Nas últimas semanas, o Brasil foi palco de eventos importantes que repercutiram no cenário internacional. Entre eles, destacam-se: o julgamento de Bolsonaro pela tentativa de golpe nas eleições de 2022; a decisão do STF que torna parcialmente inconstitucional o Artigo 19 do Marco Civil da Internet, afetando diretamente as Big Tech; e a Cúpula dos BRICS no Rio de Janeiro, na qual o Brasil assumiu uma posição de destaque e liderança. Desde então, os Estados Unidos intensificaram sua ofensiva diplomática para proteger seus interesses e de seus aliados.
No dia 10 de Julho, Donald Trump anunciou que a partir desta sexta-feira, 1º de agosto, produtos brasileiros exportados aos Estados Unidos sofrerão a imposição de tarifas de 50%, uma das mais agressivas anunciadas recentemente pelo seu governo.
Em seu comunicado, Trump não apenas declarou apoio explícito a Bolsonaro, vítima, segundo ele, de uma “caça às bruxas,” como também ataou o judiciário brasileiro (com uma referência direta às Big Tech) e criticou os supostos déficits comerciais entre os dois países.
No meio desse balaio, Trump tenta não só negociar um novo acordo comercial, como também reafirma seu bromance com dois atores: Bolsonaro e os broligarcas do setor de tecnologia. Na atual política externa dos Estados Unidos, o poder não se limita à hegemonia do país na esfera comercial, tecnológica, política, cultural e econômica, mas ele também é marcado pela busca pessoal de Donald Trump pelo poder como líder do movimento global da ultradireita.
Certamente não faltaram opiniões de especialistas para explicar o movimento de Donald Trump. Alguns justificam as suas ações com o apoio direto a Bolsonaro; outros olham para a força dos BRICS; já há quem veja a influência das Big Tech; e há quem aponte para a crescente soberania digital brasileira. Mas embates geopolíticos raramente têm uma única causa. Interesses diversos se sobrepõem, competem e se completam. No tarifaço de Trump, qualquer coisa vira moeda de “extorsão,” como diz Steve Bannon.
Ao atirar para todos os lados, a falha de Trump foi tentar impor tarifas com justificativas que têm pouco — ou nada — a ver com comércio. Isso demonstra não apenas o seu desespero mediante uma possível perda de protagonismo, mas também um abuso de poder do Estado para fins pessoais e ideológicos. Isso tudo pode trazer um enfraquecimento doméstico e geopolítico. Assim, com uma política intervencionista, Trump na verdade pode levar a cabo o retorno dos Estados Unidos ao isolacionismo.
No meio desse imbróglio todo, Trump faz do Brasil um grande experimento para demonstrar ao mundo o que acontece quando um país age de maneira soberana e conflitante com os seus interesses. Trump brigará até o último momento, já que se o Brasil sair ileso dessa, ele pode servir de exemplo para outras nações. O Brasil não é exceção nessa guerra tarifária. Ou seja, a briga de Trump com o Brasil, é uma briga com qualquer nação que ouse trilhar caminho próprio.
O Desenrolar dos Eventos
Trump utilizou uma linguagem muito próxima a de Mark Zuckerberg, que há sete meses anunciou o seu alinhamento com o governo de Donald Trump para “se opor às pressões globais de censura, incluindo na “América Latina” (leia-se “Brasil”), onde “tribunais secretos” demandam as plataformas a retirarem “coisas do ar silenciosamente.”
O presidente norte-americano justifica suas tarifas também com base em outra caça às bruxas: como as Big Tech têm sofrido “ataques insidiosos do Brasil (…) como recentemente ilustrado pelo Supremo Tribunal Federal, que emitiu centenas de ordens de censura secretas e ilegais às plataformas de mídia social norte‑americanas, ameaçando‑as com multas de milhões de dólares e expulsão do mercado de mídias sociais brasileiro.”
Trump também tenta justificar as tarifas como forma de “corrigir os muitos anos” de “déficits comerciais insustentáveis contra os Estados Unidos” que representam “uma grande ameaça” à economia e à segurança nacional dos país. Porém, o problema é que os Estados Unidos não enfrentam um déficit comercial há quase duas décadas. Ou seja, o Brasil compra mais do que vende aos Estados Unidos.
