Passados pouco mais de 15 dias do início da campanha eleitoral, o *desinformante pediu para especialistas fazerem um breve balanço do que está acontecendo no campo da desinformação até o momento e também apontar aspectos que merecem preocupação.

A seguir, sintetizamos os relatos colhidos entre aqueles que estão fazendo desde checagem de fatos como monitoramento de plataformas e dos fluxos de conteúdos.

Como em 2018, WhatsApp preocupa

Para Fabrício Benevenuto, professor de Ciência da Computação da UFMG e coordenador do projeto Eleições Sem Fake, o WhatsApp continua merecendo atenção especial. As medidas anunciadas pela plataforma para diminuir o fluxo de compartilhamento de mensagens, e, com isso, tentar brecar a ampla circulação de desinformação, apresentam limitações graves na visão do professor. “No nosso monitoramento de grupos públicos no WhatsApp, que a gente faz desde 2018, o fluxo de compartilhamento se mostrou ativo desde lá. A gente tem um volume enorme de grupos ativos, as informações não param de circular nesses sistemas por causa das limitações que o WhatsApp colocou”. Benevenuto acrescenta: “ainda existe uma espinha dorsal do espalhamento da desinformação que pode operar dentro do WhatsApp nas eleições de 2022, como aconteceu em 2018”.

A propaganda nas redes sociais é outro problema que gera preocupação para Fabrício Benevenuto. Citando o experimento da Global Witness , o pesquisador apontou que, mesmo controverso “ele mostrou que há uma falha de segurança gigantesca, e isso é muito preocupante”. No experimento realizado pela ONG, anúncios com desinformação sobre o processo eleitoral brasileiro e pagos em países estrangeiros “burlaram” as medidas de proteção do Facebook e estariam aptos a circular na rede. Benevenuto é um dos coordenadores do projeto Eleições sem Fake, um sistema independente de auditoria das propagandas do Facebook que conta com a participação de colaboradores. “Nós fizemos um plug-in e a ideia é tentar achar coisas irregulares ali dentro do Facebook através dos dados dos usuários”. Saiba como colaborar com o projeto aqui.

Deepfake

Professora da UFPI e coordenadora da Rede Nacional de Combate à Desiformação, Ana Regina Rego diz que “até o momento a gente está aguardando uma enxurrada maior do uso de deepfake ” que ainda não pôde ser observada. Ela também menciona como problemática a possibilidade oferecida pela plataforma TikTok de “modificar, transfigurar um vídeo. Na plataforma do TikTok fica marcado que aquele vídeo foi modificado, mas quando ele corre outras plataformas não fica”. Sobre o que ainda pode vir, a tecnologia da deepfake, e sua consequente disseminação, pode “se tornar um grande problema mesmo, que tem aparecido timidamente”, nas palavras da pesquisadora.

O pesquisador Samuel Barros, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD) acredita que ataques pessoais desabonadores da honra dos candidatos ou de pessoas ligadas a eles, inclusive com uso de deep fake, já aconteceram, mas tendem a piorar. “Acredito que teremos muitos virais do tipo nos últimos dias e horas antes da votação.” 

Autoridades legitimam fake news 

“Uma coisa é você ter uma mentira circulando por aí sabe-se lá quem disse. Outra, muito diferente, é você ter um conteúdo falso ou distorcido sendo dito ou reproduzido por uma autoridade”, afirma Raquel Recuero, jornalista, professora e pesquisadora do PPGL e do Curso de Comunicação Social da UCPel.  A legitimação de conteúdos falsos e enganosos por autoridades, pessoas proeminentes e com confiança de parte do público é um grave problema observado nessas eleições de 2022. “Nas plataformas de mídia social, essa legitimação é rápida, faz volume rapidamente e dá a impressão, para quem está dentro da bolha da polarização, que ‘todo mundo pensa assim’”, complementa.

O risco (e a potência) de misturar verdade e mentira 

Raquel Recuero pontua que o ecossistema da desinformação evoluiu. Se antes se esperava mais conteúdo completamente falso, fabricado como tal, “o que temos agora é muito mais conteúdo enganoso, uma mistura de conteúdo falso com fatos, distorções, suspeitas etc., que é muito mais fácil de legitimar, pois circula como ‘opinião’, e muito mais difícil de ser classificado como falso, inclusive no sentido de cobrar a retirada desse tipo de coisa das plataformas”.

Desinformação em áudio, vídeo e texto  

Alexandre Pacheco é professor da FGV Direito-SP e coordenador do Observatório da Desinformação nas Eleições de 2022 , projeto que monitora decisões da Justiça Eleitoral sobre desinformação. Entre as decisões analisadas até agora, “notamos que os conteúdos que foram judicializados são texto (publicação em blog ou jornal), áudio (podcast) e vídeo no Youtube. Há uma distribuição proporcional entre eles, com uma pequena vantagem para materiais em vídeo (Youtube)”.

Pacheco aponta como preocupações nesse início da campanha eleitoral os ataques em larga escala ao sistema eleitoral e aos magistrados da Justiça Eleitoral. Outra preocupação reside na construção de critérios jurídicos para a identificação do que é “fato sabidamente inverídico” ou “gravemente descontextualizado”, duas expressões que definem desinformação nas regras aplicáveis ao presente pleito eleitoral. “Apesar de variações de interpretações de magistrados na Justiça Eleitoral, as decisões têm convergido para intervenções na maior parte das vezes coerentes e adequadas”, atesta o professor.

Ataques ao sistema eleitoral 

Fundadora da Agência Lupa, Cristina Tardáguila acredita que o maior problema continua sendo o fluxo de informação contrário às urnas, contrário à lisura do processo eleitoral, e também ataques ao ministro Alexandre de Moraes e ao próprio Tribunal Superior Eleitoral. “O volume disso é muito, muito grande, muito considerável. Acho que é a coisa que a gente já sabia que ia acontecer, mas que é muito assustador o tamanho e a intensidade”, analisa.

No dia da votação: cuidados redobrados

A desinformação que pode circular no próprio dia da votação na tentativa de inibição do voto também preocupa. Falsas informações como “ah, o tráfico mandou fechar essa urna, porque está atrapalhando a boca”, ou “ah, a urna não está funcionando, essa seção está fechada”, ela dá como exemplo, podem ganhar força. “Eu acho que a gente tem que ficar muito atento, isso em nível local, né?, e é muito difícil acompanhar isso daí”.

Por fim, Cristina Tardáguila também reforça a preocupação com o anúncio oficial da apuração das urnas e um possível “boom” de notícias falsas e enganosas. Alerta que desde já é preciso ponderar “como é que a imprensa vai cobrir aquele momento, se a gente vai dar vazão às possíveis desinformações que surjam naquele dia, se a gente está preparado para optar por não cobrir, ou por cobrir e como cobrir”.