“Juro que é muito difícil falar sobre isso. Pensa comigo: você sai de casa cedo, debaixo de chuva, num feriado de finados, pra cobrir uma manifestação que, pasmem, pedia “intervenção federal”. Eu poderia parar por aí, porque sobre atos inconstitucionais e golpistas não cabe qualquer argumentação. Hoje fui hostilizado, atacado e expulso. Como se não bastasse, mais tarde recebi esses prints. Triste. Lamentável!
É uma mistura de revolta, medo, angústia, impotência. Um desgaste sem tamanho. Uma sensação de desamparo. O que será que tá acontecendo com as pessoas? Com o brasileiro? Com a humanidade? Que movimento estranho e reverso é esse? O que explica esta cegueira? Bom, acho que só a história pode nos dizer!
Tô acostumado com a exposição. Afinal, é a profissão que escolhi e tanto amo. Mas desse tipo – injusto e violento – eu não havia experimentado. Meu posicionamento político pessoal (se direita, esquerda, centro, etc) não vem ao caso, quando estamos diante de uma demonstração tão covarde contra um trabalhador, um cidadão como qualquer outro.
Bom, agradeço o apoio que o @portalbhaz, amigos e colegas jornalistas me deram nas últimas horas. Sobre as mensagens infelizes, farei boletim de ocorrência, de forma a me resguardar. No mais, seja o que Deus quiser!”
Este é o depoimento de um repórter que foi hostilizado pelos manifestantes da extrema-direita que fazem manifestações antidemocráticas na porta do quartel do Exército em Belo Horizonte. O caso, infelizmente, se tornou rotina em vários lugares onde ocorrem estes protestos no país.
Em Divinópolis, município da região Centro-Oeste de Minas Gerais, uma equipe de reportagem da TV Candidés foi agredida e hostilizada enquanto cobria o movimento em um trecho da rodovia MG-050. Cinegrafista e repórter foram expulsos do local com empurrões e em meio a ataques como os que diziam que a dupla deveria ir para Cuba, Venezuela e Nicarágua.
No município de Limeira, localizado a 154 quilômetros da capital paulista, um fotógrafo freelancer e um repórter da Rádio Educadora de Limeira também foram expulsos à base de empurrões e xingamentos durante a cobertura dos bloqueios na cidade. Houve ainda tentativas de destruição de equipamentos, segundo relato do fotógrafo à Abraji.
Na região Sul do país, profissionais do Paraná também foram alvo de hostilização por parte dos manifestantes, que tentaram impedir o trabalho de duas equipes de reportagem da TVCI na cidade de Paranaguá, no litoral do estado.
Os três casos ocorreram na terça-feira (1.nov.2022). Já na quarta-feira (2.nov.2022), quatro equipes de reportagem da Band relataram que foram atacadas em diferentes localidades – São Paulo, Recife e Porto Alegre. Ainda na terça-feira (1.nov.2022) um episódio de ataque contra outra equipe da Band também teria acontecido em Cascavel, no Paraná.
Dos cinco casos, dois aconteceram no Recife com a equipe da TV Tribuna, afiliada da emissora em Pernambuco. Além da hostilização contra os profissionais, os manifestantes tentaram impedir que eles realizassem as entradas ao vivo. Puxar o microfone do repórter e tapar a lente da câmera foram algumas das estratégias utilizadas.
“É inaceitável o que está acontecendo. Profissionais que estão trabalhando, exercendo o dever de informar à população, estão sendo agredidos. Quando o jornalismo é cerceado toda a sociedade perde”, comenta a presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) Katia Brembatti.
A Abraji condena as ações que buscam impedir a imprensa de exercer o seu trabalho de informar a população. Os episódios são um reflexo da escalada de violência contra jornalistas que tem sido estimulada pelo presidente desde o início de seu governo e configuram desrespeito aos direitos fundamentais de liberdade de expressão e de imprensa, garantidos pela Constituição Federal.
A Abraji exige que as autoridades públicas e agentes de segurança tomem ações urgentes para garantir condições seguras para o exercício do jornalismo, especialmente no contexto de tais manifestações e bloqueios antidemocráticos, identificando, investigando e tomando as medidas cabíveis contra os responsáveis. E pede aos manifestantes que respeitem o trabalho da imprensa no local. A hostilização a jornalistas gera graves consequências para a população em geral ao restringir direito de acesso à informação de interesse público.