Isso quer dizer que nos Estados Unidos, a base legal para a aplicação dessas tarifas é fraca. Sem uma justificativa econômica sólida, o jeitinho de Trump para reforçar seu argumento foi pedir ao Departamento de Comércio dos Estados Unidos uma investigação conforme a Seção 301 da legislação estadunidense alegando práticas comerciais desleais do Brasil.
No que diz respeito à esfera digital, entre os alvos estão a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que restringe a transferência de dados pessoais para fora do Brasil, e as políticas para o comércio digital e serviços de pagamento eletrônico — a guerra contra o PIX.
Brasil como exceção, ou receio de precedentes?
O PIX é certamente uma inovação, mas não é exclusividade brasileira. Pagamentos instantâneos nos mesmos moldes existem em diversos países: AliPay na China (já disponível em outros países), PayNow e PayLah em Singapura, UPI na Índia, Tikkie na Holanda, etc. A briga contra o PIX é, na prática, uma briga contra qualquer modelo de sucesso que desafie a vantagem tecnológica e competitiva dos Estados Unidos.
Da mesma forma, a guerra contra a regulação das plataformas também não é privilégio do Brasil. Trump — e as Big Tec h— também têm atacado a regulação das plataformas em outros locais. No primeiro semestre, o governo dos Estados Unidos acusou países da Europa, Reino Unido, Canadá e Austrália de “extorsão” e “multas e penalidades injustas” contra as Big Tech. Especialmente na Europa, a retórica sobre a liberdade de expressão é aplicada de maneira parecida com o que vemos por aqui: a regulação e a moderação de conteúdo podem “prejudicar a liberdade de expressão e o engajamento político.” Tão como no Brasil, para os Estados Unidos, a União Europeia também tem que ser investigada conforme a Seção 301.
Enquanto o Brasil, junto aos BRICS, defende a governança de IA de maneira a “mitigar riscos potenciais e atender às necessidades de todos os países, especialmente os do Sul Global.” Os Estados Unidos anunciaram o plano de desenvolvimento de IA a qualquer custo. Já na Europa, a Meta decidiu não participar do Código de Práticas de Uso Geral de IA, alegando que eles estão “seguindo o caminho errado em relação à IA.” Ou seja: qualquer obstáculo ao avanço de poder dos Estados Unidos e das suas empresas de tecnologia é visto como problemático. Assim, qualquer ação futura que impacte a IA no Brasil, veremos movimentos parecidos ao que já foi usado na Europa.
A grande exceção do Brasil, porém, é o claro apoio ideológico de Trump, que através da sua aliança da ultradireita por meio de Bolsonaro, interfere diretamente na soberania nacional. Certamente essa interferência leva uma nova roupagem, mas nessa estratégia não há nada de novo, basta lembrar da Guerra Fria quando o foco era “proteger os “nossos.””
Novos Caminhos?
Nessa disputa, ninguém sai ganhando. O país segue diversificando suas alianças e frentes de cooperação. Por enquanto, o governo brasileiro tem apoio da população, 50% dos brasileiros aprovam o comportamento do governo com relação ao tarifaço, 44% apoiam “Lula e o PT” nesse embate, 72% dizem que Trump está errado sobre tarifaço, e 57% reprovam as críticas de Trump ao processo contra Bolsonaro. Porém, o Brasil certamente será afetado economicamente.
Já nos Estados Unidos, um grupo de senadores democratas demonstrou “sérias preocupações quanto ao claro abuso de poder inerente à sua recente ameaça de iniciar uma guerra comercial com o Brasil,” concluindo que “interferir no sistema jurídico de outra nação soberana estabelece um precedente perigoso, provoca uma guerra comercial desnecessária e coloca cidadãos e empresas norte-americanas em risco de retaliação.” Assim, Trump, ao atacar o Brasil, também têm custos políticos dentro de casa.
O Brasil, ao defender sua soberania, apresenta-se como referência para para outras nações que também buscam autonomia frente às pressões de Trump. Embora Trump tenha muito interesse no Brasil — especialmente com a sua parceria com a ultradireita de Bolsonaro —, a briga do republicano não termina nas nossas fronteiras. A sua cartilha de defesa da inovação, de apoio às Bigtech, da suposta liberdade de expressão e apoio à extrema direita será reutilizada. Essa, portanto, é também uma oportunidade para o Brasil sair como líder e um exemplo global diante dessa ofensiva.