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maio 31, 2023 | Destaques, Notícias

Como o Twitter tem se tornado cabo eleitoral de governos autoritários

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Desde que assumiu o comando do Twitter, Elon Musk fez questão de deixar clara a mudança de postura da empresa. Ainda nos primeiros 50 dias, o novo dono desmantelou as equipes de confiança e segurança e interferiu na moderação de conteúdo, o que desencadeou o aumento do discurso de ódio e da desinformação climática. Mais recentemente, suas ações deixaram evidente a vontade de interferir também na política, não só estadunidense como também de outros países.

Na quarta-feira passada (24), Elon Musk abriu uma transmissão ao vivo no Twitter – marcada por falhas técnicas – para o lançamento da candidatura de Ron DeSantis, atual governador da Flórida, para disputar a vaga do Partido Republicano nas eleições presidenciais de 2024. DeSantis é um conservador populista, considerado por alguns especialistas como um ‘Trump 2.0’. 

“O que une Musk e DeSantis não é o libertarianismo. É autoritarismo. O Twitter começou a se tornar um ponto de acesso da mídia de direita quando Musk suspendeu o banimento de milhares de contas que espalharam desinformação sobre a pandemia e as eleições de 2020”, opinou Robert Reich, o professor de políticas públicas da Universidade da Califórnia, em coluna no The Guardian.

Após o Spaces com DeSantis, que bateu 600 mil ouvintes simultâneos, Musk publicou que todos os presidenciáveis eram bem-vindos na sua plataforma.

Para Camilo Aggio, professor do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais, não se tem como saber os impactos desse movimento de Musk pela opacidade inerente à plataforma. O docente destaca que, para veículos de mídia tradicionais, existe uma regulação sobre como a imprensa deve atuar com vedações para a garantia de princípios como isonomia e imparcialidade, o que não ocorre nas plataformas. 

“Não é apenas um espaço aberto por Elon Musk a um extremista de direita do Partido Republicano Americano, mas exatamente como a engrenagem algorítmica de curadoria de conteúdo, de produção, de manejo da informação dentro dessas plataformas são utilizadas? Não sabemos como, não há transparência sobre isso, não sabemos qual é o nível da ingerência e com quais efeitos”, indaga Aggio.

Além do explícito caso de suporte a DeSantis, outras ações do bilionário também mostram como ele tem agido para inflar os discursos que concorda e suprimir outros. Por exemplo, em abril, o Twitter removeu os bloqueios às contas do governo russo que tinham sido impostos sobre perfis governamentais da Rússia após a invasão à Ucrânia e elas voltaram a aparecer nos resultados de pesquisa da plataforma e nas recomendações. A mudança foi identificada pelo jornal The Telegraph.

Twitter aprovou 83% dos pedidos de governos

Os dados de uma auditoria independente analisados pelo portal Rest of World mostraram que, desde que Musk assumiu a plataforma, o Twitter aprovou 83% dos pedidos realizados por governos, inclusive os autoritários. Antes, a taxa de cumprimento das demandas ficava em torno de 50%.

Como destacou o portal, a maior parte dos pedidos recentes veio de países que recentemente aprovaram leis restritivas de fala – principalmente Índia, Turquia e Emirados Árabes Unidos. As ordens variam, mas todas envolvem um governo pedindo ao Twitter para remover conteúdo ou revelar informações sobre um usuário. 

O Rest of World conta de um caso em que o Ministério da Informação da Índia ordenou que o Twitter removesse todas as postagens que compartilhavam imagens de um documentário da BBC sobre o primeiro-ministro Narendra Modi. Dezenas de postagens foram removidas, incluindo uma de um membro do parlamento local.

Dois meses depois, em entrevista à BBC, Musk alegou não saber porque o conteúdo foi removido, mas disse: “As regras na Índia sobre o que pode aparecer nas redes sociais são bastante rígidas e não podemos ir além das leis do país para não pôr em risco nossos funcionários”. 

O país que mais fez solicitações no período de outubro de 2022 a abril de 2023  e, consequentemente, mais teve suas demandas atendidas foi a Turquia, 387 pedidos foram atendidos integralmente e 102 parcialmente. Recentemente, os cidadãos turcos foram às urnas e reelegeram o presidente Recep Tayyip Erdogan para sua terceira década de mandato. O primeiro turno desse pleito foi marcado pela decisão do Twitter de restringir determinados conteúdos antes do pleito.

Na ocasião, o Twitter não explicitou quais as diretrizes que balizaram tal medida, mas pontuou que o conteúdo ficará disponível para o resto do mundo. Jornalistas questionaram possível relação da empresa com o governo do presidente de direita Tayyip Erdogan.

Os cumprimentos integrais de pedidos dos governos contrastam com a postura da empresa pré-Musk. Em 2014, por exemplo, o Twitter foi banido da Turquia por duas semanas, por se recusar a bloquear globalmente uma postagem acusando um ex-funcionário do governo de corrupção. 

O professor Camilo Aggio enfatiza que a arbitrariedade das decisões, muitas vezes tomadas pelas posições de Elon Musk, pode desencadear uma autocracia. “Isso é temerário. A gente pode ter aprovação de 83% dos pedidos de censura de governos autoritários, mas vai saber qual outro tipo de critério que o dono dessa plataforma pode adotar diante de um governo que não seja autoritário e rivalize com seus interesses diretos, que tipo de retaliação isso pode ensejar? Todas as perguntas acabam convergindo para o mesmo ponto, a gente precisa de regulação”, enfatiza o pesquisador.

Cada vez mais distante do combate à desinformação

A regulação das plataformas digitais avança em todo mundo. Enquanto o Brasil tenta encaminhar o projeto de lei 2630/2020, a União Europeia já está na fase de colocar em prática a sua Lei de Serviços Digitais (DSA, sigla em inglês). No entanto, apesar de o Twitter ter participado das negociações anteriores, a nova política parece não colaborar com esses processos.

Nessa semana, o Twitter abandonou o código de conduta contra a desinformação da União Europeia. Em um comunicado publicado nas redes sociais, Thierry Breton, comissário do mercado interno da União Europeia, disse que a plataforma não pode fugir de suas obrigações legais. “Você pode correr, mas não pode se esconder ”, provocou Breton.

Isso porque, o comissário destaca que, além dos compromissos voluntários acordados, o combate à desinformação se tornará uma obrigação legal a partir de 25 de agosto por ser considerada uma plataforma online muito grande e ter obrigações mais rígidas avaliar e mitigar riscos ao discurso cívico e aos processos eleitorais, como a desinformação.

Em entrevista à rede de rádio France Info, o ministro digital da França, Jean-Noël Barrot, disse que o Twitter seria banido da União Europeia se recusasse seguir o DSA.

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