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Emanuelle Sena/AscomAGU

jan 23, 2025 | Destaques, Notícias

AGU realiza audiência pública sobre moderação nas plataformas, mas elas não aparecem

Emanuelle Sena/AscomAGU
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A audiência pública “Política de moderação de conteúdo nas plataformas digitais”, convocada pela Advocacia Geral da União (AGU), aconteceu nesta quarta-feira (22) com a participação de mais de 30 representantes da academia e sociedade civil, mas sem a presença das próprias plataformas digitais. Foram convidadas para o evento – e não compareceram – as empresas: Meta, Google/YouTube, X, TikTok, Discord, Kwai e LinkedIn.

“As plataformas foram convidadas e preferiram não participar. É uma opção, nós respeitamos e isso não interdita o diálogo, que está sempre aberto”, disse o ministro da AGU, Jorge Messias, na abertura do evento. 

A ausência das empresas também foi comentada pelo adjunto do Advogado-Geral da União, Flavio José Roman. “É uma pena que as plataformas não tenham se dignado de comparecer hoje e fortalecer esse diálogo porque hoje é uma oportunidade para que o Governo Federal ouça, compreenda e, democraticamente de forma empática, entenda as razões das mudanças que são determinadas e os seus reflexos na sociedade civil, na academia e em outros setores”, disse Roman.

Em sua fala, Victor De Wolf, presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), ressaltou essa falta destacando a importância de se ouvir o que pensam os representantes das plataformas no Brasil. “Espero que a ausência das plataformas não seja um significado de não diálogo com a sociedade civil brasileira”, colocou.

A audiência foi convocada com o intuito de debater sobre os efeitos das novas políticas da Meta implementadas no Brasil e o seu impacto sobre a desinformação e a promoção e proteção dos direitos fundamentais. Após as mudanças terem sido anunciadas pelo CEO da big tech, a AGU encaminhou uma notificação solicitando informações sobre a decisão da empresa de acabar com o sistema de verificação de fatos.

Na resposta, enviada no dia 14 de janeiro para a Advocacia, a Meta disse estar “comprometida em respeitar os direitos humanos” e que o encerramento da verificação de fatos estava se dando apenas nos Estados Unidos neste momento e que o novo modelo de Notas da Comunidade seriam testados lá antes da expansão para outros países.

“Esse posicionamento das big techs é sobretudo uma tentativa de resistência corporativa ao controle democrático desses meios de comunicação digitais.  O controle democrático que vem sendo empreendido, sobretudo por meio de regulações implementadas ou em discussão, estão sendo impropriamente taxadas por mecanismo de censura por essas grandes empresas. Trata-se de algo que tem mais a ver com interesses econômicos do que uma genuína defesa da liberdade de expressão”, disse André Boselli,  coordenador do programa de Ecossistemas de Tecnologias de Informação e Comunicação da Artigo 19 durante a audiência pública.

Apesar do pontapé da audiência ter sido as mudanças anunciadas pela Meta no início do ano, as contribuições da academia e sociedade civil englobam, além dos pontos práticos das novas políticas, a moderação das plataformas como um todo, se debruçando especificamente sobre:

  • Política de conduta de ódio das plataformas digitais; 
  • Medidas para mitigação da circulação de conteúdos criminosos e ilícitos nas plataformas digitais; 
  • Impacto social e na sustentabilidade do jornalismo profissional;
  • Aprimoramento do canal de denúncias sobre enfrentamento da desinformação e violações de direitos fundamentais;
  • Necessidade de relatórios de transparência sobre a promoção e proteção dos direitos fundamentais e o enfrentamento à desinformação; 
  • Impacto das alterações na moderação de conteúdo sobre grupos historicamente marginalizados.

Por meio da audiência pública, a AGU também tem o objetivo de dar subsídios ao Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamentos sobre o tema e para o Congresso Nacional, onde tramitam projetos sobre a regulação do setor. Além das audiências, o órgão também está recebendo contribuições sobre o tema por meio deste link na plataforma Participa + Brasil.

A maioria das falas destacou a necessidade de uma regulação democrática do ambiente digital, destacando que atualmente já existe uma autorregulação promovida pelas próprias empresas com poucos níveis de transparência. “Elas falam que a censura só pode vir do estado, mas as plataformas se constituem como a principal estrutura de censura dos usuários na internet, decidindo unilateralmente o que vai ser moderado ou não”, colocou Marie Santini, pesquisadora e diretora do Netlab UFRJ. 

Como exemplo dessa moderação unilateral, a coordenadora de pesquisa e do Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS), Fernanda Rodrigues, apresentou na audiência os resultados da pesquisa “Reclamações sobre o procedimento de moderação de conteúdo em redes sociais: o que pensam os usuários”, em que são relatadas queixas de usuários que tiveram seu conteúdos moderados pelas plataformas sem explicação ou contexto sobre as ações. 

Ricardo Campos, professor da faculdade de direito da Goethe Universität Frankfurt am Main, também falou sobre o papel das plataformas nessa mediação, pontuando a mudança no papel do intermediário da comunicação que cada vez se coloca mais presente e com alinhamentos políticos claros. “Agora a centralidade do intermediário vem à tona e ele passa a ser o curador da liberdade de expressão praticamente da população como um todo”, ressalta. Assim, Campos defendeu a necessidade de mecanismos de transparência e de denúncias, por exemplo.

