A transparência das plataformas digitais é um dos pontos centrais do projeto de lei 2630/2020. A proposta determina que as empresas indiquem de forma geral como seus algoritmos funcionam e os parâmetros para recomendação de conteúdo, por exemplo. A abertura de informações para pesquisadores também consta no projeto, mas deveria se estender para outras categorias, como jornalismo de interesse público e checagem de fatos, de acordo com os profissionais ouvidos nesta matéria.
“É fundamental que a abertura da API para pesquisadores seja estendida para instituições de jornalismo de interesse público, como é o caso das instituições que combatem a desinformação através do jornalismo”, defende a diretora executiva da Agência Lupa, Natália Leal, ao *desinformante.
Atualmente, o artigo 25 do PL prevê o acesso gratuito aos dados pelos pesquisadores, indicando a disponibilização de informações sobre os algoritmos usados na moderação de contas e de conteúdos, priorização, segmentação, recomendação e exibição de conteúdo, publicidade de plataforma e impulsionamento, e dados suficientes sobre como esses algoritmos afetam o conteúdo visualizado pelos usuários.
No entanto, jornalistas que atuam principalmente na cobertura de desinformação, tecnologia e debate público destacam a necessidade de ampliação dessa obrigação. Em recente texto publicado na Folha de S. Paulo, Leal e Tai Nalon, diretora da Aos Fatos, indicam que com a aprovação desse dispositivo “investigações independentes sobre a estrutura e o financiamento de cadeias desinformativas perpetradas por maus atores serão frontalmente impactadas”.
Reportagens de dados prestam serviço à sociedade
As executivas apontam como as reportagens revelam, a partir de dados, questões importantes para a sociedade, como a responsabilidade de políticos para o impulsionamento de conteúdos inverídicos. Sérgio Spagnuolo, editor do Núcleo Jornalismo, reforça a narrativa e lembra de monitoramentos e publicações realizadas.
“Por exemplo, a gente publicou uma vez uma reportagem sobre sobre exploração sexual infantil no Facebook. Grupos de 30, 40 mil pessoas sempre publicavam divulgaram fotos de crianças e nem o Facebook sabia”, relata Spagnuolo. Após a divulgação, a Meta conseguiu tirar os grupos do ar. “Esses dados são muito importantes não só para jornalistas, mas para que outras pessoas consigam encontrar problemas e outras coisas que também ocorrem nas redes sociais”, enfatiza.
Inúmeras reportagens e produtos jornalísticos vêm sendo desenvolvidos a partir das informações obtidas nas plataformas digitais, seja por meio de sua Interface de Programação de Aplicação (API, sigla em inglês) ou por serviços e ferramentas de monitoramento.
O Núcleo, por exemplo, criou com o apoio do International Center for Journalists o Political Pulse Brasil, “uma aplicação que permite que usuários explorem dados sobre publicações de políticos no Twitter, Facebook e Instagram”. Nas eleições de 2022, o veículo elaborou o BotPonto, que monitorava os vídeos no YouTube a fim de auxiliar na checagem de fatos.
O site Aos Fatos também produziu um produto de monitoramento do debate nas redes sociais, o Radar. A iniciativa acompanha como conteúdos de baixa qualidade circulam nas redes de acordo com seu potencial desinformativo.
Além dos produtos, os dados embasam e se tornam matérias em diversos veículos. “Os dados de uma maneira geral são a base do nosso trabalho de checagem. No caso do 2630 a gente tem se referido mais aos dados que são relativos à moderação de conteúdo e engajamento de publicações. No sentido de saber quais são as publicações que estão viralizando, com que velocidade elas viralizaram, quantas publicações foram feitas sobre um mesmo tema, quantos usuários essas publicações atingiram e em que período de tempo isso aconteceu”, esclarece Natália Leal.
Acesso tem sido dificultado pelas plataformas
O acesso a essas informações, no entanto, vem sendo dificultado no último ano. Em 2022, o *desinformante registrou o desmonte do CrowdTangle, plataforma em que era possível extrair informações do comportamento dos usuários no Facebook. Com a entrada de Elon Musk no Twitter, a API da plataforma também foi restringida e o acesso a ela agora é pago. Na época, Spagnuolo registrou o perigo do fim de determinados bots na rede.
Como resposta, o Núcleo lançou uma ferramenta para a coleta dos dados sem depender da API.
“A gente já teve um aumento, por exemplo, no custo de algumas ferramentas de monitoramento por conta da mudança da política de acesso a dados do Twitter. Então, uma coisa que dificulta muito o acesso a esse tipo de informação é a falta de transparência das plataformas e a maneira como elas mantêm um segredo sobre os movimentos que elas fazem, principalmente de moderação de conteúdo”, relata Natália Leal.
Tanto Leal como Spagnuolo defendem que o texto do PL 2630/2020 seja mudado para que o jornalismo também possa ter acesso aos dados de forma gratuita. Porém, ainda existem dúvidas de qual seria a melhor forma de delimitar essa admissão. Para o editor do Núcleo, uma solução seria fomentar esse credenciamento a partir de associações de jornalismo e assinatura de termos de responsabilidade, indicando a finalidade do uso dos dados.
O caminho apontado por Leal parte de critérios que devem ser estabelecidos pelos processos e políticas adotados. “Altos padrões de respeito à ética jornalista, de transparência, de correção, de práticas editoriais que componham um conjunto que a gente possa denominar jornalismo de credibilidade”, explica a diretora da Lupa. “Hoje a gente já tem alguns indicativos assim. Os selos da International Fact-checking Network me parecem um bom indicativo, os indicadores do The Trust Project também podem ser um indicativo, mas podem ter outros marcadores que possam servir de base pra gente determinar o que que vai ser esse jornalismo que vai poder ter acesso garantido a esses dados”, acrescenta.