Uma das principais discussões sobre o futuro da Internet está na forma como buscamos informações online. Nos últimos anos, especulações sobre o TikTok desbancar o reinado de décadas do Google era uma das principais possibilidades aventadas do que estava por vir. Pelo andar da carruagem, porém, não será uma rede social que roubará a coroa da gigante de buscas, mas muito provavelmente a Inteligência Artificial generativa – que, como de costume, carrega promessas de mudanças significativas e desafios inéditos para usuários e para o jornalismo.
Neste ano, grandes e promissores atores do setor de tecnologia já anunciaram planos de juntar IA com buscas. A OpenAI, por exemplo, está testando o SearchGPT, um protótipo de mecanismo de pesquisa baseado em IA que, segundo a empresa, será capaz de procurar informações, links e conteúdos na web a partir de comandos mais flexíveis, como uma conversa. Outro caso interessante é o Perplexity, que vem ganhando cada vez mais usuários com suas respostas automatizadas.
Mas, o que muda na prática com a entrada da IA no tabuleiro das buscas online? De acordo com o marketing dessas empresas: velocidade! Ao invés dos “enfadonhos e tradicionais” links azuis ranqueados nas páginas, o futuro da pesquisa na Internet pintado por elas vem com resumos, bullet-points e geralmente meia dúzia de links clicáveis em respostas mais objetivas e certeiras.
Há três meses, venho testando os resumos gerados com IA do Google, disponível por aqui apenas numa versão limitada para alguns usuários – a big tech afirmou recentemente que o Brasil receberá melhorias na ferramenta em breve. O que posso dizer dos meus testes é que, sim, a procura por informações, principalmente por questões triviais do dia a dia, estão mais rápidas e dinâmicas. Geralmente, nesses casos, não costumo passar dos resultados gerados pela IA.
Mas à medida que vou usando e confiando na funcionalidade, também estou tentando entender quais são os impactos críticos que ela traz para os usuários e, principalmente, para o Jornalismo no futuro próximo.
Primeiro, penso como a facilidade e objetividade dos resultados pode anestesiar ainda mais o usuário, já acostumado às recomendações algorítmicas, no acesso às informações online. Não tem pra onde correr: para conseguir reunir informação de qualidade e de maneira aprofundada, é preciso necessariamente de um posicionamento proativo e atento, que seja capaz de cruzar fontes e argumentos diferentes – o que parece estar mais difícil de alcançar e cobrar das pessoas.
E aqui a gente entra num paradoxo no mínimo complicado: à medida que os problemas atuais se tornam mais complexos, como mudanças climáticas e crises democráticas mundo afora, a tendência aparente é ter respostas mais curtas e limitadas. Receita para catástrofe!
Darwinismo social dos dados e o futuro do jornalismo
Um outro ponto é que o modelo de respostas dadas pela IA, com sua meia dúzia de links recomendados, privilegia determinadas informações e fontes em prol de outras, reforçando ainda mais o efeito chamado de “darwinismo social dos dados” pela Giselle Beiguelman, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.
De acordo com a pesquisadora e artista, essa lógica funciona como uma “seleção natural mais brutal” em que o mais acessado sempre será o mais forte. “Há cerca de 20 anos, dizíamos que no futuro quem não aparecesse no Google morreria. Hoje o perigo é o ChatGPT decretar a morte de tudo que está à margem dos centros hegemônicos”, escreveu Beiguelman na Revista Morel.
Não é exagero prever que o darwinismo social dos dados turbinado pela nova tecnologia também terá efeitos na produção jornalística, que ainda sofre para se estabelecer no modelo de negócio trazido pelas plataformas digitais. De acordo com o Gartner, o tráfego orgânico dos sites cairá 50% ou mais até 2028 por causa da adesão crescente às buscas com IA.
O colunista de tecnologia do The New York Times, Kevin Roose, já havia alertado sobre o impacto dos mecanismos de buscas com IA no jornalismo quando, em fevereiro, testou o Perplexity como buscador principal. “Grande parte da economia de mídia digital atual ainda depende de um fluxo constante de pessoas clicando em links do Google e recebendo anúncios em sites de editores”, disse o jornalista.
Ele continua: “Se mecanismos de busca de IA podem resumir de forma confiável o que está acontecendo em Gaza ou dizer aos usuários qual torradeira comprar, por que alguém visitaria o site de uma editora novamente?”.
E apesar de técnicas de otimização de conteúdo para IA generativa já estarem aparecendo, como a Generative Engine Optimization (Otimização para mecanismos generativos, numa tradução livre), tudo leva a crer que conseguir espaço nos limitados links sugeridos pelas funcionalidades será cada vez mais difícil.
Diante deste cenário, a OpenAI vem se esforçando para apoiar o jornalismo com acordos entre editoras internacionais. Recentemente, a empresa anunciou que vai usar os conteúdos da Condé Nast – que gerencia publicações como Vogue, The New Yorker e GQ – para o treinamento e resultados do SearchGTP.
Por um lado, é válido o esforço da empresa em expandir os acordos com as editoras, mas, por outro, ainda privilegiam grandes atores do setor (particularmente do Norte Global), deixando por enquanto à própria sorte os projetos de jornalismo independentes e regionais.
Dessa forma, estamos mais uma vez na corda bamba da IA: se por um lado, as funcionalidades podem trazer facilidades para o dia a dia do usuário, também apresentam novos desafios que se somam aos que já estavam aqui anteriormente. Respostas para esse cenário, pensando na sustentabilidade do jornalismo, como regulação e acordo entre editoras, ainda dão seus primeiros passos. A única certeza que nós temos hoje é a de que as saídas para esses problemas não cabem num resumo de três ou quatro frases criadas com IA.