O Sleeping Giants Brasil lançou, nesta quarta-feira (30), a campanha ‘Regula Big Techs’. O documento oficial da iniciativa traz uma recomendação técnica com considerações sobre a regulação proposta pelo Projeto de Lei 2630/2020, popularmente chamado de ‘PL das fake news’, e pontua recomendações para uma proposta de regulação “eficiente e dedicada a observar e mitigar os riscos sistêmicos inerentes aos modelos de negócio dos provedores”.
O grupo reforça a necessidade de regulação ressaltando o papel do modelo de negócios das plataformas digitais no contexto de desinformação. Para tecer a sua recomendação técnica, o grupo jurídico do SGBR compara o PL 2630/2020, o projeto mais avançado e debatido no legislativo, com o Digital Services Act, a Lei de Serviços Digitais da União Europeia, aprovado no ano passado.
O relatório técnico centra as suas propostas nas ideias de “risco sistêmico” e “dever de cuidado”, dois conceitos que estão presentes no DSA e, de acordo com o grupo, são “definições necessárias à criação de obrigações assimétricas que incidam com maior peso sobre plataformas de grandes dimensões”.
Risco sistêmico pode ser entendido como aquele risco que é inerente ao modelo de negócios e à amplitude dos serviços oferecidos pelas big techs. O DSA pontua que a atuação das plataformas pode promover a difusão de conteúdos ilegais, além de trazer riscos ao exercício de direitos fundamentais; aos processos democráticos e à segurança pública; e à saúde pública, aos menores e à violência de gênero. Já o dever de cuidado seria a ideia que estabelece que pessoas, tanto físicas quanto jurídicas, adotem as medidas necessárias para prevenir a ocorrência de danos pela sua atividade.
As recomendações do SGBR partem da ideia que é necessário ter uma estabelecer uma exceção à imunidade das plataformas. Tal temática foi debatida amplamente nesta semana com a audiência pública sobre o Marco Civil da Internet, que questionou a constitucionalidade do artigo 19 do MCI. A redação do artigo possibilita a interpretação de que as plataformas só podem ser responsabilizadas caso haja descumprimento de ordem judicial de retirada de determinado conteúdo, respeitada a liberdade de expressão de terceiros garantida pela Constituição.
“Consideramos que tal regime de responsabilidade não impede a criação de deveres de cuidado específicos para os provedores, especialmente aqueles que oferecem riscos sistêmicos à sociedade”, pontuou o SGBR em defesa do artigo 19. Para o grupo, a exceção deve estar apenas quando se trata de conteúdos impulsionados ou publicitários por considerarem que neste caso as big techs possuem um papel ativo na amplificação do conteúdo.
“Defendemos essa tese porque compreendemos que, quando permite que determinado conteúdo seja impulsionado/patrocinado através de seus serviços de publicidade, os provedores não ocupam uma posição neutra em relação ao conteúdo, mas, de outra forma, desempenham um papel ativo na otimização do conteúdo, por meio de manipulação algorítmica dos dados coletados”, destacou o grupo em relatório.
O Sleeping Giants também defende a criação de deveres de cuidado para as plataformas. O primeiro deles é a obrigação da publicação de relatórios de transparência sobre publicidade, incluindo o impulsionamento de conteúdos sobre temas sensíveis, como políticas públicas, grupos minorizados, direitos humanos, processos democráticos políticos e eleitorais, ciência, saúde pública e mudanças climáticas.
Além disso, destaca-se a necessidade de transparência sobre os sistemas de recomendação aos quais o usuário está submetido e a criação de uma opção para que o usuário possa escolher receber os conteúdos de outra forma que não via perfilamento e segmentação. Também há uma recomendação de que seja determinado aos provedores de redes sociais e ferramentas de busca que eles analisem os riscos sistêmicos que o funcionamento de seus serviços impõem à sociedade brasileira.
As recomendações também passam pela incorporação de um sistema de gestão de reclamações e notificações que permitam ao usuário acompanhar seus pedidos de revisão de atividades de moderação de conteúdo e pelo acesso aos dados das plataformas por parte dos pesquisadores. “Tais dados, além de permitir o avanço das pesquisas científicas no país, são necessários para que a academia tenha condições de realizar diagnósticos precisos sobre os riscos sistêmicos, como a disseminação de conteúdos ilegais nas redes e que produzam riscos à segurança, à saúde pública e à fruição de direitos fundamentais”, defende o Sleeping Giants.
O grupo reitera em sua recomendação a necessidade de que o debate sobre regulação de plataformas seja feito de forma ampla, plural e aprofundada, com a escuta de diversos setores da sociedade. “Acreditamos que uma regulação tocada de maneira açodada, o que tem se pretendido após os atos do 8 de janeiro, poderá impor prejuízos para a liberdade dos usuários da Internet, além de produzir impactos adversos indesejados, como a ampliação dos já extensos poderes de provedores de serviços digitais”, coloca o SGBR.