A terceira edição do Índice Latino-Americano de Inteligência Artificial (ILIA) aponta que, apesar do crescente entusiasmo em torno da inteligência artificial (IA) na América Latina e no Caribe, a região ainda enfrenta grandes assimetrias em investimento, infraestrutura e capacidade técnica em relação ao cenário global.
O relatório, que analisa o avanço da IA em 19 países, destaca melhorias em conectividade, qualificação de profissionais e formulação de políticas públicas, mas alerta que a falta de recursos e de estratégias consistentes de execução ameaça limitar o potencial transformador da tecnologia no desenvolvimento econômico e social da região.
Principais resultados e tendências regionais
O ILIA 2025 reforça o cenário de contrastes que marca o avanço da inteligência artificial na América Latina e no Caribe. Embora o interesse e o debate sobre o tema cresçam rapidamente, a região responde por apenas 1,12% do investimento global em IA, mesmo concentrando 8,8% da população mundial e 6,6% do PIB. Essa disparidade evidencia que o entusiasmo ainda não se traduz em ações e investimentos à altura do potencial tecnológico e das necessidades de desenvolvimento da região.
De acordo com o relatório, os países foram agrupados em três categorias segundo o grau de maturidade de seus ecossistemas de IA. Entre os pioneiros, com mais de 60 pontos, estão Chile (70,56), Brasil (67,39) e Uruguai, que se destacam por combinar infraestrutura tecnológica robusta, capital humano especializado e políticas nacionais ativas voltadas à pesquisa, à inovação e à governança digital.
Na sequência aparecem os adotantes, grupo intermediário que inclui Colômbia, Costa Rica, Argentina, México, Peru, República Dominicana e Equador, com pontuações entre 35 e 60. Esses países demonstram avanços expressivos em conectividade e qualificação, mas ainda enfrentam brechas críticas de investimento e capacidade de pesquisa. Por fim, os exploradores, como El Salvador, Paraguai, Cuba, Guatemala e Venezuela, esta última na última posição do ranking, com 24,65 pontos, operam com ecossistemas incipientes e baixa infraestrutura digital.
Apesar das lacunas, o relatório destaca movimentos positivos em economias de médio porte, como Equador, Costa Rica, República Dominicana e Guatemala, que registraram crescimento acelerado em conectividade, talento e estratégias nacionais de IA. Esse avanço reduz a distância em relação aos países líderes e aponta novas possibilidades de cooperação regional, especialmente em formação profissional, pesquisa aplicada e inovação pública.
Entre as tendências emergentes, a inteligência artificial generativa aparece como motor de democratização tecnológica. O relatório mostra que o acesso simplificado a modelos e ferramentas tem ampliado o uso da IA em setores produtivos e serviços públicos, colocando a América Latina como a terceira região do mundo em número de downloads de aplicações de IA generativa, com entre 15% e 20% das descargas globais.
Segundo o estudo, essa popularização funciona como um catalisador, especialmente para micro, pequenas e médias empresas, que passam a ter condições de adotar soluções de IA sem depender de grandes investimentos em infraestrutura.
Brechas e desafios estruturais
Segundo o ILIA 2025, nenhum país latino-americano supera a média mundial de investimento em IA em relação ao PIB per capita. Em termos proporcionais, a região investe seis vezes menos do que o necessário para alcançar esse patamar, o que limita tanto a capacidade de pesquisa quanto o desenvolvimento de soluções escaláveis. A baixa participação no investimento global — apenas 1,12% — contrasta com o peso demográfico e social da região, que reúne quase 9% da população mundial.
A desigualdade na formação de talento tecnológico é outro gargalo apontado pelo relatório. Embora o número de cursos e iniciativas de alfabetização digital venha crescendo, a formação avançada em IA permanece concentrada em poucos países. Treze das 19 nações avaliadas ainda não incorporaram competências em inteligência artificial aos currículos escolares, e onze não possuem programas de doutorado na área. O déficit de pesquisadores e engenheiros especializados impacta diretamente a capacidade de inovação, a autonomia tecnológica e a competitividade da região em setores estratégicos como saúde, educação e segurança.
No campo da governança, nove países já lançaram estratégias nacionais de IA, mas a maioria delas carece de orçamento, indicadores de acompanhamento e mecanismos de execução.
Inovação, sustentabilidade e oportunidades
Avanços significativos na pesquisa básica e no fortalecimento dos ecossistemas digitais da região também foram observados no ILIA 2025. O relatório aponta crescimento de programas de mestrado e doutorado em inteligência artificial na maioria dos países, ampliando a base de capital humano qualificado. Paralelamente, a penetração da internet segue aumentando, criando condições para a adoção mais ampla de tecnologias digitais.
No campo da infraestrutura, o Brasil concentra mais de 90% da capacidade de computação de alto desempenho da América Latina, evidenciando assimetrias regionais que ainda precisam ser superadas. Apesar disso, o investimento em centros de dados soberanos e privados ganhou força em 2025, com quase US$ 200 milhões em recursos públicos e mais de US$ 8 bilhões previstos em investimentos privados para a próxima década, sinalizando um movimento consistente de preparação tecnológica de longo prazo.
O relatório também destaca o software de código aberto como um vetor estratégico para inovação regional. Países como Honduras, El Salvador e Cuba se destacam na produção de soluções abertas, que permitem reduzir custos, promover colaboração transnacional e garantir maior transparência algorítmica.
Segundo o ILIA, esse modelo de desenvolvimento favorece a criação de soluções locais, inclusivas e adaptadas às necessidades sociais e econômicas de cada país, e pode servir como um catalisador para a democratização do acesso à tecnologia, complementando investimentos em infraestrutura e talento. Em conjunto, essas tendências indicam que, apesar das lacunas históricas, a região começa a construir fundamentos sólidos para um ecossistema de IA mais robusto e sustentável.
O ILIA 2025 aponta que a inteligência artificial pode ser um ponto de inflexão para a América Latina: um instrumento de produtividade, inclusão e sustentabilidade. Mas para isso, será preciso fechar as brechas de infraestrutura, talento e governança, garantindo que a IA sirva ao desenvolvimento humano e não aprofunde desigualdades.
O relatório conclui que o futuro da IA na região dependerá menos de competição e mais de cooperação, com políticas que estimulem inovação aberta, formação local e uso ético da tecnologia.
O que é o ILIA
Criado em 2023, o Índice Latino-Americano de Inteligência Artificial (ILIA) é uma iniciativa do Centro Nacional de Inteligência Artificial (CENIA), do Chile, em parceria com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe das Nações Unidas (CEPAL) e com o apoio de diversas instituições públicas e privadas.
O relatório tem como objetivo medir, de forma sistemática, o avanço da IA na região, oferecendo uma ferramenta comparativa e analítica para avaliar conquistas, lacunas e oportunidades estratégicas. Estruturado em torno de três dimensões principais: 1) fatores habilitadores, 2) pesquisa, desenvolvimento e adoção, e 3) governança, o ILIA busca orientar políticas públicas e fortalecer a capacidade dos países de integrar a inteligência artificial aos seus modelos de desenvolvimento de forma inclusiva, sustentável e ética.