“Você é uma vergonha” foi uma das principais expressões que candidatas mulheres e candidatos que fazem parte de grupos historicamente marginalizados receberam nas redes sociais durante a campanha eleitoral de 2022. A prática recorrente do “shaming” (envergonhar, em português) foi um dos destaques do último relatório lançado nesta quinta-feira (27) pelo MonitorA, observatório de violência política online desenvolvido pelo Internetlab em parceria com a revista AzMina e o Núcleo Jornalismo.
Entre agosto e novembro do ano passado, o projeto acompanhou os perfis de 200 candidatos, sendo 175 mulheres e 25 homens, em cinco plataformas: Twitter, Youtube, Instagram, Facebook e TikTok. As descobertas, reunidas no site oficial, mostram como as mulheres e integrantes de grupos historicamente marginalizados são alvos constantes de ataques e insultos nas plataformas.
A narrativa da vergonha, por exemplo, chegou às(aos) candidatas(os) também como “você é uma vergonha para mulheres” ou “você é uma vergonha para os negros”, numa clara tentativa de descrédito e intimidação. Como aponta o relatório, os ataques tiveram como base a fala do ex-presidente Jair Bolsonaro direcionada à jornalista Vera Magalhães no debate da TV Band em outubro. Na ocasião, o ex-presidente disse ao vivo que a profissional era “uma vergonha para o jornalismo brasileiro”.
Logo após o debate, entre os dias 28 e 29 de agosto, a pesquisa também identificou mais de 500 tuítes se referindo às candidatas Simone Tebet e Soraya Thronicke como incompetentes, despreparadas, incapazes, burras e idiotas. Vera Magalhães também não escapou dos ataques. 31% das publicações ofensivas registradas tinham como alvo a jornalista e 215 delas utilizavam adjetivos pejorativos e trocadilhos.
A violência política, porém, não se restringe apenas às candidatas presidenciáveis. Mulheres concorrendo a outros cargos também sofreram ataques e insultos online. Clarice Tavares, coordenadora da área de Desigualdades e Identidades, do InternetLab, lembra que até as ministras do Supremo Tribunal Federal não escaparam de ações parecidas. “É importante pensar como essa violência afeta qualquer mulher que atua politicamente, não só as mulheres que tenham cargos públicos eletivos e que passaram por todo o processo das eleições”, disse.
Até mesmo as esposas dos candidatos à época, Michelle Bolsonaro e Janja da Silva, também foram foco de ataques, pautados por questões religiosas e misoginia. Durante duas semanas de outubro, Michelle recebeu 273 comentários ofensivos e/ou insultos no perfil do Instagram, enquanto Janja somou 799 comentários ofensivos no Instagram e no Twitter.
Mesmo que a pesquisa tenha se restringido ao período eleitoral, Clarice afirma que os resultados mostram a importância de olhar para o tema além das eleições. “Tentamos mostrar como esse fenômeno não se restringe às eleições e como as políticas que a gente precisa pensar não se limitam a esse período”, comentou.
Em março, a violência política de gênero também foi tema da segunda edição do Zoom na Desinformação.
Saídas possíveis
Apesar da Lei de Violência Política de gênero, aprovada às vésperas das eleições passadas, ter sido um ponto importante, o relatório aponta que é preciso desenvolver o dispositivo legal, incluindo no texto medidas para a proteção de candidatas quando ela se encontra em situação de risco. Também é necessário estabelecer medidas de responsabilização de partidos políticos e de candidaturas que utilizem violência política como estratégia de campanha eleitoral.
Além disso, o MonitorA levantou 13 recomendações específicas para as plataformas e provedores de serviços digitais no que tange a prevenção e combate da violência política de gênero online. Dentre os direcionamentos estão, por exemplo, o compromisso com o desenvolvimento de políticas e diretrizes de uso protetivas em face da violência política e aprimoramento das práticas de acesso a dados e de transparência para pesquisadoras/es.