A mais recente temporada de Black Mirror definitivamente não é a melhor. Mas esse não é um texto com uma análise crítica sobre como a série que sempre fez boas reflexões sobre o uso da tecnologia se afastou da sua essência na 6ª temporada e apostou até em lobisomens para (tentar) agradar o público.
O primeiro episódio, apesar do título, não é (tão) péssimo. Na verdade, assim que comecei a assistir ‘Joan is awful’ lembrei de alguns dos pontos que já tratamos aqui no *desinformante sobre os termos de uso das plataformas digitais. Isso porque – em linhas gerais e sem muito spoiler -, no episódio em questão, a protagonista se surpreende com uma série feita em um streaming sobre a sua vida em tempo real.
Ao experienciar as consequências negativas da exposição, Joan procura uma advogada para processar a empresa de streaming pelo uso dos seus dados e descobre que, na verdade, ela havia cedido tudo ao aceitar os termos de uso do aplicativo e não haveria meio jurídico para reverter a situação.
No ano passado, fizemos, dentro da série *desinformante explica, um vídeo sobre moderação de conteúdo. Nele, apontamos um relatório da Comissão Europeia de 2016 que mostra que quase todo mundo aceita os termos e condições, mas apenas 9,4% dos usuários abrem o material para ler.
Já um levantamento nos Estados Unidos (Global Mobile Consumer Survey: US edition) indicava que 97% dos usuários entre 18 e 34 anos aceitam os termos sem ler. Um dos obstáculos é a extensão deles. Um outro levantamento de uma instituição financeira do Reino Unido mostrou que demoraria 17 horas para ler os termos dos 13 aplicativos mais baixados no país.
Além disso, a linguagem não é clara. Em artigo sobre o tema, o pesquisador Ramon Mariano Carneiro abordou como o material é escrito em “linguagem jurídica densa” e são utilizados “termos vagos”. “Um estudo realizado por Prichard e Hayden (2008), analisou o quão inteligíveis eram 100 Termos de Uso do tipo ‘click-wrap’ e concluiu que entre 61 e 97% dos contratos eram difíceis ou muito difíceis de serem entendidos e que apenas entre 1% e 11% dos contratos poderiam ser facilmente entendidos pelo usuário médio”, exemplifica o autor.
A pesquisa de Carneiro também estuda possíveis violações a direitos fundamentais nos termos de uso das plataformas digitais. O autor chega à conclusão que os termos não oferecem garantias suficientes para os usuários e buscam “minimizar a responsabilidade dos Intermediários de Internet, ao invés de reforçar sua responsabilidade em resguardar a privacidade, o acesso à justiça e a liberdade de expressão dos usuários”.
Os termos das plataformas também, de acordo com Carneiro, não possuem informações suficientes, o que pode contrariar os “critérios mínimos de efetivação de direitos fundamentais, especialmente à privacidade, liberdade de expressão, devido processo, informação e indenização”.
O Projeto de Lei 2630/2020, que busca regular as plataformas digitais no Brasil, aborda a necessidade de transparência dos termos de uso e sua apresentação de forma clara, objetiva e acessível para os usuários. Também destaca que esses termos devem ser orientados pelos princípios da necessidade, proporcionalidade e não discriminação.
Um meio legal para obrigar que as plataformas adotem formas mais simples de apresentar suas regras me parece interessante, já que são essas regras que regem o debate digital. Porque o fato é que, para acessarmos qualquer plataforma, precisamos aceitar os termos dela. É o contrato que estabelecemos com a empresa sobre o que podemos ou não fazer naquele espaço e o que ela pode ou não fazer com nossas informações.
É um instrumento necessário para essa relação, mas me pergunto se realmente aceitaríamos se tivéssemos lido tudo. Porque eu assumo: não li todos os termos de uso de todas as redes que tenho conta. Você leu?