Embora a relação entre as Big Tech e Donald Trump tenha sido conturbada nos últimos anos, o resultado das últimas eleições pode beneficiar essas empresas. Diferente de 2016, quando os líderes das Big Tech expressaram decepção com o resultado das eleições, dessa vez, apoiar o futuro presidente é a melhor estratégia de negócio para o setor de tecnologia. Nesse segundo mandato, as Big Tech procuram evitar conflitos com o governo Trump e manter boas relações para favorecer seus negócios. O futuro presidente entende do poderio das Big Tech. Trump promete reduzir regulações e impulsionar a inovação para fortalecer a liderança tecnológica dos Estados Unidos. Neste cenário, as Big Tech têm, de uma vez por todas, a chance de se divorciarem do jargão corporativo de “make the world a better place” (tornar o mundo um lugar melhor) para abraçar os ideais de “make America great again” (tornar a América grande novamente), que certamente só as beneficiarão.
Na Europa, os países devem se preparar para os desafios que o governo de Trump trará para as suas fortes iniciativas de regulação de plataforma. No Brasil, independentemente de quem esteja liderando em Washington, conhecemos bem o protecionismo tecnológico do Vale do Silício. Por aqui, as empresas de tecnologia sempre adotaram medidas de defesa de seus interesses econômicos e políticos à lá Donald Trump, desafiando regulações, instituições e a soberania digital. A vitória de Trump pode intensificar os problemas já existentes e ameaçar ainda mais a democracia. É possível que os próximos anos possam também afetar a regulação de plataforma em uma esfera global.
A vitória de Trump também é uma vitória de Elon Musk. Embora as drásticas mudanças na moderação de conteúdo implementadas por Musk no X sejam socialmente e politicamente problemáticas, elas reduzem custos operacionais e favorecem os discursos alinhados ao novo governo. Portanto, não seria uma surpresa que outras plataformas sigam o mesmo caminho do X em busca de interesses próprios.
Trump reconhece o poder econômico e político das plataformas para manter os Estados Unidos na liderança global. Qualquer medida política, econômica ou regulatória que limite o crescimento dessas empresas, é vista como um retrocesso aos seus interesses e aos interesses de seus constituintes. Uma aliança entre a nova administração e as Big Tech, com Musk liderando, é a tática mais eficaz. Certamente a vitória representa uma oportunidade para as Big Tech, mas um desafio para países que buscam regulá-las.
Trump e Big Tech: uma Relação de Amor e Ódio
Em 2016, o resultado das eleições presidenciais dos Estados Unidos surpreendeu executivos das Big Tech e seus funcionários (que historicamente apoiam o partido Democrata). Durante o primeiro mandato, a relação entre as empresas de tecnologia e Trump foi turbulenta. Trump já acusou o Facebook de inimigo do povo e ameaçou processar o Google alegando viés contra conservadores ao sugerir que o buscador exibe apenas notícias desfavoráveis ao seu respeito. Desde a primeira eleição de Trump, as Big Tech têm enfrentado pressões globais por regulação, transparência e responsabilidade devido ao aumento da desinformação e os riscos políticos e sociais de suas plataformas. Entre 2020 e 2021, ao menos 48 países adotaram novas regras de plataforma.
O fim do primeiro mandato foi também caótico para as Big Tech, marcado pela invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2020, seguido pelo banimento de Trump em múltiplas plataformas. Desde então, o ex-presidente criou sua própria rede social — Truth Social —, fez inúmeras críticas às empresas de tecnologia, embarcou em um “bromance” com Elon Musk e retornou às plataformas que um dia o baniram. A diplomacia Trump-Big Tech mudou. Essa semana diversos líderes do setor parabenizaram a sua vitória e após os resultados presidenciais, as ações dessas empresas subiram.
Trump é um bom entendedor do poder das Big Tech para a extrema-direita, a economia, e a geopolítica dos Estados Unidos. Para esta eleição, Trump escolheu JD Vance como vice. Vance é fundador de empresa de capital de risco apoiada por bilionários do setor de tecnologia como Peter Thiel (co-fundador do PayPal, e investidor de empresas como Facebook Stripe e SpaceX) e Eric Schmidt (ex-CEO do Google). Elon Musk, um importante investidor da campanha, também faz parte dessa rede, e ele deve assumir papel ativo na futura administração, além de ganhar benefícios para as suas empresas que ganham bilhões em contratos governamentais.
