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José Cruz/Agência Brasil

Chamados para atos cívicos têm desinformação e discurso de ódio

José Cruz/Agência Brasil
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O que era para ser a comemoração dos 200 anos da Independência do Brasil tornou-se um dia de mobilização político-partidária após a conclamação do presidente da República e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, aos seus apoiadores. Pesquisas e monitoramentos sobre as mensagens convocatórias e anúncios referentes ao ato apontam conteúdo com potencial para afetar o processo eleitoral brasileiro e as instituições democráticas. As plataformas falharam, portanto, na moderação de desinformação e discurso de ódio relacionados ao 7 de Setembro. 

A partir das cerca de 129 mil ocorrências coletadas sobre o 7 de setembro nas redes sociais, no período 24 a 31 de agosto, pesquisadores do Núcleo de Pesquisas em América Latina (NUPESAL-UFRGS) selecionaram 347 postagens que servem para mostrar o sentimento dos usuários nas redes, considerando Twitter, Facebook e Youtube.

Destas 347 postagens, 225 (73%) foram consideradas com potencial antidemocrático, “negativas”, mostrando ataques ao processo eleitoral/aos tribunais e aos ministros ou com chamamentos direcionados ao ato de 7 de Setembro. Apenas 13% foram de repúdio ao ato e 14% refletiram notícias sobre a manifestação e/ou comentários neutros. “O movimento bolsonarista, em geral, não reconhece a legitimidade do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e também não tem confiança nas urnas eletrônicas e em pesquisas eleitorais”, afirma Ana Júlia Bernardi,  doutora em ciência política e uma das autoras do levantamento.

A narrativa construída a partir da análise dessas mensagens de convocação ao 7 de setembro é a de que “as supremas cortes e a mídia estariam em conchavo para minar o apoio de Bolsonaro e enfraquecer sua chance de reeleição. Assim, invertem os significados de ‘golpe’, ‘maioria’ e ‘liberdade’, adotando a narrativa de que o verdadeiro golpe à democracia é coordenado pelo STF , Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e grande mídia, que agindo de forma autoritária estariam ferindo as liberdades da maioria”, aponta Bernardi.

   Publicado no dia 6 de setembro, um relatório da organização internacional SumOfUs elaborado com base em uma amostra de 2,8 mil anúncios, detalha como a Meta (grupo detentor do Facebook, Instagram e WhatsApp) tem colaborado com esse cenário de animosidade, ao identificar dezenas de anúncios problemáticos, incluindo um que mostra uma faca e equipamentos de combate militares com hashtags relacionadas aos atos de 7 de setembro. Essas publicações acumulam 615 mil impressões, o que evidencia o papel do Facebook na disseminação e promoção de conteúdos violentos e de ódio, criados para minar a confiança nas eleições e ampliar o apoio a um golpe. Apesar de signatário do acordo com o TSE, não é a primeira vez que o grupo Meta sofre acusações de não cumprir com eficácia os compromissos que assumiu de ser mais ativo no combate à circulação de desinformação sobre o processo eleitoral brasileiro, como já demonstrou outro experimento realizado pela Global Witness.  

Em sintonia com o relatório da SumOfUs, Ana Júlia Bernardi ressalta que “nosso monitoramento (NUPESAL-UFRGS) tem detectado muitas mensagens nas redes sociais que violam os próprios termos de uso das plataformas, tanto no sentido de espalhar desinformação sobre o processo eleitoral, como espalhar discurso de ódio/discurso perigoso sobre as instituições e democracia”. 

“Mesmo que a justiça eleitoral esteja atenta aos crimes e exageros de candidatos nas redes sociais, a velocidade da derrubada de um conteúdo via contencioso judicial jamais terá a velocidade necessária do espalhamento de uma desinformação ou de um ataque nas redes sociais. As eleições de 2018 nos mostraram o quão rápido notícias falsas se espalham pelas redes e é extremamente importante que as plataformas mais do que atentas, sejam atuantes na remoção de conteúdo perigoso”.

O monitoramento semanal realizado pela Novelo e Essa tal Rede Social, “A política brasileira nas redes sociais” aponta que a estratégia dos grupos bolsonaristas no Youtube, tendo em vista ações da Justiça para exigir remoção de vídeos que atentem contra o sistema eleitoral, tem sido usar o mote da “liberdade” para evitar a menção direta ao 7 de Setembro.  

“Sob os olhares da Justiça, os bolsonaristas mudaram a estratégia de convocação no YouTube de menções diretas ao 7 de setembro por indiretas.  O volume de vídeos mencionando “7 de setembro” e suas variações no título ou descrição caiu 30% entre agosto de 2021 e agosto de 2022, mas é fácil notar como as menções a outros termos indiretamente relacionados ao assunto explodiram”, afirma o relatório que analisou a semana de 29 de agosto a 4 de setembro.

Outro comportamento detectado no levantamento é que desde o dia 24 de julho, o bolsonarismo apagou 136 vídeos citando 7 de setembro no título ou descrição 

A grande surpresa é que a maioria destes vídeos não foi publicada em 2022, mas em 2021 – 93 (ou 68%) das deleções envolviam conteúdos do ano passado.

Um 7 de Setembro com cheiro de 6 de Janeiro 

O dia 6 de janeiro de 2021 ficou marcado na história dos Estados Unidos pela invasão do Congresso por simpatizantes do então presidente Donald Trump, que não reconhecia o resultado das eleições presidenciais daquele ano. Instados pelo discurso de “fraude eleitoral” propagado pelo próprio presidente norte-americano, milhares de pessoas invadiram o prédio do Capitólio em Washington na tentativa de impedir o reconhecimento do pleito pelo Colégio Eleitoral lá reunido. Quatro pessoas morreram no episódio.

  “Vemos seguidamente que o script da extrema direita populista é similar, e nesse sentido a narrativa de Trump acaba sendo muito utilizada pelo presidente Bolsonaro”, destaca Bernardi. O chamado ao 7 de setembro nas redes revela como Bolsonaro segue os passos de “um autêntico líder populista, ao apontar a sua voz como a voz do povo, equiparando a bolha de seus apoiadores com a maioria da população brasileira, e ainda promovendo ataques contra intelectuais, artistas, imprensa e à ciência”. A pesquisadora menciona ainda que “o uso das milícias digitais, tanto no caso dos EUA, como no caso brasileiro também ajudam a espalhar essas mensagens, aumentando a percepção de realidade compartilhada e viés de confirmação entre os apoiadores”.

Flora Rebello Arduini, diretora de campanhas da SumOfUs, afirma: “É como se estivéssemos revivendo o cenário criado em 6 de janeiro nos Estados Unidos — a Meta está ajudando ativamente a mobilizar um exército online no Brasil responsável pela disseminação de teorias conspiratórias sobre a integridade das eleições e que ameaça dar um golpe violento. As autoridades em todo o mundo precisam agir com urgência ou estaremos fadados a ver esses tipos de ataques à democracia se intensificarem”.

O que dizem as plataformas

Contatados pelo *desinformante, o grupo Meta respondeu que, a respeito do estudo publicado pelo SumOfUs, “nos preparamos extensivamente para as eleições brasileiras de 2022, trabalhando em estreita colaboração com autoridades locais. Removemos conteúdo e contas que constituam uma ameaça real à segurança pública ou pessoal.” Afirmou ainda que possui mais informações em um blog post sobre as Eleições de 2022 e um one-pager que detalha as ações realizadas.

Realizou-se contato com o Twitter e o YouTube, cujos posicionamentos serão publicados aqui quando recebidos. 

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