O governo do ex-presidente Bolsonaro foi marcado pelo abuso da prerrogativa de decretação de sigilo e também pela recusa de apresentar dados quando acionado por meio da Lei de Acesso à Informação. No auge da pandemia de Covid-19, por exemplo, o Ministério da Saúde deixou de divulgar dados oficiais sobre o número de mortes.
Taís Seibt, diretora de operações na agência de dados Fiquem Sabendo e especialista em Educação Midiática, lembra que o sigilo sobre o cartão de vacinação do ex-presidente e sobre o processo contra o ex-ministro da Saúde, general Pazuello, são alguns exemplos em que a não divulgação de documentos deixou o flanco aberto para especulações. “Pode nem haver nada tão comprometedor nesses documentos, mas o fato de terem o acesso negado alimenta discursos desinformativos e também teorias conspiratórias”, pondera.
Além de fomentar a desinformação, a falta de transparência em informações de órgãos públicos compromete uma das principais ferramentas no combate às fake news: a checagem de fatos. “Se uma pessoa vir em algum lugar que ministros do STF recebem 50 mil por mês de vale alimentação, deve conseguir verificar essa afirmação diretamente nos meios oficiais do Tribunal. Se o dado não for divulgado pelo órgão público, ou for difícil de encontrar, a mentira prospera com mais facilidade”, exemplifica Marina Atoji, gerente de projetos da Transparência Brasil.
Para Atoji, quanto mais transparência houver, e mais acessível forem as informações públicas, maior o potencial de elas serem consumidas e compreendidas pelo público geral. “Há, portanto, menos espaço para que uma distorção ou falsidade sobre o poder público se perpetue”, completa.
Taís Seibt concorda: “a falta de transparência por parte dos órgãos contribui para a desinformação na medida em que deixa lacunas sobre informações de interesse público, e essas lacunas frequentemente são preenchidas no debate com especulações, teorias conspiratórias e mentiras”.
A transparência pública pode apresentar um efeito preventivo à desinformação, por aumentar a confiança dos cidadãos nas instituições políticas e nos atores governamentais, opina Maria Dominguez, coordenadora do Programa de Integridade e Governança Pública da Transparência Internacional – Brasil.
“Não por acaso, nos últimos anos, vimos que a redução da transparência e a tentativa de descredibilizar instituições públicas que produzem e divulgam informações foram combustíveis e estiveram aliadas à disseminação de desinformação”, pondera Maria, dando como exemplo o caso do Inpe, que teve seu trabalho questionado pelo próprio ex-presidente Bolsonaro e seu diretor-geral exonerado após divulgar dados que apontavam para recordes de desmatamento na Amazônia.
A coordenadora da Transparência Internacional menciona também as pesquisas de opinião “descredibilizadas durante as eleições”, suspensão do Censo IBGE entre 2020 e 2022 como fatores “atrelados a estratégias de desinformação”.
Transparência pública com dados de qualidade
A disponibilização de dados pela esfera pública deve ser acompanhada pela busca de sua inteligibilidade, ou seja, que seja facilitado o acesso e a compreensão das informações disponíveis, além de serem passíveis de análises automatizadas. “Uma medida de combate à desinformação que compete ao poder público é justamente ser mais transparente sobre seus atos, mas ser também mais coerente com as informações que disponibiliza ao público”, pontua Seibt.
A diretora de operações da Fiquem Sabendo coloca que “se formos pelos princípios de dados abertos, isso significa compartilhar com os cidadãos dados íntegros, completos, primários, acessíveis e processáveis por máquina. Se forem dados previamente tratados pelo órgão público para serem disponibilizados ao cidadão, que venham com notas técnicas, com transparência da metodologia de análise ou filtro das informações”.
As três especialistas ouvidas ressaltaram a necessidade dos órgãos públicos oferecerem dados “de qualidade”, ou seja, que permitam compreendê-los e também serem passíveis de checagem, já que também é direito da sociedade civil monitorá-los.
“As fontes oficiais são fontes de primeira categoria para quem trabalha com informação, seja em pesquisa ou em jornalismo, porque são os entes públicos que têm a responsabilidade de gerir políticas e recursos públicos”, lembra Taís Seibt, “e esses entes públicos também têm a responsabilidade legal de prestar contas aos cidadãos sobre seus atos”.
Ter acesso à informação é um direito do cidadão, e prestar informação correta é um dever do poder público. “Por isso é preciso cobrar essas responsabilidades, não só por mais transparência, mas principalmente por uma melhor transparência, por dados de qualidade”, conclui Seibt.