Adolescentes do mundo inteiro vivem “onlife”, termo recentemente cunhado para a inexistência de uma vida fora do universo online. Mesmo aqueles que não possuem acesso à rede mundial de computadores têm o seu cotidiano influenciado por ela, no que se refere à economia, educação ou aquilo que desejam ser quando crescerem. E aqui no Brasil eles não são poucos. A pesquisa TIC Kids Online Brasil, do Comitê Gestor da Internet no Brasil, evidenciou, em seu último levantamento, que 95% das crianças e adolescentes de 9 a 17 anos de todo o país têm acesso a internet – o que corresponde a mais de 25,1 milhões. A pesquisa também revelou que 88% daqueles que têm entre 9 e 17 possuem perfil nas redes sociais – entre 15 e 17 anos, a proporção é de 99%. Sendo assim, não é exagero afirmar que eles estão vivendo conectados e por isso, é preciso que toda a sociedade compreenda como esse fato impacta a formação daqueles que vão comandar o destino de todos nós muito em breve.
O que os adolescentes têm a dizer sobre a sua relação com as redes sociais? Como se vêm ali? Como se comportam? O que acham dos benefícios e malefícios que elas provocam? Diretamente interessados e afetados por elas, eles dizem que são pouco ouvidos. Que pais, cuidadores, educadores e a sociedade em geral apenas afiançam que eles estão abduzidos pelas redes e que é preciso urgentemente “salvá-los” desse vício em telas e de todas as consequências que ele traz.
Foi exatamente para dar voz e vez aos adolescentes que o projeto “curti, e daí?”, um podcast e agora também videocast que tive o privilégio de criar em parceria com as jornalistas Laura Mattos e Eliane Leme, com o apoio do Instituto Vero, nasceu e se constituiu como um instrumento de expressão desses jovens entre 14 e 17 anos. Em nossas entrevistas Brasil afora constatamos que não apenas eles têm muito a dizer, como possuem um nível de reflexão e consciência dos desafios que enfrentam que não estão sendo levados em conta quando pensamos em formas de cuidar deles nos ambientes digitais. Vejam só:
“O jornal na televisão traz problema o tempo inteiro. Muito problema. E eu canso, eu não aguento. Então, acho que tem esse lado bom que tem uma certa leveza que você fala ‘estamos vivendo, está tudo bem’. E tem um lado ruim que é eu sou menos consciente sobre os problemas… (…) Então, quando eu vou escrever uma redação, eu escrevo com base nas minhas opiniões, na minha experiência de vida. Então, tem conteúdo que eu não tenho repertório. Por outro lado, eu acho que a minha vida é mais feliz. É um pouco. Mas eu posso estar errada…”, conta uma adolescente.
“Eu já sofri ataque de ódio. E é crime. Na vida real. Mesmo protegido por uma tela ou por algum tipo de anonimato, a pessoa ainda assim fez aquilo. É incabível qualquer pessoa racional odiar outra pessoa pelo jeito que ela age, pelo jeito que ela é. Então, o que eu vejo nas redes sociais, e não só nisso, na vida real, em qualquer situação cotidiana, são moralismos. São os ataques a… ‘Ah, o jeito que você é não é do jeito que eu sou e por isso você está errada’ “, relata um outro jovem.
“…discurso de ódio contra a família. Então, parece que as pessoas, não sei se por problemas pessoais ou se do ódio do dia a dia, se sentem à vontade de descarregar em outras pessoas. (…) Então, são coisas meio incompreensíveis. Então, acho que tá muito mais dentro das pessoas, dentro da formação (delas), do que só na internet”, reflete mais um adolescente.
O exercício da escuta atenta e respeitosa nos mostrou a importância de trazer a conversa e o diálogo para o centro das relações entre adultos e adolescentes. Isso se deu no espaço escolar, que ainda é aquele que tem como pressuposto a promoção da convivência entre os diferentes. Essa prática tem se revelado extremamente eficaz para compreendermos o que podemos fazer com e por esses jovens. Tanto, que criamos um material exclusivo para os educadores. Pois, como afirma Dennis Rader, escritor e professor americano em “Learning Redifined” (“Aprendizado redefinido”, em tradução livre) :“… a verdadeira conversação é a forma de limpar venenos tais como pressupostos falsos, preconceitos, ignorância, desinformação, falta de perspectiva, falta de imaginação e teimosia do sistema”.
Quando educadores nos relatam como o uso do “curti, e daí?” em sala de aula produziu uma mudança de comportamentos e de atitudes dentro e fora do ambiente escolar, temos a certeza de que estamos no caminho certo, e de que inspirar e incentivar essa prática em todos os lugares onde os adolescentes estão pode ser uma boa alternativa para buscarmos juntos as soluções possíveis para uma internet melhor. Como afirma a escritora e ativista bel hooks em seu livro “Ensinando pensamento crítico: sabedoria prática” (Elefante Editora) “… vivemos em uma cultura na qual várias pessoas não dispõem de habilidades básicas de comunicação, porque na maior parte do tempo são consumidoras passivas de informação. (…) Por isso que a conversa se torna uma intervenção tão importante, porque não só abre espaço para todas as vozes como também pressupõe que todas as vozes podem ser ouvidas”.
Práticas ancestrais como o diálogo, a escuta ativa, a contação de histórias, têm se revelado tecnologias poderosas de combate à solidão, depressão e outras mazelas que acometem as nossas crianças e jovens. Em tempos de Inteligência Artificial precisamos atentar que começar pelo que já sabemos fazer desde os tempos imemoriais, pode nos humanizar. E é precisamente disso que necessitamos.