Para as Big Tech, o resultado dessa eleição é favorável. O futuro presidente promete reduzir a pressão regulatória sobre as empresas de tecnologia, visto que qualquer estratégia contrária prejudicaria os Estados Unidos. E, embora Trump tenha preocupações com certos monopólios como o Google e Facebook, ele reconhece o poder dessas empresas na esfera global. Portanto, nesse cenário, a quebra de monopólios não é ideal. Assim, no setor antitruste, empresas como o Google podem sentir um alívio nas ameaças de desmantelamento por parte da Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos. No próximo mandato, até o TikTok, que sofre ameaças de um possível banimento, parece se beneficiar da eleição com promessas de continuidade da plataforma nos Estados Unidos.
O X pode se consolidar mais ainda como um canal estratégico para o novo governo devido à relação entre Trump e Musk e suas políticas quase que inexistentes de moderação. Neste cenário, a indiferença do X quando a moderação de conteúdo também pode influenciar mudanças nas políticas de governança em outras plataformas. Empresas como Meta e Google, podem adotar medidas semelhantes de maneira a reduzir custos operacionais, aumentar receitas baseadas na economia da atenção, e assim, minimizar conflitos políticos em Washington.
Big Tech: Mais do que Soft Power
Na era digital, inovação e tecnologia são pilares do poder econômico e geopolítico. Das 100 maiores empresas de tecnologia do mundo, 60 são dos Estados Unidos. Mesmo com tamanha representação, o país vive uma constante batalha com a China por supremacia tecnológica. O país de Xi Jinping, com mais de 900 milhões de usuários de internet e uma economia de consumo intensa, é o mercado de maior e mais rápido crescimento em tecnologias digitais no mundo. Uma disputa geopolítica entre Estados Unidos e China, é uma guerra na qual as Big Tech estão na linha de frente. Assim, aliviar políticas regulatórias e econômicas para as empresas de tecnologia, resulta em maior poderio das Big Tech e dos Estados Unidos no âmbito global.
Nos últimos oito anos, o aumento da desinformação e os riscos políticos e sociais das plataformas geraram pressão global por regulação das Big Tech. Entre 2020 e 2021, ao menos 48 países implementaram novas regras sobre conteúdo, dados e competição. Um alinhamento entre Trump e Big Tech pode fortalecer a luta regulatória sob o discurso de liberdade de expressão, influenciado por ideias libertárias à lá Elon Musk. O efeito é a promoção de agendas antidemocráticas e o desafio à soberania digital, como já experienciado no Brasil. Em prol do expansionismo tecnológico, Trump pode dar carta branca para as Big Tech desafiarem ainda mais regulações que ameacem seus interesses econômicos e políticos.
Enquanto na Europa o governo Biden era de alguma maneira um aliado na regulação, Trump representa uma ameaça. No Brasil, a relação entre a Casa Branca e as Big Tech há tempos se alinha com os ideais de Trump. Este ano, o governo Biden condenou a ordem de Alexandre de Moraes para bloquear o X. Quanto à regulamentação, depois de muita polarização e lobby das Big Tech, o projeto de lei 2.630/2020 — a PL das fake news — estagnou. Na regulação de IA, o centrão domina mais da metade dos projetos na Câmara, e qualquer debate futuro pode ser ainda mais turbulento com as Big Tech protegendo os interesses políticos e econômicos dos Estados Unidos.
Enquanto isso, a extrema-direita brasileira segue defendendo sua própria versão de “liberdade de expressão” alinhadas aos ideais trumpistas, uma articulação já vista esse ano, renovando esperanças bolsonaristas que já têm uma relação crítica com as plataformas através da disseminação de discurso de ódio, desinformação, e teorias conspiratórias. Assim, a próxima eleição presidencial no Brasil, pode enfrentar um novo perfil de Big Tech à moda Donald Trump.