O desenvolvimento de Inteligências Artificiais que contribuam para o fim das desigualdades sociais e promovam a sustentabilidade foi o tema do seminário realizado, nesta quarta-feira (17), em Brasília, pelo Grupo de Trabalho de Economia Digital do G20 (DEWG), que tem como um dos focos de discussão este ano o tema da IA. Os caminhos para os países desenvolverem suas estratégias de IA também foram destacados no evento.
Um dos principais pontos levantados pelos convidados no início da manhã foi os desafios que a concentração de investimentos do setor de IA em países do Norte Global traz para as nações do Sul Global. O receio é a de que, sem iniciativas de desenvolvimento e de políticas públicas, as regiões menos desenvolvidas em IA continuem sendo tratadas apenas como banco de dados para o treinamento de sistemas que estão sob o domínio de poucas empresas.
O pesquisador Tarcízio Silva, da Mozilla Foundation, evidenciou como a extração de dados dessas regiões pelas empresas de tecnologia remete a práticas extrativistas coloniais. “A extração de valores entre a Maioria Global e o Norte Global continua, mesmo depois do período efetivamente colonial”, afirmou Silva.
“As nações em desenvolvimento devem evitar depender completamente de soluções desenvolvidas fora do país. Países como o Brasil têm condições de irem mais longe”, disse Virgílio Almeida, professor da Universidade Federal de Minas Gerais.
Virgílio, que é um dos principais defensores do desenvolvimento de IAs responsáveis no Brasil, comentou que a dependência dessas tecnologias sob o domínio de empresas internacionais pode trazer problemas de segurança nacional e econômicos, afetando o desenvolvimento e a concorrência de empresas locais.
“As nações em desenvolvimento devem evitar depender completamente de soluções desenvolvidas fora do país. Países como o Brasil tem condições de ir mais longe”, afirmou.
O professor também elencou sugestões de iniciativas que podem ser aplicadas pelos países em desenvolvimento para que eles consigam um mínimo de soberania estratégica. De acordo com Virgílio, os países devem investir em ciência e tecnologia, incluindo a formação de recursos humanos qualificados, ampliar a colaboração científica entre países e encorajar a construção de IAs que incorporem valores, culturas e idiomas nacionais.
Além disso, as nações devem desenvolver governanças de IA que promovam o progresso e contenham os riscos. “Governança de IA não é apenas legislação, ela também inclui o desenvolvimento de políticas públicas”, pontuou o pesquisador.
Para Fernanda Martins, diretora do InternetLab, apesar dos desafios impostos pelo cenário geopolítico de IA atual, este é um momento propício para que os países do Sul global colaborem conjuntamente para a construção de novos parâmetros éticos, políticos e tecnológicos. “Devemos considerar alianças multisetoriais e regionais para que a gente atravesse esse cenário e fortaleça as democracias desses países”, afirmou a pesquisadora.
Possíveis caminhos da IA para o Brasil
De acordo com Virgílio, quando se trata de IA, o Brasil possui tanto um cenário muito frutífero para a produção da tecnologia, como também empecilhos que travam o crescimento do setor no país. “O país tem vários elementos positivos, mas não tem elementos essenciais para avançar nesse cenário digital”, afirmou o pesquisador.
Potencial de recursos humanos qualificados, mercado digital em expansão e cultura aberta a adoção de inovações tecnológicas foram alguns dos potenciais destacados por Virgílio. Além disso, o país possui uma diversidade de dados raciais, de gênero e sociais produzidos por instituições governamentais como o Ibama e o SUS, que podem ser utilizados para o treinamento de sistemas inteligentes.
Por outro lado, ainda segundo o diagnóstico do professor, o Brasil ainda não possui uma estrutura para coordenação política e estratégica de IA, que considere investimento em pesquisa, nem regulações necessárias que permitam o progresso e minimizem os riscos advindos da tecnologia.
Como a IA se enquadra no G20
O tema da IA é uma dos quatro eixos temáticos que formam o EDWG do G20 sob a supervisão do Brasil, que conta também com grupos específicos sobre inclusão digital e conectividade significativa, governo eletrônico e integridade da informação. Entre as questões orientadoras no núcleo temático de IA, estão, por exemplo, o uso eficiente das tecnologias inteligentes por governos e empresas para melhorar as condições de vida da população. Medidas de mitigação de desigualdades nas capacidades técnicas entre países e a construção de banco de dados representativos também são alguns dos pontos norteadores da discussão.
Os grupos paralelos ao G20, como o Civil 20 (C20), o Think Tanks 20 (T20) e o Business 20 (B20), também estão tratando do tema com forças tarefas criadas dentro dos grupos responsáveis pela pauta digital.