De 4.350 propagandas políticas exibidas no Google, 3.098 (71,21%), não têm o CNPJ do anunciante (ou este está ilegível), e/ou a expressão “propaganda eleitoral” está ausente. Também não havia essas informações nas páginas para onde os links dos anúncios eram direcionados. Este é um dos principais resultados do monitoramento realizado entre 15 e 30 de agosto por pesquisadores do NetLab, Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
O relatório “Irregularidades e opacidades nos anúncios do Google” encontrou ainda 36 anúncios que podem configurar conteúdo desinformativo, propaganda negativa, discriminação de raça ou de gênero publicados no Google durante as duas primeiras semanas do período oficial da campanha eleitoral.
A pesquisadora Marie Santini, coordenadora do NetLab, afirma que “o Google só deveria aceitar anúncios que configurem campanhas se estiverem devidamente marcados como ‘propaganda eleitoral’. Na medida em que fazem outra opção, deveriam garantir a transparência sobre quem anuncia para viabilizar a fiscalização. A falta de transparência e impossibilidade de fiscalização dos anúncios pode ter um impacto imenso nas pessoas e nas eleições”.
Outros 31 casos de conteúdos políticos impulsionados por empresas, pessoas ou fundações se aproveitaram da ambiguidade nos formatos dos anúncios para promover ou atacar candidatos.
Como exemplo de conteúdo desinformativo, o relatório traz anúncios da página Brasil Paralelo que são chamadas para a série “Investigação Paralela”, que afirma investigar crimes misteriosos que repercutiram no país. Os anúncios trazem um tom conspiratório e citam casos como a morte da ex-vereadora Marielle Franco, do ex-prefeito Toninho do PT e a facada levada pelo presidente Jair Bolsonaro.
A produtora alega que a série traz “teorias não divulgadas pela grande mídia sobre alguns dos principais casos da nossa história”, que é indício de desinformação. Entre anúncios eleitorais de candidatos, foram encontrados sete que faziam menção à fakenews do “kit gay”.
Sobre discriminação de raça e gênero, o relatório encontrou nove anúncios feitos por três anunciantes diferentes que podem configurar intolerância religiosa, lgbtfobia e discriminação contra mulheres.
A pesquisa ainda identificou três casos de impulsionamento de propaganda eleitoral por empresa. Foram anúncios impulsionados pela Approved Empreendimentos Digitais, todos em favor de Jair Bolsonaro. A prática é vedada pela legislação eleitoral.
A maioria dos anunciantes são candidatos a deputados federais, com conteúdo segmentado por localidade.
Remoção de anúncios dificulta punição
A pesquisa aponta que 228 anúncios foram completamente removidos do relatório de transparência feito pela plataforma, mesmo após causarem danos potenciais por alguns dias. Esta ação dificulta pedidos de direito de resposta uma vez que “quando um anúncio viola as políticas da plataforma, seu conteúdo desaparece da biblioteca, impedindo que os pesquisadores saibam quais tipos de irregularidades foram praticadas”.
Para Marie Santini, “as plataformas precisam se responsabilizar pela adequação dos anúncios online às leis locais, já que é com os anúncios que estas empresas ganham dinheiro. É uma questão de compromisso com a sociedade brasileira. Não faz sentido as plataformas não cumprirem a lei justificando que a mesma não corresponde a seus termos de uso. São os termos de uso da plataforma que deveriam refletir as regras sobre publicidade eleitoral do país, e não o contrário”.
O Google afirmou em nota que o Relatório de Transparência de Anúncios Políticos foi lançado em 2018 com o objetivo de oferecer às pessoas um nível de informações a respeito da publicidade política em nossas plataformas, afirmando:
“Ao dar transparência sobre quem pagou por um anúncio, o valor investido, número de exibições e parâmetros de segmentação, estamos contribuindo para que cidadãos, jornalistas e autoridades possam acompanhar e fiscalizar as campanhas políticas. Os anúncios eleitorais exibidos em nosso Relatório são aqueles permitidos pela nossa política de conteúdo político”. A plataforma informou que é possível saber quem financiou todos os anúncios que circulam, independentemente da publicação ou não do CNPJ da campanha na peça publicitária.
“Além de seguir nossas diretrizes, é responsabilidade do anunciante observar as regras sobre publicidade eleitoral estabelecidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), como a inclusão do CNPJ ou CPF de quem está pagando, como previsto em nossa Central de Ajuda. É possível que determinados anúncios não violem as políticas do Google Ads e, ainda assim, estejam em desacordo com a legislação local e, portanto, sujeitos à fiscalização e às penalidades previstas pelo TSE”.
Sobre a remoção dos anúncios que infringem a política da plataforma do seu relatório de transparência, o Google informa que o relatório segue em constante aprimoramento e que “ seguirá sendo relevante e útil para que os cidadãos brasileiros possam acompanhar o uso de publicidade pelos políticos e partidos nos próximos anos, independentemente do período eleitoral”.
O relatório “Irregularidades e opacidades nos anúncios do Google” foi produzido pelo NetLab, Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pode ser acessado na íntegra aqui.