Talvez você não chegue ao final desse texto, afinal, ele tem mais que os 280 caracteres que um tweet permite. Ele também tem um tempo médio de leitura de cinco minutos, o que já é mais que os dois minutos e meio indicados para as músicas atuais, e, infelizmente, não tem como você acelerar ele para 1.5x ou 2x, como você pode fazer nos áudios de WhatsApp ou vídeos no YouTube. Mas, mesmo assim, me arrisco a escrevê-lo porque precisamos parar. Precisamos ter tempo para parar, para refletir e questionar. Necessitamos desacelerar para nos informarmos melhor.
É fato que vivemos mais acelerados que nunca. A noção do tempo mudou consideravelmente com a internet e com a emergência das mídias digitais e isso se reflete em diferentes áreas da vida. No âmbito corporativo, é preciso ser cada vez mais ágil para ser mais produtivo, afinal “tempo é dinheiro”. Além de responder e-mails e mensagens com agilidade, também é necessário conquistar tudo mais cedo e “dar conta de tudo”. A verdade é que vivemos com pressa.
Essa pressa atinge, além dos meios acadêmicos e empresariais, o lazer e a sociabilidade. Uma matéria recente do jornal O Estado de S. Paulo revela uma geração da “audição ansiosa” e como os produtores musicais estão buscando produzir músicas mais curtas, com até dois minutos e meio, para atrair a atenção de um público que já não escuta canções mais longas que isso, de acordo com as plataformas musicais. Para agradar um público acostumado com os stories de 15 segundos ou os vídeos curtos de TikTok, outras empresas lançam novas ferramentas.
Em maio deste ano o WhatsApp permitiu que os usuários acelerassem os áudios em até duas vezes a velocidade normal. Já a Netflix permitia desde o ano passado que os espectadores ajustassem a velocidade do vídeo que assistiam. Essa função também está em outras plataformas, como o YouTube, e altera profundamente a forma como nos relacionamos com produções culturais, com aulas (principalmente no ensino remoto) e, inclusive, com nossos amigos e familiares.
A jornalista, professora e idealizadora do Desacelera SP, Michelle Prazeres, afirma que essa aceleração exacerbada termina por desumanizar muitos processos. De fato, clamamos por objetividade e muitas vezes sequer reconhecemos mais as vozes de pessoas sem a função ‘1,5x’ ou aniquilamos emoções e pausas em vídeos e podcasts.
Mas o que aceleração tem a ver com desinformação?
Essa “pressa” alcançou também o modo como nos informamos e, possivelmente, como desinformamos. A aceleração é, de certa forma, um reflexo da tentativa de “dar conta” de todos os conteúdos que somos bombardeados diariamente, por todos os canais possíveis. É, de fato, humanamente impossível consumir tudo que é produzido e acelerar, portanto, é uma alternativa conseguir se sentir “por dentro”.
Para os pesquisadores Helder Prior e Caio Teruel, que propõem analisar as contribuições da teoria de aceleração social do tempo para os estudos do jornalismo, essa aceleração se desenvolve “por meio da produção exponencial de fatos e acontecimentos que, por fim, são descarregados 24/7 nos indivíduos”. Assim, argumentam que há uma dessincronização da produção de conteúdo com a capacidade receptiva dos leitores, o que cria um estado de fragmentação dos sentidos e isso facilitaria a disseminação de informações falsas.
No mesmo sentido, Byung-Chul Han em No enxame: Perspectivas do digital, destaca que “a partir de um determinado ponto, a informação não é mais informativa, mas sim deformativa, e a comunicação não é mais comunicativa, mas sim cumulativa”. Dessa forma, argumenta que a Síndrome da Fadiga da Informação, ou seja, o cansaço trazido pelo excesso de informação, faz com que “o pensamento definhe” e as capacidades analíticas sejam prejudicadas.
Além da fragmentação das informações como uma decorrência da forma acelerada com que circulamos nos feeds e do cansaço pelo excesso de informação, a desinformação pode ocorrer também pela falta de leitura do conteúdo completo. Títulos chamativos e muitas vezes sensacionalistas podem se afastar da verdade e, com o ímpeto de apreender aquela informação e repassá-la, as pessoas podem se desinformar e replicar fake news.
Outro aspecto importante tem a ver com as emoções geradas pela velocidade. Han aponta em Psicopolítica: o neoliberalismo e as novas técnicas de poder que “a aceleração da comunicação também favorece a transformação emotiva, porque a racionalidade é mais lenta que emotividade”. Portanto, a aceleração social não permite que a gente pare e raciocine sobre o que consumimos, afinal, não há tempo para isso. Mobilizados muitas vezes por emoções, os usuários não refletem sobre os conteúdos e produtores de desinformação se aproveitam disso, fabricando conteúdos que aguçam raiva, medo e surpresa.
Assim, além das possíveis saídas para a desinformação, sugiro que é preciso desacelerar. É preciso ter tempo para ler além da manchete, ter um momento para refletir sobre a informação e, se possível, separar mais de dois minutos e meio para ouvir uma música relaxante.