Dois dias após golpistas invadirem as sedes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em Brasília, conteúdos de teor extremista com convocação para novas ações seguem circulando nas redes sociais. Lives e vídeos com apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro pedindo intervenção militar, enaltecendo os atos de domingo e convocando para novas ações podem ser vistas nas mais diversas plataformas digitais.
Para o pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital, Rodrigo Carreiro, os memorandos de entendimento firmados com o Tribunal Superior Eleitoral, no ano passado, não foram suficientes para conter campanhas de desinformação e contra a ordem democrática.
“Ao longo de todo 2022, as plataformas conseguiram, em níveis diferentes, avançar em algumas pautas, mas o cerne da questão nunca foi enfrentado de modo eficiente. Entre o fim da eleição e o episódio do dia 8/1, nada mudou. Algumas plataformas suspenderam algumas contas, tiraram vídeos e postagens do ar, mas nada foi feito ou planejado para atacar o problema de forma sistêmica e organizada. Vimos, por exemplo, diversos canais e lives transmitindo o terrorismo do dia 8 e ganhando dinheiro com isso”, destacou Carreiro.
Além disso, como afirmou o pesquisador Marcelo Alves, professor do Núcleo de Tecnologia de Estudos de Mídia na PUC-Rio, houve um ‘afrouxamento’ das regras das plataformas após as eleições. “As plataformas atuam globalmente e, passadas as eleições, passam a focar na próxima com potencial de risco às suas imagens, dados os ciclos eleitorais de cada país. Passada a eleição no Brasil há um enfraquecimento de uma estrutura de governança que já era extremamente precária”.
Como exemplo, o pesquisador elenca sua base robusta de dados com publicações que continham hashtags como #brazilwasstolen, #sosforçasarmadas e #intervençãomilitar que circularam – e ainda circulam – livremente nas plataformas desde o fim das eleições com, no máximo, um rótulo com link para o site do TSE. Em um dos vídeos que o *desinformante acessou via YouTube, por exemplo, há falas de convocação aos atos golpistas. Já no TikTok, é possível encontrar incontáveis conteúdos procurando ‘sos forças armadas’, sem nenhuma contraindicação.
O cenário visto no domingo (8) era, portanto, previsível para os dois pesquisadores entrevistados. “A gente já vinha questionando em várias reuniões qual era o conjunto de protocolos de segurança para uma eventualidade de algo similar ao Capitólio no Brasil. Então isso foi avisado às plataformas, elas tinham conhecimento que isso era um risco, mas ainda sim a gente viu o que aconteceu”, disse Alves.
De fato, a sociedade civil e pesquisadores do campo avisaram. No ano passado, mais de 100 entidades se envolveram com a campanha ‘Democracia Pede Socorro. Entre as principais solicitações estavam a necessidade de as plataformas possuírem políticas para impedir chamados à sublevação contra a ordem democrática ou à interferência na transmissão pacífica de poder, que é justamente o que foi visto no último final de semana.
Para Alves, não foi visto só a convocação, monetização e organização desses protestos pelas diferentes plataformas digitais, “mas também o cometimento de crime, transmissão de crime em tempo real, sem nenhum tipo de corte, interrupção, de ação editorial das plataformas, nem mesmo para retirar os vídeos que demonstravam as próprias pessoas invadindo prédios públicos”.
O pesquisador Rodrigo Carreiro reitera a negligência das plataformas. “Elas facilitaram a instrumentalização do movimento, ou seja, deram espaço amplo de organização dessas células terroristas, inclusive muitas delas lucrando em cima de monetização (como no Youtube) e financiamento coletivo”, coloca. De fato, não foram poucas as transmissões ao vivo que continham um QR code para a transferência de PIX para os atores.
Ainda no dia 8, a Advocacia-Geral da União fez um pedido ao Supremo Tribunal Federal para remover e desmonetizar conteúdos golpistas nas redes sociais. No mesmo dia, o ministro Alexandre de Moraes determinou a suspensão de 17 perfis no TikTok, Facebook, Twitter e Instagram. Até ontem (9) às 12h, alguns perfis continuavam no ar, já na manhã desta terça (10), todos haviam sido removidos.
“Essa é a medida mais imediata e superficial, que deve ser colocada em prática, mas não pode ser a ponta final das ações. A remoção de contas, em muitos casos, é como enxugar gelo”, comenta Carreiro sobre a remoção dos perfis. A médio prazo, defende, é preciso que seja realizada a punição e responsabilização desses perfis, uma ação conjunta entre o Judiciário e as plataformas.
O que dizem as plataformas
O porta-voz da Meta, empresa detentora do Facebook e Instagram, disse que estão removendo conteúdos que incentivam as pessoas a pegar em armas ou a invadir o Congresso, o Palácio do Planalto e outros prédios públicos. “ No domingo, também designamos este ato como um evento violador, o que significa que removeremos conteúdos que apoiam ou exaltam essas ações. Estamos colaborando com as autoridades brasileiras e continuaremos removendo conteúdos que violam nossas políticas”, complementou.
O YouTube também disse estar removendo conteúdo que viola suas Diretrizes da Comunidade, incluindo as transmissões ao vivo e vídeos que apoiam ou elogiam os ataques incitando outras pessoas a cometer atos violentos. “Nossos sistemas estão destacando conteúdo de fontes confiáveis em nossa página inicial, na parte superior dos resultados de pesquisa e nas recomendações. Além disso, de acordo com nossas diretrizes de conteúdo adequado para publicidade sobre eventos delicados, estamos impedindo a veiculação de anúncios em conteúdo que incitem à violência. Permaneceremos vigilantes enquanto a situação continua a se desenrolar”, disse a empresa em nota.
A plataforma de vídeos curtos Kwai destacou, em nota, o compromisso no combate à desinformação, discursos de ódio e conteúdos que promovem organizações perigosas. “O Kwai reforça que segue regras internas e que possui mecanismos de segurança que atuam 24 horas por dia, combinando inteligência artificial e análise humana para identificar e remover o mais rápido possível conteúdos que violem ou infrinjam as políticas da comunidade”, pontuou a plataforma.
A plataforma TikTok não retornou o contato do *desinformante, assim como o Twitter.