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acervo pessoal

mar 27, 2023 | pontos de vista

Por que o STF deve decidir pela constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil

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O artigo 19 do Marco Civil da Internet (MCI) tem sido objeto de intensos debates nos últimos tempos, principalmente por conta da proximidade do julgamento de sua constitucionalidade, no STF. Esse artigo estabelece que as plataformas digitais não são responsáveis pelo conteúdo gerado pelos usuários, exceto quando descumprem ordem judicial específica. Isso significa que, em caso de conteúdo ilegal, como casos de difamação, injúria ou calúnia, a vítima deve buscar a Justiça para que seja retirado da plataforma. É portanto, um dispositivo que dá garantia jurídica às plataformas digitais ao mesmo tempo que garante o direito constitucional à liberdade de expressão, proibindo a censura a conteúdos, por parte delas.

Junto a esse debate, existe o da necessidade de regular as plataformas digitais, que ganhou corpo após os atentados às instituições democráticas, ocorrido em 8 de janeiro deste ano, vez que a internet e as plataformas digitais foram usadas como ferramenta de organização de movimentos golpistas, incitação à violência e disseminação de desinformação.

Por outro lado, é fundamental lembrar que já existe legislação que regulamenta a utilização da internet no país. O Marco Civil da Internet (MCI) estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da rede, visando proteger a privacidade, a liberdade de expressão, a neutralidade da rede e a segurança dos usuários. O MCI foi criado de forma democrática e participativa, com ampla consulta pública, e o artigo 19 reflete um compromisso com os esses princípios, e, portanto, qualquer alteração em seu texto deve ser feita com o mesmo nível de debate e participação popular que o originou, assim, é temerário que esse artigo seja declarado inconstitucional pelo STF. Se isso acontecer, pode levar o legislativo a criar regras que vão de encontro às proteções garantidas pelo dispositivo. Assim, o ideal, é que esse debate seja realizado no âmbito do legislativo, e não venha através de uma decisão judicial

De fato, a legislação atual não dá conta de todos os problemas ocorridos com o uso da internet e das redes sociais no Brasil, mas a solução não pode vir da construção de normas que ignorem por completo toda a discussão realizada quando da criação do MCI, mas sim do seu aperfeiçoamento ou complementação. Esse é um tema complexo e que deve ser tratado com cuidado, considerando os diferentes interesses envolvidos e os impactos que podem ser gerados. Soluções apressadas e inadequadas podem gerar efeitos colaterais problemáticos, comprometendo a liberdade de expressão, a privacidade e a circulação de informações online. É importante garantir que a regulação não seja uma forma de cercear e limitar a diversidade de opiniões e perspectivas presentes nas redes sociais.

A inconstitucionalidade ou mesmo a flexibilização do artigo 19 poderia levar as plataformas a adotarem uma postura mais restritiva em relação à publicação de conteúdo, a fim de evitar processos judiciais e sanções. Isso poderia prejudicar a liberdade de expressão e a circulação de informações online, além de colocar as plataformas em uma posição de poder que não é adequada para a democracia.

Em vez disso, é necessário buscar dispositivos que considerem as particularidades do ambiente online e garantam a livre manifestação de seus usuários, assim como a integridade democrática. Uma abordagem adequada envolve a criação de mecanismos de moderação de conteúdo que sejam transparentes e inclusivos, bem como o estabelecimento de padrões claros para a remoção de conteúdo ilegal. Além disso, é importante que haja um envolvimento mais amplo da sociedade civil na discussão sobre a regulação das plataformas, para que as soluções adotadas sejam adequadas e legítimas.

É importante destacar que a regulação das plataformas digitais deve ser parte de um esforço mais amplo de proteção da democracia e dos direitos humanos. Ela não pode ser vista como uma solução única para os problemas enfrentados pela internet, mas sim como uma das ferramentas disponíveis para garantir um ambiente online seguro, livre e democrático, e não deve desperdiçar o acúmulo do debate realizado quando da aprovação do Marco Civil da Internet, que foi um exemplo de democracia participativa e empoderamento dos usuários da Internet estabelecendo princípios como a neutralidade da rede, a proteção da privacidade e a liberdade de expressão online, que são essenciais para garantir uma Internet livre e aberta no Brasil.

Por fim, a declaração de constitucionalidade do artigo em questão não impede que se avance em modelos regulatórios. Na verdade, a própria lei prevê que outros dispositivos legais possam ser criados para regulamentar a sua aplicação, desde que respeitem seus princípios e objetivos. No entanto, é importante ressaltar que qualquer proposta de regulamentação da internet deve ser debatida amplamente com a sociedade, incluindo todos os setores interessados, de forma a garantir que os princípios fundamentais da liberdade de expressão, privacidade e neutralidade da rede sejam preservados. Portanto, o que se espera do STF é que decida pela constitucionalidade do artigo 19 do MCI.

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Tereza Mansi

Tereza Mansi é advogada e liderança do eixo Liberdade de Expressão do Centro Popular de Direitos Humanos, onde atualmente é também diretora-executiva.

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