítimo sobre o sistema eleitoral e que todos os afetados tenham direito a um devido processo, no sentido de poder recorrer àquela decisão”.

Ester Borges, que conduz um estudo com a equipe do Internetlab sobre as políticas das empresas de tecnologia, pontua que as plataformas têm atuado no sentido de combater a desinformação sobre o sistema eleitoral em si, e não em relação à desinformação sobre candidatos, a não ser que sejam acionadas judicialmente.

No entanto, mesmo com o compromisso, a atuação ainda não é eficaz e não segue um padrão. Em julho deste ano, por exemplo, o YouTube removeu uma live do presidente Jair Bolsonaro com informações falsas sobre o processo eleitora. A live, no entanto, foi veiculada um ano atrás, em julho de 2021. No mesmo dia, o presidente fez uma outra live destacando as mesmas informações falsas, que só foi removida no dia 10 de agosto.

Um dos pontos do documento, portanto, destaca exatamente isso: As plataformas não devem permitir a veiculação de conteúdos com alegação infundada de fraude eleitoral ou ataque direto à integridade do sistema eleitoral, dada sua capacidade de minar a confiança no sistema eleitoral e no processo democrático. “Nós entendemos que está na mão das plataformas uma resposta efetiva. A ausência de resposta delas significará um ambiente certamente mais afetado pela desinformação, portanto a nossa expectativa é que elas reconheçam essa responsabilidade e possam atuar naquilo em que ainda não fizeram”, expressa Brant.

Além da remoção em si, o documento pontua que é preciso que se tenha transparência de como ocorre essa remoção. Por isso, entre as 15 diretrizes indicadas no documento, está a necessidade de que as plataformas apontem quantas pessoas, dentro de suas equipes, estão dedicadas à proteção da integridade eleitoral e que falam português e compreendem o contexto local. 

 “A gente precisa que pessoas que entendam o contexto brasileiro estejam trabalhando nessa filtragem tanto da desinformação, quanto do discurso de ódio e da violência política, porque existem muitas coisas que não são tão óbvias. Quando a gente fala de violência política contra grupos minoritários, por exemplo, isso não fica tão claro isso, não é tão explícito. A gente tem vários momentos cinzas, uma ironia, um sarcasmo, coisas que muitas vezes uma filtragem de conteúdo automática não vai pegar”, pontua Borges.

Veja todas as medidas indicadas pelo documento:

 

  1. As plataformas devem ter a proteção da integridade eleitoral como valor refletido em suas políticas de moderação de conteúdo e em seus termos de uso. Essa proteção não deve se dar apenas sobre o momento do voto e apuração, mas sobre todo o processo eleitoral, de forma a garantir sua higidez. 

 

  1. As plataformas devem garantir a adequação das políticas ao contexto brasileiro, e devem estabelecer protocolos de gerenciamento de eventuais crises institucionais de grande porte com indicação de contatos responsáveis diretamente ao Ministério Público Eleitoral e à Justiça Eleitoral. 

 

  1. As plataformas devem garantir transparência e direito de apelação sobre conteúdos que tenham sofrido medidas restritivas, em especial no caso de remoção e bloqueio de usuário, bem como reversão ágil no caso de erros na aplicação das políticas pelas plataformas. 

 

  1. As plataformas não devem permitir a veiculação de conteúdos com alegação infundada de fraude eleitoral ou ataque direto à integridade do sistema eleitoral, dada sua capacidade de minar a confiança no sistema eleitoral e no processo democrático. 

 

  1. Também não devem ser permitidas manifestações infundadas de questionamento ao resultado eleitoral (ou incitação a tais manifestações) após a divulgação dos resultados finais pelo Tribunal Superior Eleitoral. 

 

  1. Conteúdo que semeia desconfiança no sistema eleitoral por ataques indiretos (insinuações, ilações e manipulações sobre fatos etc.), ainda que sem alegação de fraude, não devem ser passíveis de impulsionamento nem de monetização, nem devem ser recomendados pelas plataformas. 

 

  1. Devem ser estabelecidos termos de buscas que podem ser redirecionados para páginas específicas com informações verificadas (como prevê o acordo assinado pelas plataformas com o TSE). No caso da venda de palavras-chave em sistemas de busca, as plataformas devem indisponibilizar aquelas utilizadas majoritariamente para a promoção de notícias falsas ou enganosas. 

 

  1. Quando houver publicação de conteúdos idênticos àqueles que já tiverem sido removidos por determinação da Justiça Eleitoral, deve haver a aplicação de medidas análogas de moderação, sempre que se tratar do mesmo contexto. Deve ser criado canal específico para a notificação, pelos usuários, dessas situações. 

 

  1. Sobre exceções em relação às políticas das plataformas sobre desinformação: 
  2. a) As plataformas não deverão dar tratamento de exceção a postagens realizadas por atores políticos. 
  3. b) Exceções dadas a conteúdos jornalísticos não devem contemplar artigos ou colunas de opinião que envolvam alegações sabidamente falsas ou inverídicas. 

 

  1. Sobre prazos e temporalidade das medidas: 
  2. a) Especificar marcos temporais claros a respeito da celeridade com a qual a plataforma promete atuar nos casos de notificações enviadas pelo TSE e órgãos da Justiça Eleitoral, tanto para remoção quanto para reversão de erros.
  3. b) Ajustes nos termos de serviço e nos padrões de comunidade feitos durante o período eleitoral para preservar a integridade eleitoral e democrática não devem passar por período de carência para sua aplicação, mas devem ser divulgadas imediatamente e notificadas à Justiça Eleitoral e aos partidos políticos. 
  4. c) As políticas e o esforço operacional específicos do período eleitoral devem ser mantidos até a posse dos eleitos. 

 

  1. As políticas devem ser redigidas de forma precisa, que não seja genérica, e que contenha exemplos que abranjam as diferentes situações de aplicação. As informações devem estar reunidas em um único documento, de fácil acesso, e apresentadas de forma clara e inteligível. 

 

  1. As plataformas devem ser transparentes e tornar públicas as informações de: 
  2. a) quantas pessoas têm dedicadas à proteção da integridade eleitoral que falam português e compreendem o contexto local; 
  3. b) quais os mecanismos internos externos de moderação, inclusive parcerias com agências de checagem. 

 

  1. Redes abertas e aplicativos de mensagens devem ter mecanismos claros e efetivos de aplicação (enforcement) de suas políticas contra a desinformação. 

 

  1. As plataformas devem disponibilizar dados, via API, para pesquisadoras(es) independentes e organizações civis que queiram realizar pesquisas relacionadas à aplicação dos termos de uso, as normas de comunidade, assim como estabelecer possíveis parcerias entre plataformas e pesquisas, no geral, atentando-se à proteção de dados das(os) usuárias(os). 

15. As plataformas devem vedar anúncios e impulsionamentos de propaganda eleitoral que não sejam realizadas pelos atores legitimados pela legislação eleitoral.

 

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