O coro por mais transparência foi acompanhado por diversos outros participantes da audiência. Jonas Valente, pesquisador da área e representante da Coalizão Direitos na Rede, reforçou a demanda do estabelecimento de regras de devido processo, a criação de um regime de responsabilidade, riscos sistêmicos e de uma entidade supervisora. Muitos desses assuntos, coloca Valente, já estão presentes no PL 2630/2020 que, defende ele, deve ter esse acúmulo valorizado. Outro ponto defendido foi a regulação econômica nessas empresas com vistas a desconcentrar a propriedade dos atuais monopólios digitais.

Além disso, a audiência também reuniu contribuições sobre legislações já vigentes que podem auxiliar na proteção de direitos fundamentais na Internet. Representantes do Instituto de Defesa de Consumidores, do Instituto Alana e do Sleeping Giants trouxeram falas nesse sentido.

Pesquisadores destacam proteção de grupos vulneráveis

A proteção de grupos vulneráveis também foi um tema-chave da audiência, especialmente após as mudanças da Meta e retiraram proteções contra o discurso de ódio, permitindo, por exemplo, “alegações de doença mental ou anormalidade quando baseadas em gênero ou orientação sexual, considerando discursos políticos e religiosos sobre transgenerismo e homossexualidade”. Victor De Wolf coloca que atualmente já existem diversos casos graves de ódio, em que pessoas de grupos vulneráveis são banidas das redes, e que isso tende a piorar.

Beatriz Kira, pesquisadora da Universidade de Sussex no Reino Unido, também falou sobre a proteção de grupos vulneráveis, especialmente mulheres, nas redes, ainda mais com a expansão de novas tecnologias, como a inteligência artificial. Kira pontuou como a violência de gênero, conteúdos sexistas e misóginos circulam nas redes e, citando o Observatório de IA nas eleições, reforçou como as candidatas foram vítimas de deepnudes nesses espaços. Diante disso, também pontuou a necessidade de regulação robusta e exemplificou normas já aprovadas no Reino Unido.

A pesquisadora e diretora do InternetLab, Mariana Valente, pontuou o mesmo, reforçando que a moderação já apresentava falhas antes e que as regras eram insuficientes para a proteção e garantia da liberdade de expressão. Valente explicou que, diante desse cenário, existiam pelo menos três caminhos: investir em melhorias para deixar os filtros mais refinados e precisos, anunciar mais investimentos em moderação de conteúdo feito por pessoas ou recuar radicalmente dos esforços para segurança – o que foi feito. 

“E isso é muito alarmante da perspectiva da garantia de direitos. É mesmo um novo pacto, uma nova gramática, um compromisso novo ou um descompromisso declarado. E é mais alarmante ainda se outras plataformas seguem o caminho”, avalia a pesquisadora.

Checagem de fatos também foi tema da audiência da AGU

Entre as mudanças anunciadas pela Meta, a decisão de remover a checagem de fatos nos Estados Unidos e incluir o sistema de Notas da Comunidade foi uma das mais debatidas na audiência pública. “Ninguém aqui é ingênuo e sabe que isso não vai acontecer só nos Estados Unidos. E, mesmo que aconteça, tem impacto no mundo todo”, colocou o professor e pesquisador da Universidade de São Paulo, Gustavo Hernique Justino de Oliveira.

“Mesmo que o fim do programa de verificação de fatos se restrinja aos Estados Unidos, o que não acreditamos que vá acontecer, essa decisão vai ter consequências imediatas em todo o mundo. As manipulações informativas não respeitam fronteiras”, também comentou Bia Barbosa, coordenadora de Incidência da Repórteres Sem Fronteiras para a América Latina.

Representantes da Agência Lupa, Aos Fatos e Projeto Comprova se dedicaram na audiência pública a explicar como a checagem de fatos funciona, o processo de verificação, o impacto que ela possui e a diferença da atividade para a moderação de conteúdo. “Nós não temos, nem buscamos ter, qualquer poder para excluir postagens, punir usuários ou mesmo para limitar o alcance de conteúdos em redes sociais. Nosso objetivo é puramente esclarecer informações falsas com base numa metodologia certificada pela International Fact-checking Network que preza, principalmente, pelo apartidarismo, imparcialidade, apartidarismo e precisão”, explica Natália Leal, CEO da Agência Lupa.

Tai Nalon, diretora-executiva da Aos Fatos, também reforçou os princípios do fact-checking brasileiro e revelou sobre o assédio judicial que os profissionais passam, o que também foi enfatizado por Katia Brembatti, presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). “Agências de checagem e checadores já são alvos frequentes de violência, especialmente digital, como doxxing, exposições e montagens. As declarações da Meta colocando em dúvida o trabalho dos checadores, sem apresentar provas, e insinuando a prática sistemática de vieses, representa uma tendência de piora nesse cenário de ataques”, disse a presidente, que completa acrescentando que as notas da comunidade não são capazes de substituir o trabalho.  

Além da checagem de fatos, de forma específica, a mudança é um ataque ao jornalismo como um todo, defende Bia Barbosa. “O que a Meta lança agora é uma escalada anti-jornalismo sob pretexto de uma liberdade de expressão distorcida e a serviço de interesses ideológicos que prevalecem sobre a necessidade de um debate público baseado em fatos”, aponta lembrando de diversas alterações que a empresa fez para diminuir o alcance do jornalismo nas suas redes.

“Agora a meta aprofunda sua lógica de desengajamento em relação ao direito de acessar informações confiáveis e promove uma estratégia global de marginalização do jornalismo”, acrescenta Barbosa.

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