A Suprema Corte dos Estados Unidos iniciou nesta semana a análise de dois casos envolvendo a responsabilização de plataformas digitais por recomendações de conteúdos terroristas online. Pela primeira vez, os juízes consideram a possibilidade de alterar a lei que isenta as redes sociais pelas publicações que circulam em seus ambientes e que é atualmente o principal escudo legal para tais empresas. A decisão final está prevista para junho.
Na terça-feira (21), a Corte ouviu os argumentos do caso Gonzalez vs. Google, movido por Reynaldo González, cuja filha foi morta em 2015, em um ataque em Paris, promovido pelo Estado Islâmico. Já na quarta (22), foi a vez do processo contra o Twitter, movido pelos parentes do jovem Nawras Al Assaf, vítima de um atentado em 2017 na Turquia.
No primeiro processo, González alega que o Youtube influenciou o episódio violento, pois recomendou e promoveu publicamente vídeos de recrutamento do grupo terrorista para usuários da plataforma.
Após o caso ter sido rejeitado pelas instâncias menores da justiça nos últimos anos, a família pede ao Supremo norte-americano a revisão da seção 230 da Communications Decency Act (Lei de Decência nas Comunicações, em tradução livre) que, desde 1996, isenta de responsabilização os serviços digitais pelos conteúdos postados pelos usuários.
De acordo com os advogados da acusação, o Youtube não pode ser protegido pela seção pois é responsável pela recomendação de conteúdos de forma algorítmica, colocando em discussão o documento legislativo que moldou a construção da Internet como conhecemos hoje.
Uma das juízas da corte, Elena Kagan, evidenciou que o estatuto foi formulado num contexto diferente do atual, sem a presença dos algoritmos. “Todo mundo está tentando o seu melhor para descobrir como esse estatuto pré-algoritmo se aplica no mundo pós-algoritmo”, trouxe Kagan em sua fala.
Mesmo assim, alguns integrantes do Tribunal levantaram a preocupação de aumentar o número de processos judiciais parecidos, sufocando o judiciário, caso a decisão seja a favor dos González. O ponto também foi levantado pelos representantes do Google, cuja argumentação buscou afirmar que responsabilizar plataformas ameaça a Internet atual.
A jornalista norte-americana Julia Angwin compartilhou sua vivência como repórter cobrindo a área de tecnologia e mostrou como a seção 230 é comumente utilizada pelas big tech para se distanciar de alegações criminais.
“As empresas de tecnologia usam a seção 230 para se proteger contra uma ampla gama de alegações, incluindo facilitar a venda de drogas mortais, assédio sexual, venda ilegal de armas e tráfico de pessoas – comportamento pelo qual provavelmente seriam responsabilizados em um contexto off-line”, escreveu a profissional em artigo no The New York Times.
A dinâmica econômica das plataformas digitais também foi um dos temas discutidos no evento da Unesco “Internet Confiável: rumo à regulamentação das plataformas digitais para que a informação seja um bem público” que se encerrou nesta quinta-feira (23).
Em uma das falas de abertura, a ganhadora do Nobel, Maria Ressa, cobrou a responsabilização dessas empresas e pontuou como elas lucram em cima de desinformação e discurso de ódio, cujo potencial de viralização é bem maior que o compartilhamento de fatos e discursos confiáveis.