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Anúncios políticos irregulares: plataformas falham no 1o turno

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Pelo menos 27 candidatos impulsionaram conteúdos no TikTok, 3 no Kwai e 67 no Google e YouTube durante o primeiro turno das eleições. Os dados do Observatório de Impulsionamento Eleitoral do Núcleo apontam algo que deveria ser comum em uma campanha eleitoral, exceto pelo fato de as três plataformas terem proibido anúncios eleitorais no pleito deste ano. 

As eleições de 2024 inauguraram novas obrigações para o impulsionamento político nas plataformas digitais. A resolução do Tribunal Superior Eleitoral sobre propaganda (23.610) trouxe novas obrigações de transparência que foram vistas como avanços importantes para a integridade do pleito. No entanto, às vésperas dos brasileiros irem às urnas, o resultado do primeiro turno já mostra falhas na atuação das empresas no país.

A resolução determina que as empresas que ofertarem o serviço de impulsionamento precisam manter um repositório de anúncios e ferramentas de transparência sobre o tema. Essas bibliotecas deveriam conter informações em tempo real, contemplando dados como conteúdo anunciado, valores investidos, responsáveis pelo pagamento e período de impulsionamento, por exemplo. 

Após essa exigência, algumas plataformas decidiram vetar anúncios políticos na plataforma, como Kwai e Google. Neste ano, apenas a Meta cumpriu os requisitos para poder receber anúncios eleitorais, mas isso não impediu que outras plataformas – que inclusive não permitiam esse tipo de anúncio antes da resolução – veiculassem anúncios de candidatos.

Resolução eleitoral

De acordo com a resolução (Art. 27, § 1º), é caracterizado independente da classificação feita pela plataforma: “aquele que versar sobre eleições, partidos políticos, federações e coligações, cargos eletivos, pessoas detentoras de cargos eletivos, pessoas candidatas, propostas de governo, projetos de lei, exercício do direito ao voto e de outros direitos políticos ou matérias relacionadas ao processo eleitoral. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)”

Um estudo do NetLab UFRJ mostrou que após a vedação da veiculação de conteúdo político pelo Google, antes de iniciar a campanha eleitoral, peças de publicidade eleitoral continuavam a ser distribuídas pela plataforma Google Ads. “A restrição anunciada pelo Google não foi suficiente para cessar a veiculação de anúncios políticos, mas passou a isentar a plataforma da responsabilidade pela transparência desses anúncios. Portanto, o principal impacto da declaração do Google não é restringir o impulsionamento de anúncios de cunho político-eleitoral, mas sim a diminuição da transparência da publicidade veiculada em suas plataformas”, concluiu o relatório na época.

Além da pré-campanha, outros levantamentos identificaram anúncios no Google e YouTube durante o primeiro turno, contrariando as regras da própria empresa. O Projeto Brief identificou conteúdos impulsionados relacionados ao candidato à prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal. Nesse caso, de se contrapor à própria política, os anúncios também são irregulares porque é proibida a contratação de impulsionamento de conteúdo em redes sociais por quem não é candidato, ou seja, eleitores e apoiadores não podem impulsionar conteúdo eleitoral.

Nesta quinta-feira (3/10), a quatro dias do primeiro turno das eleições municipais, nossa equipe também encontrou na biblioteca de anúncios do Google – que não cumpre os requisitos estabelecidos pelo TSE – diversos anúncios eleitorais publicados também no YouTube. Uma simples busca por “vereador” no mecanismo mostra impulsionamento de diferentes políticos:

De acordo com o  Observatório de Impulsionamento Eleitoral, 67 políticos gastaram R$162.277 de 4 de agosto até 3 de outubro no Google/YouTube. Os dados apresentam um compilado dos gastos declarados ao TSE pelas campanhas.

A partir dessas irregularidades, o grupo Sleeping Giants entrou com uma representação junto à Procuradoria Geral Eleitoral para que o Google seja obrigado a cumprir as obrigações de transparência ou retire o conteúdo político-eleitoral impulsionado sob pena de multa. “Entendemos que a empresa está violando as regras eleitorais e, por considerarmos essa conduta prejudicial à transparência dos gastos eleitorais, ao processo eleitoral como um todo e ao ambiente público digital, apresentamos a representação ao Ministério Público Eleitoral”, explicou Humberto Ribeiro, diretor jurídico da organização. “Fica claro que o Google continua recebendo valores, inclusive dinheiro público, sem atuar de forma transparente em relação a esses conteúdos, uma conduta contrária às regras eleitorais e às melhores práticas corporativas”, acrescenta.

Procurada, a big tech ainda não se posicionou sobre o tema.

