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acervo pessoal

nov 22, 2021 | pontos de vista

Transfobia e desinformação: a legitimação do ódio

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O contexto histórico atual é demarcado pela disputa política, tendo como centralidade o realinhamento do neoliberalismo no Brasil e na América Latina. Esse cenário se configura também pela negação e retirada dos direitos sociais da classe trabalhadora, principalmente dos grupos em maior vulnerabilidade social como a população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Intersexuais e demais expressões das sexualidades e identidades de gênero (LGBTI+), em especial, as travestis e transexuais que sofrem maior marginalidade e violência na sociedade.

Enfileirado a isso, se tem um avanço do conservadorismo, do fundamentalismo religioso e do fascismo que se expressa concretamente no aumento da violência de gênero e da transfobia, alinhado à ausência do Estado no desenvolvimento de políticas públicas de combate à discriminação e na garantia de acesso à educação, saúde e trabalho para esta população, direitos esses que lhes foram negados historicamente.

O Brasil é considerado um dos países mais violentos para a população LGBTI+ no mundo, segundo o Grupo Gay da Bahia (GGB), organização que  vem coletando e produzindo dados sobre a violência mobilizada por discriminação por orientação sexual e identidade de gênero. Em 2019, 329 LGBTI+ tiveram morte violenta no Brasil, vítimas da LGBTfobia: 297 homicídios (90,3%) e 32 suicídios (9,7%). O Relatório do Observatório de Mortes Violentas de LGBTI+ no Brasil apresenta que em 2020, 237 LGBTI+ tiveram morte violenta no país, vítimas da LGBTfobia, sendo 224 homicídios (94,5%) e 13 suicídios (5,5%). A cada 25 horas um LGBTI+ é violentamente assassinado vítima da LGBTfobia no país, colocando o Brasil como líder mundial de crimes contra essa população, ultrapassando os 13 países do Oriente e África, nos quais existe pena de morte contra os LGBTI+.

Violência atinge mais mulheres trans

Partindo desse cenário, existe uma expressão maior da violência contra mulheres transexuais e travestis. O relatório ainda apresenta que o risco para a população transexual ser assassinada é catorze vezes maior que os homossexuais e, se comparado com os Estados Unidos, nos diz que brasileiras têm nove vezes mais chances de sofrer violência transfóbica. Segundo a Rede Trans Brasil, a cada 26 horas, aproximadamente, uma pessoa transexual é assassinada no país. A expectativa de vida dessas pessoas é de 35 anos, de acordo com a Associação Nacional de Pessoas Trans (ANTRA).

Segundo organizações internacionais, como a Transgender Europe  (TGEU), mais da metade dos homicídios de transexuais no mundo ocorrem no Brasil. De acordo com o relatório da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e Intersexuais (ILGA), o Brasil ocupa o primeiro lugar nas Américas em quantidade de homicídios de pessoas LGBTI+, estando também na liderança em assassinatos de pessoas transexuais e travestis no mundo, segundo a Transgender Europe (TGEU).

A população de travestis e transexuais constitui um segmento da sociedade que se encontra em situação de vulnerabilidade socioeconômica, alcançando os maiores índices de violências e assassinatos, como apresentado anteriormente, o que é resultante do preconceito e da discriminação, os quais podem ser ampliados pela desinformação na mídia.      A maioria dessa população é vítima da exclusão desde o convívio familiar, em que sua identidade não é aceita, aos ambientes escolares e profissionais. Sem o apoio da família e das instituições de ensino e diante da discriminação sofrida no mercado de trabalho, a população travesti e transexual acaba não tendo oportunidades que viabilizem uma vida digna na sociedade. Sem formação escolar completa e sem oportunidades de trabalho formal, essas pessoas ficam sujeitas à vivência em situação de rua e à prostituição, deixando-as expostas à violência produzida pelo preconceito da sociedade e a ausência de garantias de direitos sociais. De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), 90% das travestis e transexuais estão se prostituindo no Brasil.

Desinformação mantém preconceito e discriminação

Após configuramos o lugar de desigualdade social que esta população se encontra é necessário demarcarmos que a transfobia se expressa nas diversas dimensões da sociedade, seja nos espaços privados ou públicos. Uma dessas dimensões é a mídia, em especial aliada à desinformação, a manipulação através das fake news e do discurso de ódio. Se pararmos para pensar nas notícias falsas que circularam no último período como o “kit gay nas escolas”, “o possível seminário LGBTI+ infantil”, “a criação de uma lei que obriga casamentos homoafetivos em igrejas”, “a distribuição de mamadeiras eróticas”, “a distorção na participação de pessoas transexuais nos esportes” entre outras, sem esquecer as campanhas falsas sobre a Ideologia de gênero, podemos constatar que a desinformação é um dos pilares para a manutenção do preconceito e da discriminação na sociedade.

Vejamos, se de um lado temos uma estrutura social que é excludente, do outro temos a produção da desinformação que legitima essas atitudes, ou seja, o discurso midiático produzido pelas notícias falsas se relacionam diretamente com a prática social e com as relações de poder. Dessa forma, o preconceito é alimentado e expressado no cotidiano utilizando o discurso de ódio como base e como argumento para as ações sociais.  Esse processo contribui para a construção de uma representação social das pessoas transexuais e travestis, ampliando sua desigualdade e relacionando suas vidas a descriminações. Para mudarmos a realidade apresentada aqui pelos dados de violências é necessário mudarmos também a produção das informações sobre esta população.

Nesse sentido, as notícias falsas que legitimam o ódio e a intolerância desumanizam esses sujeitos e nos faz questionar: de quem é a responsabilidade? É inaceitável que uma população historicamente discriminada precise passar por mais uma violência como as fake news, que não estão somente no campo simbólico ou discursivo, mas que se concretizam na vida social dessa população. É central enfrentarmos a desinformação, denunciar e responsabilizar os autores, assim como afirmarmos que desinformar é violentar os direitos humanos e legitimar a transfobia e ódio na sociedade. Vidas trans importam!

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Janaína Lima

Jornalista e mestranda em Estudos da Mídia pela UFRN. Coordenadora da Diversidade Sexual e de Gênero da Secretaria de Estado das Mulheres, Juventude, Igualdade Racial e Direitos Humanos do Governo do Rio Grande do Norte. Também é presidenta do Conselho Estadual de Políticas Públicas LGBT do RN e Presidenta do Comitê Estadual Intersetorial de Enfrentamento à LGBTfobia do RN. Janaína é mulher trans, nordestina e militante dos direitos humanos.

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