Um novo texto do Projeto de Lei 2370/2019, que prevê a implementação da remuneração do jornalismo pelas plataformas digitais, foi protocolado no último dia 12 de agosto, sábado, pelo relator deputado Elmar Nascimento-União (BA). Há expectativa de votação da urgência e mérito do projeto nesta terça, dia 15 de agosto, mas até a última hora o texto poderá ser modificado.
Alguns pontos permanecem críticos para a sociedade civil e representantes das entidades do jornalismo como, por exemplo, o tipo de veículo jornalístico a ser remunerado e os critérios que serão levados em conta. Enquanto a sociedade civil pede um jornalismo plural, fora do eixo Rio-São Paulo e de interesse público, o texto vai na direção de parâmetros quantitativos: audiência, número de jornalistas contratados e volume produzido – o que, na prática, alcançaria apenas as mídias hegemônicas do país.
Membros da sociedade civil organizada também apontam que a busca pela pluralidade de veículos está presente no texto, mas não como fator condicionante. O que, de novo, na prática, não garante uma distribuição de verbas mais igualitária. Bia Barbosa, coordenadora de incidência da Repórteres Sem Fronteiras para a América Latina, afirma que a inclusão da pluralidade no texto é um avanço em relação à última versão, mas é importante que o projeto inclua nos critérios para o pagamento do jornalismo a diversidade de fontes de informação, de temáticas tratadas e de áreas de cobertura.
“Seria importante que esses aspectos também estivessem incluídos nos critérios da remuneração, principalmente porque vivemos em um país de extrema concentração da propriedade dos meios de comunicação. E tudo o que esse projeto não deveria fazer é fortalecer essa concentração”, afirma.Outro ponto em debate é o conceito vago de “uso de conteúdo” pelas plataformas. Segundo Barbosa, a falta de detalhamento desse termo, que é fundamental no texto, pode trazer interpretações duvidosas.
Bia relata que as organizações de defesa do jornalismo não tiveram interlocução com o relator do projeto. A conversa foi mediada pelo governo federal apenas com as empresas radiodifusoras. Na reta final, as organizações puderam submeter as suas contribuições às discussões.“ É uma pena que o relator, nesse esforço de negociação do texto, não tenha também aberto a interlocução com as organizações de defesa do jornalismo no Brasil”, avaliou.
A coordenadora geral do *desinformante, Nina Santos, destacou uma preocupação com o fato de a definição ampla de jornalismo prevista no projeto acabar por incluir iniciativas que produzem reiteradamente desinformação. Nina ainda apontou a necessidade de adicionar critérios que levem em consideração, por exemplo, o combate aos desertos de notícias em diversas regiões do país.
A Coalizão Direitos na Rede (CDR), em particular, está concentrando o debate em dois pontos específicos, a partir do novo texto: inserir critérios qualitativos que garantam maior diversidade para veículos remunerados e tentar melhorar a redação do trecho que proíbe que as plataformas derrubem notícias para tentar escapar da lei. Este último ponto tem acontecido nos países que implementaram legislações semelhantes, como no Canadá, que neste mês vem sofrendo banimentos de conteúdos jornalísticos pela Meta, e na Austrália. Para a CDR, a redação como está pode impedir que a rede social modere um conteúdo desinformativo ou de ódio, por exemplo.
O que prevê o texto?
O texto do PL protocolado neste final de semana determina, entre outras diretrizes, que as “plataformas digitais de conteúdos de terceiros” com pelo menos 2 milhões de usuários no país paguem pelo uso de conteúdos jornalísticos. Estará apta a receber a verba a pessoa jurídica, mesmo individual, constituída pelo menos há 12 meses, que produza conteúdo jornalístico de maneira “original, regular, organizada e profissional” e que possua um editor residindo no Brasil.
Já o entendimento de conteúdo jornalístico é descrito no documento como “conteúdo de cunho eminentemente informativo, que trata de fatos, opiniões, eventos e acontecimentos em geral de interesse público, independentemente do tipo ou formato, observados os princípios e padrões éticos de conduta no exercício da atividade de jornalismo.” O valor da remuneração a ser pago deverá considerar três critérios: o volume do conteúdo jornalístico produzido, a audiência alcançada nas plataformas e o número de profissionais nas redações.
O PL também determina que os veículos deverão negociar diretamente com as plataformas sobre os valores a serem pagos, bem como os modelos de pagamento e prazos, o que indica uma mínima participação governamental sobre o processo, algo semelhante ao que ocorre nos modelos canadenses e australianos. A intermediação estatal se dará somente nos casos de inviabilidade de negociação, quando entrará a arbitragem da “Câmara Arbitral Privada” ou órgão de administração federal, sem trazer mais detalhes.
A remuneração do jornalismo era um tema previsto, inicialmente, no texto do Projeto de Lei 2630/2020, que trata da regulamentação de plataformas digitais e que teve sua votação adiada no último mês de abril. Em maio, o tema foi adicionado ao texto do PL 2370, que busca atualizar os direitos autorais para produções audiovisuais.
Publicidade e transparência
O novo texto inclui mais uma parte do PL das Fake News. Aquela que trata de publicidade e transparência sobre anúncios nas plataformas. O tópico já estava presente na versão anterior do texto com a obrigação de as plataformas identificarem toda a publicidade que esteja inserida nelas e o responsável pelo impulsionamento.
Além de identificar para o usuário de forma transparente os conteúdos impulsionados, o texto também prevê a transparência por meio de uma biblioteca de anúncios, ou seja, um repositório atualizado com toda a publicidade veiculada, com a íntegra dos conteúdos.
Esse repositório também deve incluir informações que permitam identificar o responsável pelo pagamento, as características gerais da audiência, o valor investido, o número total de destinatários alcançados e o endereço eletrônico para qual remete o anúncio. O projeto de lei ainda requer mais obrigações para as propagandas em períodos eleitorais.
“Isso é muito bom porque traz algumas das obrigações, que estão sendo construídas fora do Brasil, para nossa realidade também. São ferramentas que já estão sendo desenvolvidas ou já estão em operação e que permitem identificar ilicitudes”, avalia o diretor do Sleeping Giants Brasil, Humberto Ribeiro.
Ribeiro destaca pontos inovadores da lei no que diz respeito à transparência publicitária. Uma dessas inovações é a possibilidade de o usuário identificar os conteúdos publicitários com os quais ele teve contato nos últimos seis meses. Essa disposição vai além de um repositório global e se apresenta como algo individual que fornece ao usuário as informações a respeito dos critérios e procedimentos utilizados para perfilamento que foram aplicados em cada anúncio.
No entanto, de acordo com Humberto Ribeiro, o texto falha em não vedar a publicidade para crianças, um tópico que estava presente no PL 2630/2020. Outro ponto que deveria ser vedado, no ponto de vista do ativista, é a segmentação dos anúncios com base em dados pessoais sensíveis, como origem racial, étnica, convicção religiosa, opinião política e dados biométricos, algo já presente na Lei Geral de Proteção de Dados.