Além do Google, outras plataformas também veicularam anúncios políticos mesmo com regras contrárias. Os gastos eleitorais indicam que 27 políticos declararam valores de impulsionamento junto ao TikTok, o que representou cerca de R$ 26 mil. Questionada, a empresa esclareceu que o valor representa quanto o candidato quis investir, mas garantiu que, uma vez que o anúncio foi identificado e removido, o político foi reembolsado pela plataforma.  “Nossas políticas deixam claro que não permitimos propaganda política paga, publicidade política ou arrecadação de fundos por políticos e partidos políticos (para eles ou para outras pessoas). Nós trabalhamos para identificar e remover todos os conteúdos que violam nossas políticas”, informou o TikTok por nota.

Uma pesquisa do NetLab UFRJ apresentada pela Folha de S. Paulo também revelou anúncios pagos com conteúdos em que o candidato Pablo Marçal (PRTB) promete prêmios para quem viralizar cortes seus, além de outros vídeos com pedidos explícitos de voto. O levantamento aponta que os impulsionamentos foram comprados por contas do Brasil, Espanha, Reino Unido, Portugal, Alemanha, Suíça, França, Irlanda, Itália, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo. Ao *desinformante, o TikTok esclareceu que os conteúdos não foram veiculados no Brasil e foram removidos logo em seguida.

O Observatório também revelou que três candidatos declararam gastos com impulsionamento no Kwai, o valor foi de R$ 470. Em nota, a empresa disse que segue todas as determinações do TSE e “reitera seu papel como aliado das instituições brasileiras para garantir o cumprimento da legislação local”.

E a Meta?

A Meta foi a única empresa que se adequou às exigências do TSE em relação ao repositório de anúncios, ou seja, o Instagram e o Facebook são as únicas plataformas em que o impulsionamento de conteúdo eleitoral é permitido. Até agora, por exemplo, os candidatos já gastaram R$107.675.196 impulsionando na Meta, de acordo com dados do TSE. No entanto, a empresa deve lucrar ainda mais com os anúncios eleitorais porque, além do conteúdo anunciado pelos próprios candidatos, pesquisadores também encontraram conteúdos impulsionados por terceiros, o que é proibido pela legislação eleitoral.

“Vários levantamentos, inclusive levantamentos que a gente fez, mostram que terceiros estavam fechando impulsionando sim. E aí é mais uma coisa que vai mostrando cada vez mais que as plataformas não estão controlando os anúncios que são veiculados nos seus sistemas e a gente não sabe o porquê, se é um motivo comercial, se é falta de investimento, se é proposital, a gente não sabe. Mas a verdade é que as plataformas não estão garantindo nem os próprios termos de uso, nem os seus compromissos públicos como o compromisso da Meta com o TSE”, analisou Marie Santini, diretora do NetLab UFRJ.

O projeto Brief revelou 2.700 anúncios na Meta com o termo “Pablo Marçal”, candidato à prefeitura de São Paulo, em que 95% são divulgados sem o rótulo obrigatório de eleições, questões sociais e políticas. A Folha de S. Paulo também revelou dados de campanhas irregulares, inclusive prometendo boné em troca de pesquisa eleitoral, nos anúncios da plataforma.

Procurada, a Meta disse que não vai comentar sobre o tema.

Quais as sanções?

A pesquisadora Marie Santini avalia, a partir deste cenário, que as resoluções não foram capazes de conter as irregularidades. “A gente encontrou vários anúncios com IA, a gente encontrou vários anúncios não marcados como anúncios políticos, vimos terceiros anunciando e anúncios em plataformas que não poderiam estar vendendo anúncio político”, resume a pesquisadora. Para ela, isso se deve também à falta de punição. “A resolução do TSE não encaminha qual seria a punição, qual seria a multa, qual seria a consequência para a plataforma, então não resolveu. Assim, continuamos com o mesmo problema e a perspectiva, se nada mudar, é que o problema seja muito maior em 2026”, pontua.

O diretor jurídico do Sleeping Giants também faz uma avaliação parecida. “Para nós, essa situação evidencia a necessidade de aprofundar e estabelecer regras mais robustas de transparência para as plataformas digitais que atuam no Brasil. Além disso, é importante que sejam estudadas e implementadas sanções e que haja uma previsão clara sobre como essas empresas serão responsabilizadas pelas violações à nossa legislação, algo que ainda está ausente nos regulamentos atuais”, comenta Humberto Martins.

A coordenadora de pesquisa do InternetLab, Iná Jost, reforça que, apesar das obrigações impostas na resolução 23.610, não há previsão de responsabilização para as plataformas. O texto traz essa previsão apenas no artigo 9ºE, que determina a responsabilidade solidária quando as plataformas não indisponibilizarem conteúdos específicos, como atos antidemocráticos, desinformação sobre o processo eleitoral.

Jost pontua que essas regras foram feitas por meio de resolução e destaca a importância de uma regulação que fortaleça esse entendimento e que dê mais segurança jurídica e mais orientação para a atividade das plataformas. 

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