A eleição argentina, ocorrida neste domingo (19), impulsionou o aumento do número de casos de violência política no país nos últimos meses. O mapeamento feito pela ferramenta RADAR (Registro de Ataques da Direita Radicalizada Argentina) registrou 79 ataques de cunho político desde junho deste ano, 27 deles só entre outubro e novembro – que ainda não acabou. O número contrasta com os 5 ataques registrados nos mesmos dois meses em 2022. Ontem, o país realizou o segundo turno das eleições presidenciais, com a vitória do economista e deputado Javier Milei (Partido Liberdade Avança).
A ferramenta RADAR foi construída pela Equipe de Investigação Política (EdiPo) da revista Crisis com o apoio do Centro de Estudos Jurídicos e Sociais (CELS) como fonte de informação pública, colaborativa e em tempo real de atos de violência contra a democracia e para defesa dos direitos humanos. Catalogando casos desde 2020, o RADAR contabiliza 220 casos, mas 100 deles ocorreram apenas em 2023.
“O RADAR é uma ferramenta exploratória de construção colaborativa que não pode garantir a completude dos dados”, explica Valen, pesquisadora do RADAR. “Mas podemos afirmar, pelo menos a partir dos acontecimentos que alcançaram notoriedade nos principais meios de comunicação, que mais ataques foram visíveis nas semanas anteriores e posteriores às eleições, e houve uma escalada particularmente significativa durante o período que antecedeu o segundo turno. Só nesta semana registramos 15 ataques, e não estamos incluindo os que acontecem no mundo virtual”, complementa.
Dos 220 casos registrados no RADAR, 118 foram contra personalidades políticas, 74 foram por negação e apologia à ditadura, 64 foram ataques misóginos, antifeminismo e anti LGBTQIAP+, 32 foram ataques nazistas antissemitistas e supremacistas e 19 foram por racismo e xenofobia. Os mais recentes envolveram um caso de vandalismo contra uma estátua da ex-primeira dama da Argentina, Eva Perón, e pichações na Universidade Nacional de Cuyo, em Mendoza.
Apenas na última semana, registra o monitoramento, o presidente da Juventude Radical, Agustín Rombola, recebeu uma mensagem intimidadora em sua rede social junto com uma fotografia sua entrando em sua casa e quatro instalações da coalizão Unión x la Patria em Salta, um centro cultural e os muros das Universidades Nacionais de Córdoba também foram atacados com ameaças à militância política.
Valen analisa que os ataques querem incutir medo na militância para inibir a ação. De acordo com a pesquisadora, existe uma forte reação contra o feminismo e a agenda dos direitos humanos.
Ataques a lugares e símbolos se configuram como o principal tipo de ataque político entre os mapeados pelo RADAR, foram 164 dos 220 registrados até então. Em seguida, os assédios e ameaças (40) e atentados contra a integridade física e a vida (16).
Com a vitória de Javier Milei no segundo turno, considera Valen, a violência política pode ser estimulada. “Observamos um clima de encorajamento dos setores reacionários mais radicalizados, refletido na efervescência dos ataques durante o último período, que pode ser aprofundado pelos resultados”, destaca.
“Embora a polarização seja estrutural na política argentina, hoje ela assume novos termos. Resta saber como será gerida, porque os atores são múltiplos e dinâmicos. Ainda não sabemos quanto combustível receberão esses setores mais radicalizados que se aninham, mas não constituem a totalidade do movimento libertário. O que está claro é que encontrarão resistência se tentarem avançar contra direitos já conquistados. Uma vitória no segundo turno não é um cheque em branco”, analisa Valen.
Redes sociais têm papel importante na disseminação dos discursos violentos
Em entrevista ao *desinformante, Andrés, pesquisador da revista Crisis, pontuou que o projeto se volta aos ataques realizados fora do mundo virtual. “Pretendemos desta forma tornar visível um fenómeno que acreditamos estar um tanto negligenciado até agora. No nosso país, o foco foi colocado nos “discursos de ódio” há algum tempo, e certamente estes discursos são um componente que torna possível a escalada violenta que acreditamos estar vivendo. Mas focamo-nos nas ações violentas e não nos discursos que as possibilitam”, pontua.
Para ele, as redes sociais desempenham um papel importante na proliferação dos discursos e das ações violentas, incluindo a possibilidade de silenciar vozes no âmbito digital. O pesquisador ainda destaca a existência de uma direita radicalizada “2.0”, que utiliza os diferentes fóruns virtuais para expandir a sua mensagem e se organizar, mas reforça que essas estratégias merecem ser analisadas detalhadamente antes de tirarem conclusões precipitadas sobre como utilizam o digital em seu benefício.
Diante da vitória de Javier Milei, a rede digital construída pela extrema direita na Argentina deve ser fortalecida, especialmente a capacidade de articulação com o público jovem.