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Kayo Magalhães / Câmara dos Deputados

nov 12, 2025 | Destaques, geral, Notícias

Adesão ao Acordo de Escazú pode marcar novo capítulo na integridade da informação climática no Brasil

Kayo Magalhães / Câmara dos Deputados
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O Brasil está em vias de aderir ao Acordo de Escazú, tratado internacional que garante o acesso à informação, à participação pública e à justiça em temas ambientais na América Latina e no Caribe. A Câmara dos Deputados aprovou, na quarta-feira (5), a proposta que autoriza a adesão do país ao acordo, que agora segue para análise do Senado. A expectativa é que, diante da realização da Cúpula do Clima – COP30 no Brasil e da centralidade da pauta ambiental, o Senado aprove e o Poder Executivo ratifique o texto, avançando assim na implementação do tratado no país.

Adotado em Escazú, na Costa Rica, em março de 2018, e em vigor desde abril de 2021, o acordo é o primeiro tratado ambiental da região e o único no mundo a estabelecer cláusulas específicas para a proteção de defensores e defensoras ambientais.

Entre seus principais compromissos estão o acesso gratuito à informação ambiental, a participação social desde as etapas iniciais de projetos com impacto ambiental e a garantia de instrumentos de justiça, como medidas cautelares e assistência jurídica gratuita. O texto tramitava na Câmara desde maio de 2023 e sua votação, realizada em regime de urgência, ocorreu após pressão de organizações ambientais e de direitos humanos em todo o país.

Especialistas avaliam que a adesão do Brasil pode ter impacto direto no fortalecimento da integridade da informação ambiental e no combate à desinformação, tema que ganha ainda mais relevância com a realização da COP30.

Para Joara Marchezini, assessora de projetos no Instituto Nupef, organização integrante do Movimento Escazú Brasil, a transparência prevista no tratado pode ser decisiva: “Quanto mais informação pública circulando e mais as pessoas estiverem bem informadas, maior será a capacidade de enfrentamento à desinformação”, afirma. Segundo ela, garantir informações acessíveis, de qualidade e em linguagem adequada é uma das premissas centrais do Acordo e também “uma ferramenta poderosa contra a desinformação ambiental”.

O que o Acordo prevê

O Acordo de Escazú estabelece três pilares centrais para promover uma governança ambiental mais democrática: o acesso à informação, a participação pública e o acesso à justiça em questões ambientais. Na prática, garante que qualquer pessoa ou empresa possa obter dados sobre a qualidade do meio ambiente e sobre atividades que possam ameaçá-lo, participar de processos de decisão que impactem seus territórios e recorrer à Justiça para defender seus direitos e proteger o meio ambiente.

Segundo Joara Marchezini, o tratado parte do princípio de que uma democracia ambiental sólida é também uma forma de prevenir conflitos. “Com informação, participação e acesso à justiça, fortalecendo a democracia ambiental, os conflitos tendem a diminuir”, explica. Para ela, o Acordo de Escazú funciona como “um piso mínimo” sobre o qual os países podem aprimorar continuamente seus sistemas nacionais de informação e de produção de conhecimento ambiental.

Além de promover maior transparência e participação, o tratado também se mostra essencial no enfrentamento à desinformação e à corrupção em temas ambientais, experiência já observada em países que ratificaram o acordo. É o que explica Raquel Lima, coordenadora do Centro de Referência Legal da Artigo 19 Brasil e América do Sul. Ela lembra que “a falta de transparência está na base da desinformação” e que o principal antídoto contra isso é justamente tornar as informações públicas e acessíveis.

Proteção de defensores ambientais

O Acordo também estabelece obrigações claras para que os países signatários implementem programas de proteção a defensores e defensoras ambientais, uma pauta urgente no contexto brasileiro. O Brasil é hoje o segundo país mais perigoso do mundo para quem atua na defesa do meio ambiente, segundo dados da Global Witness.

A pesquisa Na Linha de Frente, realizada pela Justiça Global e pela Terra de Direitos, revela que 80,9% das pessoas defensoras de direitos humanos que sofreram violência entre 2023 e 2024 atuavam na defesa da terra, do território e do meio ambiente, tema presente em 87% dos assassinatos registrados no período. Entre as principais vítimas estão lideranças indígenas, quilombolas e camponesas, grupos historicamente à frente da luta por justiça climática e pela preservação dos territórios.

