Deepfakes, chatbots e jingles feitos com Inteligência Artificial. Esses foram alguns dos principais usos de IA pelos candidatos a cargos públicos durante a campanha eleitoral para o primeiro turno, como identificou o Observatório IA nas Eleições, uma iniciativa que busca registrar as diversas aplicações da tecnologia durante as eleições brasileiras de 2024. Irregularidades em relação às regras sobre conteúdo sintético do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foram registradas.
Desde o início da campanha, no dia 16 agosto, foram mapeados pelo observatório 26 casos diversos de uso de IA. Desse número, 12 deles foram de conteúdos criados pelos candidatos em diferentes municípios do país. São Paulo e Salvador foram cidades que se destacaram pelos usos da tecnologia pelos candidatos às respectivas prefeituras.
Na capital paulista, ainda nas primeiras semanas de campanha, Pablo Marçal (PRTB) postou uma deepfake no X (antigo Twitter) como campanha eleitoral sem sinalizar o uso de IA, como orienta a resolução de propaganda eleitoral do TSE. No vídeo, uma pessoa não identificada tem o rosto trocado pelo de Marçal e assopra pó branco em direção à câmera. “POV: Marçal fazendo boulos”, traz o vídeo, numa referência à acusação sem provas proferida pelo candidato de que Guilherme Boulos (PSOL) usaria cocaína.
Semanas depois, o candidato do PRTB voltou a postar um vídeo no TikTok com imagens feitas provavelmente com ajuda de IA generativa. Ao longo do clipe, diversos avatares do candidato no estilo cartoon apareciam discursando. A publicação também não vinha acompanhada do aviso de que tinha sido criada com as ferramentas de IA.
Em Salvador, o prefeito e candidato à reeleição, Bruno Reis (União), postou, num intervalo de uma semana, dois vídeos feitos com IA no Instagram e TikTok. Em ambos conteúdos, o político tem o rosto adicionado a um corpo de um homem que dança o jingle da campanha. No Instagram, as publicações vieram acompanhadas do rótulo “feito com IA”, mas no TikTok não houve sinalização. Já o candidato soteropolitano, Geraldo Júnior (MDB), também postou uma imagem sintética no Instagram, mas sinalizando o uso da tecnologia.
Os jingles de IA ganham espaço nas campanhas de vereadores
Outro uso difundido durante essa primeira parte das eleições foram os jingles criados com Inteligência Artificial. Como mostrou o Aos Fatos, esse foi o principal emprego da tecnologia nos anúncios impulsionados por candidatos nas plataformas da Meta. Os pretendentes aos cargos de vereador foram alguns dos que mais se beneficiaram da tecnologia para criar as músicas de campanha.
Em diferentes estilos, como rock e forró, as músicas sintéticas são genéricas, falando o nome do candidato e algumas propostas. Em alguns casos, a letra cantada é semelhante, como aconteceu com os jingles de candidatos em Caruaru (PE) e Itauçu (GO).
Até o dia 17 de setembro, os gastos com Inteligência Artificial declarados pelos candidatos já somavam R$ 20 mil. Além dos jingles, usos de IA para edição de vídeo e imagem, narração e geração de imagem e texto também foram comunicados por candidatos.
Ainda de acordo com os Aos Fatos, 85 candidatos declararam gastos com três empresas que fornecem conteúdos gerados por IA, desse número, ao menos 38 publicaram conteúdos sintéticos sem avisar ao eleitor sobre a tecnologia. Em relação aos anúncios pagos nas plataformas, a organização jornalística também identificou irregularidades em relação às resoluções do TSE.
Chatbots tiram dúvidas dos eleitores
A candidata Tabata Amaral também chegou a criar um chatbot para responder às dúvidas dos eleitores. Chamada de “Rita”, a funcionalidade está disponível no WhastApp desde o final de agosto. Em Belo Horizonte, Bruno Engler (PL) também lançou uma funcionalidade parecida com o intuito de divulgar suas propostas de governo.
