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Viena Filmes

ago 19, 2024 | Pontos de Vista

É preciso territorializar o debate sobre desinformação

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De que desinformação estamos falando? E quais os canais de informação que estamos debatendo? Algumas dessas perguntas me rondam nas últimas semanas, principalmente, quando penso na dobradinha desinformação e eleições, na importância de localizar nossas ações e territorializar esse debate.

Não é de hoje que batemos aqui na tecla da importância de se considerar os contextos locais nesse debate, mas me parece que ainda analisamos isso de uma questão macro, ou seja, a importância de considerar o Sul Global em um tema que é conduzido pelo Norte Global, especialmente por países europeus quando o tema é regulação, por exemplo.

Reforço o que Nina Santos já argumentou: a necessidade de construir uma agenda da informação a partir do sul – não uma agenda do sul, mas uma agenda a partir do sul, onde vive a maioria da população mundial. Mas também acrescento aqui, para além das divisões Norte e Sul, as especificidades entre os países do Sul Global e as peculiaridades regionais de cada país.

Essas inquietações já apareceram no ponto de vista da nossa editora Ana d’Angelo, “Mais dendê e menos silício por favor” e surgiram com mais força depois de três ciclos de oficinas que realizamos entre julho e agosto com três organizações parceiras: a Énois, a Cajueira e a Amazônia Vox. Com formatos diversos, falamos basicamente sobre os desafios da inteligência artificial e da IA durante as eleições municipais. 

A maior parte do público era formado por jornalistas e comunicadores das diversas regiões do país. A oficina com a Énois foi ministrada dentro do programa “Diversidade nas Redações”, que reuniu dez iniciativas de jornalismo local que vão cobrir as Eleições 2024. Dialogamos com organizações de vários estados e ouvimos perguntas que não tínhamos as respostas: como combater a desinformação que é veiculada no carro de som na cidade? E como agir de forma efetiva nas rádios locais?

Já com a Cajueira, falamos com comunicadores do Nordeste sobre questões semelhantes e refletimos muito com as fundadoras da organização sobre a cobertura localizada. “É preciso territorializar esse debate, compreendendo as dinâmicas regionais e os desafios dos comunicadores locais”, disse Mariama Correia, editora da Agência Pública e cofundadora da Cajueira.

E na semana passada encerramos – por agora – essa primeira maratona de formações com três dias de oficinas com jornalistas dos nove estados da Amazônia Brasileira, uma parceria que fizemos com a Amazônia Vox. Nesses encontros, o debate sobre desinformação ambiental foi mais intenso, mas também destacamos o olhar local e partilhamos das inquietações regionalizadas. 

Nas nossas conversas internas de avaliação pós-oficinas, analisamos como é difícil conseguir capturar o contexto local de cada região e de cada estado. A “dor” de um lugar não é a mesma, os temas centrais não são os mesmos e a desinformação que vai circular também não é a mesma. Há, claro, narrativas recicladas e modus operandi compartilhado, mas, de fato, só quem está no dia a dia sabe onde o calo aperta. 

E ouvir as experiências individuais de comunicadores locais imersos nessa cobertura me fez lembrar da minha indignação cultivada desde os meus primeiros meses de São Paulo: como o debate sobre esse tema está centralizado no Sudeste. E é algo tão natural que não se percebe tanto. 

A Mariana Correia, que já citei anteriormente, trouxe uma boa discussão no X (RIP Twitter) sobre a cobertura das eleições deste ano. O podcast O Assunto – que em tese é um podcast nacional – publicou nas últimas duas semanas entrevistas com os candidatos à prefeitura de São Paulo. Ela pontuou isso:

E os comentários, infelizmente, só reforçaram o ponto dela. “O critério? A cidade ser 15% do PIB nacional talvez seja um”, disse um usuário. “Óbvio que a eleição de São Paulo é a eleição municipal mais importante do país”, comentou outro. “3 maior PIB do Brasil. Acha que realmente alguém se interessa pelos candidatos  de MACAPÁ?”, colocou outro.

Para deixar claro: não tenho absolutamente nada contra São Paulo – exceto o clima seco e as temperaturas baixas, mas enquanto essa for a mentalidade, não só do senso comum de uma forma agressiva, como de quem promove o debate sobre desinformação no Brasil de um modo subconsciente, as pautas vão avançar de forma enviesada. 

Pensar o combate à desinformação passa, claro, por ações coletivas, mas precisa considerar os contextos locais e os desafios de cada território. As eleições de outubro vão nos mostrar essas particularidades, estejamos atentos para acolhê-las. 

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Liz Nóbrega

Repórter do *desinformante e doutoranda em Comunicação na USP.

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