A ratificação do Acordo de Escazú pode representar um avanço estrutural na proteção dessas pessoas, como explica Raquel Lima. Segundo ela, a adesão permitirá ao Brasil “ocupar um lugar na mesa junto com os outros Estados que já ratificaram o Acordo, engajando-se em um processo de criação de planos de proteção a defensores”. Esses planos, afirma, devem respeitar as particularidades de cada país, mas também “estabelecer diretrizes comuns para garantir a proteção de defensores ambientais, o que inclui também os comunicadores”.

Atualmente, o país conta apenas com uma política de proteção prevista em lei ordinária, o que o torna frágil e vulnerável a retrocessos. “Com o Acordo de Escazú, essa proteção ganha status superior à lei ordinária, trazendo uma garantia normativa mais robusta e capaz de assegurar políticas mais sólidas e estáveis”, observa Raquel.

O papel dos comunicadores locais

Essa ampliação conceitual é central. Como destaca Joara Marchezini, o Acordo entende a figura do defensor ambiental de forma ampla, abrangendo também comunicadores locais, mídias comunitárias e coletivos de comunicação ambiental. “Esses atores também atuam na defesa ambiental, muitas vezes de forma direta, ao denunciar violações e difundir informações sobre o que acontece em seus territórios”, explica.

Para Joara, a proteção dos defensores não se restringe à segurança física, mas inclui a garantia de direitos fundamentais, como a liberdade de expressão, a livre associação e o direito de exercer o trabalho em um “entorno propício”, conceito presente no texto do tratado. “Garantir um entorno propício significa assegurar que essas pessoas possam exercer suas atividades com segurança e liberdade, tanto no online quanto no offline”, afirma.

Ela ressalta ainda que quanto mais informação circular sobre o papel dos defensores e defensoras, mais a sociedade tende a reconhecê-los e valorizá-los. “Esse reconhecimento é, por si só, uma forma de proteção e atravessa o combate à desinformação, à criminalização e à violência.”

O Acordo de Escazú também chama atenção para a necessidade de reduzir a brecha digital, já que nem todos os comunicadores e coletivos têm acesso a tecnologias ou à internet para difundir suas denúncias e relatos. “Essa desigualdade digital pode inclusive dificultar a proteção dessas pessoas. Trabalhar de forma integrada entre o online e o offline é essencial para fortalecer a segurança no trabalho dos comunicadores ambientais”, conclui Joara.

Perspectiva regional e política

Primeiro tratado ambiental da América Latina e do Caribe, o Acordo de Escazú é um símbolo de cooperação e soberania regional para enfrentar desafios comuns. Ao ratificar o tratado, o Brasil passaria a integrar o grupo de 18 países que já o adotaram, entre eles Chile, Argentina, Bolívia, Colômbia e México. O mais recente foi Bahamas, em junho de 2025.

Para especialistas e organizações da sociedade civil, a adesão brasileira seria um passo importante não apenas para a consolidação de políticas de transparência e proteção ambiental, mas também para reafirmar o papel do país como liderança regional e global na governança climática.

O Movimento Escazú Brasil destaca que o tratado é plenamente compatível com a Constituição Federal e reforça compromissos já assumidos pelo país, como o Acordo de Paris e o Pacto de San José da Costa Rica, fortalecendo a democracia socioambiental e a proteção dos direitos humanos.

O contexto político também torna este um momento estratégico. Sediando a COP30, o Brasil está sob os holofotes da comunidade internacional e a ratificação de Escazú enviaria um sinal claro de coerência entre o discurso e a prática ambiental.

“Com certeza, o fato de o Brasil sediar a COP30 gerou um momento fundamental para a aprovação do Acordo de Escazú na Câmara. Agora é necessário que essa mobilização continue para garantir uma aprovação célere no Senado”, afirma Raquel Lima.

Para ela, o gesto teria implicações simbólicas e políticas significativas: “Ratificar o Acordo de Escazú é demonstrar compromisso com as instâncias legítimas de negociação internacional. É se colocar ao lado de outros países do Sul Global e reafirmar a confiança no multilateralismo.”

Na mesma direção, Joara Marchezini, ressalta: “O Brasil é um dos países que mais mata defensores e defensoras ambientais e, ao mesmo tempo, detém uma das maiores biodiversidades do planeta. Se o país quer se afirmar como líder climático, precisa proteger o ambiente, o território e as pessoas.”

Ela lembra que Escazú e o Acordo de Paris são instrumentos complementares: “Só conseguiremos cumprir os compromissos climáticos se tivermos uma democracia ambiental inclusiva e fortalecida, com acesso à informação, participação e justiça.”

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