A resolução de propaganda do TSE não proíbe a criação de chatbots e avatares como artifício de intermediação de comunicação com o eleitorado, desde que seja identificado “de modo explícito” que a funcionalidade foi criada com IA e que não simule o candidato ou pessoa real.
São Paulo tem candidatura híbrida com IA para Câmara Municipal
Um candidato à Câmara Municipal paulista está concorrendo junto com uma IA. O programador Pedro Markun (Rede) é co-candidato com a Lex, chatbot criada pelo próprio Pedro. Segundo Markun, a ideia é utilizar o poder de processamento da IA para captar dados, analisar projetos de lei e gerar propostas que atendam às necessidades da população de São Paulo.
Em 11 de setembro, porém, o canal de comunicação da Lex pelo WhatsApp foi bloqueado pela Meta. O serviço funcionava há dois meses e atuava na análise em tempo real dos 42 mil projetos de lei em tramitação na Câmara paulistana. Segundo Markun, todas as regras da Justiça Eleitoral foram cumpridas.
Em nota, a Meta afirmou que o banimento da IA no WhatsApp aconteceu “por ferir a política do aplicativo que explicitamente proíbe o uso da Plataforma do WhatsApp Business por políticos ou partidos, candidatos e campanhas políticas”.
Candidatas são alvo de deepnudes
Nove casos mapeados pelo observatório foram de conteúdos sintéticos criados pelo público. Nesta categoria, as deepnudes – imagens e vídeos sintéticos falsos com teor sexual – visando candidatas em diferentes municípios foram alguns dos principais episódios registrados.
Em São Paulo, Tabata Amaral esteve relacionada em ao menos dois casos diferentes. No início de setembro, a candidata do PSB acionou a Justiça após ter tido seu rosto adicionado a imagens de uma atriz de conteúdo adulto. Semanas depois, Tabata foi novamente alvo junto com a também candidata Marina Helena (Novo).
Candidatas no Rio de Janeiro (RJ) e Bauru (SP) também registraram boletim de ocorrência após terem sido alvo de deepnudes postadas nas redes sociais e em sites de conteúdo adulto.
Ainda na capital paulistana, deepfakes envolvendo Tabata, Marçal e Datena (PSDB) também circularam nas últimas semanas com o intuito de criar narrativas falsas sobre os respectivos candidatos.
Projetos usam IA para monitorar e analisar candidaturas
Apesar das preocupações sobre os impactos negativos da IA estarem em evidência, casos de aplicação positivas também aconteceram durante essa primeira parte da campanha eleitoral. Quatro projetos foram mapeados pelo Observatório IA nas Eleições que se encaixam nessa categoria e que buscam aplicar o potencial da tecnologia em monitoramento e análise de candidaturas e desinformação.
Um desses casos é o projeto GuaIA, uma ferramenta de Inteligência Artificial desenvolvida pelo Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO) e pela Universidade Federal de Goiás (UFG). O projeto utiliza a IA para automatizar o processo de monitoramento das desinformações publicadas em redes sociais sobre as eleições municipais no estado.
Outra plataforma criada pelos pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em parceria com a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) aplica a IA para mostrar os temas mais citados em programas de governo de candidatos às prefeituras do Brasil. Chamada de Vota AI, a ferramenta traz ao menos 60 mil programas de governo divulgados entre 2012 e 2024.
IA do Google continua gerando informações sobre candidatos
Um caso específico envolvendo plataformas foi registrado pelo observatório. No final de setembro, o Jornal da Paraíba mostrou como a IA do Google, o Gemini, continuava a fornecer informações de candidatos à prefeitura de João Pessoa (PB), apesar das promessas da big tech em restringir respostas políticas pela ferramenta. Anteriormente, o Gemini também chegou a dar informações sobre os candidatos à prefeitura de São Paulo: Ricardo Nudes (MDB), Pablo Marçal (PRTB), José Luiz Datena (PSDB) e Marina Helena (Novo).