Dúvidas sobre o atentado, questionamentos sobre quem estava por trás do ataque e até contestações sobre a legitimidade do tiro sofrido por Donald Trump no último sábado (13) alimentaram as teorias da conspiração que inundaram as redes sociais dos mais diversos lados. Os fundadores da Palver, Felipe Bailez e Luis Fakhouri, registraram, por exemplo, que as menções ao ex-presidente estadunidense que tenta a reeleição aumentaram quase dez vezes no mesmo dia nos grupos públicos de WhatsApp.
Nos grupos brasileiros monitorados pela empresa, as narrativas conspiratórias logo se espalharam. Por um lado, grupos mais ligados à esquerda afirmaram que o evento se tratava de uma “estratégia política” enquanto comparavam com os atentados sofridos por Jair Bolsonaro e Tarcísio de Freiras, insinuando que Pablo Marçal – pré-candidato a prefeito de São Paulo – “seria próximo a simular um ‘atentado fake’”. Por outro lado, nos grupos de direita, as teorias se esforçavam para culpar a esquerda pelo atentado.
Ambas as narrativas foram estimuladas e inflamadas por políticos brasileiros. De um lado, o deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) publicou em suas redes que a esquerda era “assassina” e, de acordo com Bailez e Fakhouri, gravou um vídeo identificando o autor dos disparos e afirmando que o atirador era descrito como “esquerdista e antifa”. Na verdade, o nome que Gayer apresenta não é o do responsável pelo atentado, que foi identificado como um jovem registrado no partido republicano.
Já a vertente que conspira que Donald Trump não foi atacado foi inflamada no Brasil por posts do deputado federal André Janones (Avante-MG). Em seu perfil no X, o deputado disse que a “fakeada” – menção à facada que Bolsonaro sofreu em 2018 – estava fazendo escola.
A teoria conspiratória de que o atentado foi, na verdade, uma encenação se espalhou tão rápido que chegou a ser recomendado no X e endossado por usuários com o “selo azul”, conforme noticiou a BBC. As postagens virais chegaram a milhares de visualizações, questionando, inclusive, a foto de Trump com o braço erguido após ser atingido.
O relatório da Cyabra, empresa de análise de desinformação, divulgado pelo The Guardian, indica que a narrativa falsa afirmando que Trump encenou o tiroteio foi predominantemente disseminada no X. “Numerosas contas sugeriram que Trump, antecipando uma derrota eleitoral para Biden, orquestrou o incidente para atrair mais eleitores e alterar a narrativa predominante nos Estados Unidos”, diz o relatório que estima um alcance de mais de 500 milhões de visualizações em publicações com as hashtags #fakeassassination (falso assassinato) e #stagedshooting (tiroteio encenado).
Imagens manipuladas por inteligência artificial generativa também foram usadas para trazer dúvidas sobre o atentado, reforçando a teoria de que tudo havia sido uma “encenação”.
Inclusive, em algumas publicações com imagens manipuladas – como a que está abaixo em que os agentes do serviço secreto estariam sorrindo – foram marcadas como “imagens alteradas” pelas notas da comunidade na plataforma X.
No Brasil, agências de checagem verificaram narrativas como a encenação do atentado, a autoria falsa dos tiros, falsas marcas de tiro no peito de Trump e a informação falsa que o senador Randolfe teria se solidarizado com o autor, assim como a manipulação da foto acima.
Com a avalanche das teorias conspiratórias, se retomou a ideia de BlueAnon, uma mistura da cor azul, do Partido Democrata, com QAnon. Para o The Guardian, Imran Ahmed, diretor executivo do Center for Countering Digital Hate, disse que “as teorias da conspiração não se limitam a uma persuasão política”. “Por causa das altas emoções em torno da eleição [americana], isso reforça o desejo das pessoas de encaixar o que está acontecendo em uma narrativa pré-determinada que satisfaça suas perspectivas políticas de qualquer maneira”, acrescentou.
Em uma coluna no jornal Folha de S. Paulo, os psicanalistas Thais Klein e Érico Andrade analisaram que a conspiração nesse caso é uma tentativa de afastar o arbítrio. “Tomar a violência dirigida aos líderes de extrema direita como casos isolados ou tomá-la como uma grande conspiração é seguir de mãos dadas com o discurso de onipotência. É não perceber que promover a violência é também ser atravessado por ela”, escreveram eles.