“O que o Facebook, o que a Meta está fazendo não é suficiente e estamos a 31 dias do primeiro turno no Brasil”, enfatizou Kristina Wilfore, co-fundadora do ShePersisted e professora na George Washington University, no encontro “Digital Platforms and the Integrity of Elections: the Case of the US and Brazil”, organizado pelo Washington Brazil Office.
Os problemas brasileiros dialogam bastante com os problemas norte-americanos, pontuou Wilfore, ao relembrar as acusações infundadas sobre fraude no processo eleitoral de 2020. O processo, de acordo com a professora, envolve três estágios: no primeiro, há um convencimento dos seguidores que de suas queixas não poderão ser resolvidas pelos canais institucionais da democracia; no segundo, pontos de inflamação nos processos eleitorais tornam-se gatilhos para a violência eleitoral – no Brasil os ataques à imprensa e às urnas – já no terceiro há um ataque a um alvo simbólico, um ataque às paisagens simbólicas do poder.
Mesmo com esse cenário, as plataformas vêm fazendo pouco para combatê-lo, de acordo com Wilfore. Em primeiro lugar, a pesquisadora destaca a diferença de políticas no norte e no sul global, algo apontado na denúncia que culminou no Facebook Papers. Em segundo lugar, há uma enorme falha na moderação do conteúdo. Nos Estados Unidos, por exemplo, ainda circulam anúncios que deslegitimam as eleições de 2020. Outro dado trazido aponta que os moderadores assistem apenas aos primeiros 15 segundos de um vídeo para determinar se ele será removido ou não. “Enquanto Mark Zuckerberg vai para o metaverso, o resto de nós está aqui na realidade, lidando com eleições reais, pessoas reais, danos reais online e offline”, colocou Kristina Wilfore.
O debate, que ocorreu na noite desta quinta-feira (1), teve a participação da pesquisadora norte-americana, da Gerente do Programa de Estratégia de Resposta do Meta, Debs Delbart, e de João Brant, coordenador-geral do *desinformante.
A mediadora, presidenta do Geledés Maria Sylvia de Oliveira, iniciou o debate destacando a polarização no processo eleitoral brasileiro e pontuando como a desinformação enfraquece a democracia. “Sabemos que as informações falsas ou enganosas afetam a dimensão coletiva da liberdade de expressão, reconhecida pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos, que está baseada na expectativa de que a sociedade possa estar bem informada”, colocou Oliveira, evidenciando o documento de propostas para as plataformas organizado por instituições da sociedade civil brasileira e já assinado por mais de 100 delas.
O documento proposto pelas entidades da sociedade civil elenca 38 propostas para que as plataformas digitais atuem no sentido de garantir a integridade eleitoral. De acordo com João Brant, desde a publicação do documento, algumas mudanças foram realizadas e esse balanço completo será publicado a partir da semana que vem. No entanto, pontua ele, existe um problema de execução correta dessas medidas – ou seja, em alguns casos as políticas existem mas seu cumprimento não é o ideal, como no caso do experimento realizado pela Global Witness.
“As plataformas demonstram preocupação, isso é muito importante, demonstram intenção, isso também é muito importante, mas eu acho que há uma parte das decisões que precisam ser tomadas que se chocam com decisões comerciais das plataformas, e esse é um elemento sobre o qual não adianta a boa vontade de um time de policy, vão acontecer essas tensões”, enfatiza Brant.
A Meta também esteve presente no debate destacando as iniciativas que estão sendo realizadas para a proteção das eleições. De acordo com Debs Delbart, a empresa atua no intuito de coibir abusos, combater desinformação, garantir transparência e uma resposta rápida, além de colaborar com as autoridades. Na página eleições 2022 do *desinformante há um compilado das ações do Facebook, Instagram e WhatsApp para esse combate à desinformação.
Além disso, a Meta pontuou que investiu mais de U$ 5 bilhões em 2021 para a proteção da integridade das eleições e que há mais de 40 mil pessoas e 40 equipes envolvidas que atuam na revisão de conteúdos e criação de produtos, além do aprimoramento da inteligência artificial para a detecção de conteúdos maliciosos. Perguntada sobre o número específico de pessoas que vão atuar no processo eleitoral brasileiro – visto que esse número abrange o mundo todo -, a Meta não soube especificar.
Mediação em português é incógnita
“Infelizmente não tenho esse número para passar para vocês, não é a primeira vez que a gente recebe essa pergunta e eu entendo a frustração de a gente não conseguir apresentar um número certo e específico, até porque esse número varia. O que eu posso garantir e reforçar é que existe uma revisão humana, que é feita em combinação à uma revisão e o uso de inteligência artificial, 24 horas, 7 dias por semana”, explicou Delbart, que ainda pontuou a existência de especialistas e moderadores que falam português e entendem o contexto brasileiro.
“Os 40 mil deveriam estar somente no Brasil. Se isso é global, é inadequado e, infelizmente, a mensagem vem para ‘estamos fazendo isso, confiem em nós’, mas essa confiança não foi conquistada, ela tem sido violada eleição após eleição e as apostas são muito altas para fingirmos que vai ser algo diferente”, colocou Kristina Wilfore.