A nova série da Netflix, Adolescência, já alcançou mais de 66 milhões de espectadores. Em sua estreia, ocupou o primeiro lugar no ranking das produções mais assistidas da plataforma, em 71 países, incluindo o Brasil. O sucesso da minissérie britânica se deve, principalmente, ao seu tema: a radicalização de jovens no ambiente online e a proliferação de conteúdos misóginos nas redes sociais.
Na trama, Jamie Miller (Owen Cooper) é acusado de assassinar a colega de escola Katie Leonard a facadas. À primeira vista, parece que estamos diante de mais uma série sobre crimes, produzida amplamente pela Netflix, mas Adolescência não se concentra na resolução do crime, e sim em suas motivações. Ao longo da história, somos apresentados a conceitos fundamentais para entender tanto o ambiente físico quanto o online em que Jamie está inserido.
Em um diálogo com a psicóloga, Jamie pergunta se ela conhece a teoria 80/20: a ideia de que 80% das mulheres se sentiriam atraídas por apenas 20% dos homens, deixando os demais sem oportunidades de satisfação amorosa. Essa teoria faz parte de um conjunto de conteúdos incel e redpill, amplamente disseminados em comunidades misóginas. Na série, adolescentes, entre 12 ou 13 anos, demonstram estar bastante familiarizados com essa retórica.

Os incel e redpill são grupos que se organizam principalmente em comunidades online que propagam ideologias misóginas e supremacistas masculinas. Incel é uma abreviação de “celibatário involuntário” (em inglês, involuntary celibate) e se refere a indivíduos que culpam as mulheres por sua incapacidade de estabelecer relacionamentos românticos ou sexuais, frequentemente nutrindo ressentimento e, em alguns casos, incentivando a violência como forma de retaliação.
Já redpill faz alusão ao filme Matrix (1999) e é um termo usado para descrever aqueles que acreditam ter despertado para uma suposta verdade oculta: a ideia de que a sociedade estaria estruturada para favorecer as mulheres e oprimir os homens. Dentro dessa perspectiva, os redpills promovem discursos de superioridade masculina e disseminam conteúdos que reforçam a submissão feminina, consolidando-se como parte do movimento masculinista da chamada “manosfera” ou “machosfera”.
Embora a série não seja baseada em uma história real, seus criadores, Jack Thorne e Stephen Graham (que também interpreta Eddie Miller, pai de Jamie), se inspiraram em diversos casos ocorridos no Reino Unido. O país enfrenta uma crescente epidemia de crimes com facas e, em março de 2023, foram registradas 18.500 condenações e advertências por posse de arma branca; 17,3% dos infratores tinham entre 10 e 17 anos. Para construir a narrativa, os roteiristas mergulharam em fóruns online, como 4Chan e Reddit, e ficaram surpresos ao descobrir que discursos misóginos não surgiam apenas em espaços óbvios, mas também em pequenos blogs, vlogs e até em detalhes sutis, como explicações sobre jogos de videogame que incluíam mensagens de ódio contra as mulheres.
A série retrata como adolescentes são atraídos para essas comunidades por meio de vídeos virais e influenciadores que promovem uma visão distorcida da masculinidade. A radicalização ocorre de forma gradual: começa com conteúdos aparentemente inofensivos, focados em autoestima e sucesso, e evolui para discursos agressivos sobre controle e submissão das mulheres. Um exemplo citado na série é Andrew Tate, um influenciador com milhões de seguidores, acusado de crimes como estupro, tráfico humano e formação de grupo criminoso para exploração sexual de mulheres.
Esses conteúdos encontram nas plataformas online um ambiente propício para sua disseminação. No Brasil, o YouTube abriga 137 canais que propagam ódio, aversão, controle e desprezo às mulheres, acumulando um total de 3,9 bilhões de visualizações, segundo relatório do Observatório da Indústria da Desinformação e Violência de Gênero nas Plataformas Digitais, em parceria com o NetLab-UFRJ. A análise revelou que o tema mais recorrente nesses vídeos é o desprezo às mulheres e a chamada “insurgência masculina”, presente em 42% dos conteúdos. Esses canais naturalizam discursos de ódio e misoginia, desprezo e aversão a mulheres. Para driblar os sistemas de moderação da plataforma, as mensagens muitas vezes são disfarçadas sob o rótulo de “desenvolvimento pessoal masculino”.
São inúmeros os desafios que o ambiente online impõe aos pais, professores e responsáveis. Um deles é a dificuldade de compreender as interações e a forma como os jovens constroem suas linguagens, regras e sistemas nas plataformas digitais. Na série, o que à primeira vista parece ser apenas uma troca inofensiva de comentários com emojis entre colegas, mais tarde, descobrimos que fazem parte de um bullying sutil e simbólico, compreendido apenas por aquele grupo, mensagens codificadas para identificar uns aos outros e reforçar ideais misóginos.
Em uma das cenas do quarto episódio, durante um diálogo entre os pais, a mãe se recorda que o filho sempre estava em casa, no computador, de alguma maneira protegido e seguro. Durante seus quatro episódios, todos filmados em plano-sequência, técnica que na série traz uma sensação do inescapável daquelas cenas, é impossível habitar outro espaço, não temos respiro, não podemos fugir. No final, ficamos com mais perguntas do que respostas: como criar um ambiente online mais seguro? Qual a responsabilidade das plataformas digitais que abrigam discursos de ódio e violência? Como proteger crianças e adolescentes nesse contexto? De que maneira os espaços online, que se tornaram fundamentais para as relações sociais, impactam nosso cotidiano e operam sobre nós?