A cruzada de Elon Musk contra a Justiça brasileira ganhou novos capítulos que revelam sua aproximação com lideranças de extrema direita no país, fazendo reverberar a narrativa enviesada da censura e da liberdade de expressão a qualquer preço.
Uma live realizada na quarta-feira (10/4) teve a participação do próprio Musk e do deputado federal bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG), além do blogueiro de extrema direita Allan dos Santos, foragido da Justiça brasileira desde outubro de 2021 e que atualmente vive nos Estados Unidos. Na transmissão, Musk voltou a atacar a Justiça brasileira afirmando que tem “algumas preocupações sérias” em relação à operação do X no Brasil e que, em sua visão, “os representantes eleitos do povo do Brasil é que deveriam estar no comando. O Judiciário está lá para executar a lei, mas não para fazer lei. Mas eles estão fazendo leis. E eu acho que é um ultraje. As pessoas deveriam estar extremamente preocupadas. Isso tem de parar”.
Já nesta quinta-feira (11/4), a Comissão de Comunicação e Direito Digital realizou uma audiência pública com o tema “interferência de autoridades brasileiras sobre as plataformas de rede social (Twitter Files)”, com mediação do senador Magno Malta (PL-ES) que defendeu, em discurso no Plenário no dia anterior, a liberdade de opinião no país e elogiou o dono do X pela “coragem de fazer o enfrentamento em nome da liberdade” no Brasil e no mundo. Participaram do debate o jornalista norte-americano Michael Shellenberger, autor de uma série de reportagens sobre suposta interferência do poder Judiciário nas postagens da rede social e o jornalista brasileiro David Ágape, que também investiga os chamados Twitter Files.
Michael Shellenberger fez sua participação em português e disse que já foi um jovem de esquerda que foi para a Nicarágua defender os sandinistas. Chegou a dizer que ficou “apaixonado pela figura de Lula” a partir de leituras a que teve acesso. Shellenberger citou exemplos de como os EUA levaram a liberdade de expressão a níveis extremos como a permissão para realização de protestos nazistas em bairros judeus.
O jornalista contou que fez uma entrevista com o presidente Lula em que ele garantia que prezava a liberdade e que não transformaria o Brasil em Cuba. “Hoje o governo Lula está propondo muitas medidas e leis e ações para censurar as pessoas, o que realmente me faz triste, me dá medo e muitas partes do complexo industrial da censura são semelhantes ao que temos nos EUA e na Europa. Mas aqui é mais agressivo”, afirmou
O jornalista defendeu a liberdade absoluta sobre as manifestações na internet, incluindo as dúvidas levantadas sobre o processo eleitoral e outros questionamentos que levaram ao 8 de Janeiro no Brasil e a invasão do Capitólio nos EUA. “Passamos séculos sobre as pessoas reclamando sobre as eleições e a democracia se mantém”, defendeu.
Em 2020, Shellenberger publicou um livro questionando as consequências do aquecimento global. Seu “Apocalypse Never: Por Que o Alarmismo Ambiental Prejudica a Todos” admite a ocorrência da mudança climática, mas afirma que o alerta científico é exagerado, contribuindo para o aumento da “ansiedade” da população. Em 2016, ele passou a defender usinas nucleares. Naquele ano, ele fundou a Environmental Progress. Sua ONG ambiental passou a fazer campanha para impedir o fechamento dessas usinas, segundo perfil do jornalista publicado no UOL.
Segundo ele, após a publicação do Twitter Files, ele passou a ser acusado de ser um ´teórico da conspiração´. O grupo de postagens realizadas por Shellenberger são supostas trocas de emails de funcionários do Twitter no Brasil, liberadas pelo próprio Elon Musk para ele e outros jornalistas conservadores. Os conteúdos não têm qualquer prova de autenticidade e, supostamente, mostram como integrantes da antiga equipe de consultoria jurídica da plataforma reagindo a pedidos feitos por autoridades brasileiras entre 2020 e 2022, antes de Musk comprar a empresa.
A advogada especialista em direito digital e membro do Conselho de Especialistas da ONU para Inteligência Artificial, Estela Aranha, comentou em seu perfil no X que Matt Taibbi, Bari Weiss e Michael Shellenberger passaram a publicar reportagens e pautar o discurso público a partir dos interesses de Elon Musk para corroborar seu discurso político e suas decisões na administração da rede social. “A suposta “reportagem” (Ttwitter Files) utilizada por Musk como estopim para sua agitação política: estão repetindo a mesma ação de propaganda que fizeram nos US, Reino Unido etc. A mesma narrativa, o mesmo modus operandi, as mesmas pessoas envolvidas”, afirma a advogada, completando que a campanha contra as instituições brasileiras liderada por Musk ocorre justamente “quando as lideranças políticas da extrema direita no Brasil estão com capacidade reduzida de mobilização, após a PF demonstrar o envolvimento em crimes gravíssimos contra a ordem democrática”.
Menções negativas ao STF superam críticas a Musk
A maior parte da audiência na internet se posicionou de forma crítica ao STF e ao ministro Alexandre de Moraes, segundo pesquisa Quaest divulgada na terça-feira, 9 de abril. Segundo o instituto, o índice de menções negativas ao STF e a Moraes chegou a 68%. Mesmo sem o X, zona de influência de Musk, dono da rede, as críticas à Suprema Corte brasileira representaram 63% do total de interações com o conteúdo. O embate teve uma média de 865 mil menções diárias e alcançou 72 milhões de usuários por dia, diz o levantamento.