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fev 21, 2023 | Destaques, Notícias

Conferência da Unesco debate regulação das plataformas para uma internet pública e confiável 

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Enviada Especial a Paris

*colaboradora do desinformante, a doutora em Comunicação/UFBA e pesquisadora do INCT.DD, Tatiana Dourado, vai acompanhar o evento e trazer as principais discussões

Sete anos se passaram desde a corrida presidencial de 2016 nos Estados Unidos, que elevou as campanhas de desinformação ao patamar de ameaça democrática vertiginosa no mundo contemporâneo. Círculos diversos têm investigado e exaustivamente debatido usos e efeitos sociais, políticos e eleitorais causados por ações coordenadas que são postas em prática para gerar artificialmente a impressão de consenso e disseminar rapidamente falsificações, mensagens descontextualizadas e conteúdos alarmistas, a partir de usos inapropriados de bots, contas falsas ou anônimas, disparos massivos e posts patrocinados, entre outros métodos típicos. 

Assim como são passíveis desses tipos de manipulação, as arquiteturas das plataformas de mídias sociais e de mensageria já demonstraram ser também vulneráveis à movimentação da (ultra) direita popular, cuja produção, consumo e engajamento giram em torno de questões contenciosas, antagonismos, conspirações e ideários antidemocráticos. Diante deste cenário complexo, quase todo mundo concorda que não há resposta simples, única e resolutiva. 

Somado a outros tipos possíveis de intervenções de curto, médio e longo prazo, como verificação de fatos, moderação de conteúdo, contextualização e literacia midiática-digital, corre em paralelo extensa discussão sobre criação de leis para regular plataformas digitais e, a partir disso, proporcionar respostas mais eficazes contra tais táticas de manipulação política on-line, entre outras questões ligadas à prestação de serviços digitais. 

Com o objetivo de delinear parâmetros globais razoavelmente consensuais, nos próximos dias, entre 21 e 23 de fevereiro, mais de 1.500 especialistas, entre eles representantes de governos, de órgãos regulatórios, de empresas de tecnologia, das universidades, de meios de comunicação e da sociedade civil, estarão reunidos na conferência da Unesco “Internet for Trust: Towards Guidelines for Regulating Digital Platforms for Information as a Public Good” (em tradução livre “Internet Confiável: rumo à regulamentação das plataformas digitais para que a informação seja um bem público”) , em Paris, que discutirá como estabelecer e implementar processos regulatórios que preservem liberdade de expressão, acesso à informação e direitos humanos. 

Documento enfatiza direitos humanos e transparência

O que baseia esta conferência da Unesco é o documento público, intitulado “Guidelines for regulating digital platforms: A multistakeholder approach to safeguarding freedom of expression and access to information” (em tradução livre, “Diretrizes para regulamentar plataformas digitais: uma abordagem multissetorial para salvaguardar a liberdade de expressão e o acesso à informação”), que direciona atenção ao papel desempenhado por governos, sistemas regulatórios e empresas de tecnologia para conter danos à democracia e aos direitos humanos, enfatizando a necessidade de priorizar tratamento igualitário entre regiões e linguagens na atividade de moderação e nos processos automatizados. 

Governos, plataformas, organizações intergovernamentais, sociedade civil e outros parceiros interessados, portanto, possuem papéis distintos e complementares na construção de uma estratégia corregulatória que consiga atender às características da cultura política do país e à árdua tarefa de reduzir a visibilidade de conteúdo ilegal e democraticamente danoso sem afetar a livre expressão e direitos humanos do usuário de internet. 

Para isso, há expectativa que o centro do debate sejam mudanças nos sistemas e processos usados pelas plataformas, não em peças de conteúdo, que podem ser removidas do ar via padrões de comunidades ou via decisão judicial, além de estarem sob escrutínio público. Às plataformas, o documento especifica cinco princípios, isto é, que suas práticas e políticas de governança do conteúdo estejam alinhadas aos padrões de direitos humanos, que seus processos sejam transparentes, que empoderem seus usuários, que possam ser responsabilizadas e que tenham supervisão independente. Acesse aqui o rascunho 2.0 – a versão final está prevista para ser publicada depois da conferência.

Regulação no centro da agenda política do Brasil

No Brasil, o tema da regulação das plataformas digitais voltou ao centro do debate com a mudança de governo, e o episódio do 8 de Janeiro, inflamado por narrativas golpistas, que ficaram mais perigosas ao longo dos últimos anos, e tiveram como estopim a derrota de Jair Bolsonaro para Lula em 2022, tornou a agenda mais saliente para o governo e para o legislativo. No Executivo, a pauta da regulação é levantada por diferentes atores, pastas e falas e, dentre outras coisas, foi ventilada proposta de alterar o artigo 19 do Marco Civil da Internet para disciplinar a atuação das plataformas no combate a mensagens antidemocráticas por meio de Medida Provisória, o que parece ter sido demovido em meio a críticas do legislativo e da sociedade civil. O assunto esteve entre as prioridades da conversa entre Lula e Biden em 10 de fevereiro. “O mundo dele terminava e começava com fake news”, disse o presidente brasileiro; “Soa-me familiar”, respondeu o norte-americano.” 

No Congresso, o PL2630/2020 está parado na Câmara dos Deputados após dois anos de intenso debate e, embora Arthur Lira (PP-AL) tenha demonstrado vontade política para fazer avançar o assunto na pauta legislativa, não há clareza sobre quando e como, bem como sobre a fatia de apoio em relação à força da oposição, em especial, os aliados do ex-presidente Bolsonaro. Se, de um lado, o vandalismo e a violência do 8 de Janeiro abrem janela única de oportunidade, de outro, também importa situar o histórico do debate, dar a conhecer e discutir as divergências-chave e definir os tipos de perigos afetos à política e aos processos eleitorais que se pretende combater. 

O documento da Unesco chama atenção para a necessidade de estabelecer um processo “aberto, transparente, que envolva todos os atores e baseado em evidências”. Enfatiza, ainda, que objetivos regulatórios não serão alcançados caso não sejam implementados de forma integral e sistêmica, o que inclui a criação de órgão regulatório independente. É nesta fase crucial e neste cenário ainda ambíguo sobre se e como regular plataformas digitais e tentativas de manipulação política por meio de campanhas de desinformação que dezenas de ativistas, gestores públicos, jornalistas, juristas e pesquisadores brasileiros se encontrarão em Paris. 

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