Existe um certo consenso global de que a educação midiática, educar para lidar com a informação, seja ela online ou offline, é uma das estratégias para enfrentar a desinformação e seus efeitos. Mas a educação ou alfabetização midiática sozinha não dá conta do problema. Reforma da mídia, políticas públicas de estímulo ao letramento midiático de modo que esteja em todas as esferas da sociedade, valorização da cultura, arte e participação cidadã, além de autorregulação mais adequada por parte das plataformas são medidas adicionais apontadas por pesquisadores e especialistas que participaram do Seminário Educação Midiática e Combate à Desinformação, promovido no âmbito da Semana da Europa no Brasil. O evento reuniu representantes de universidades, governos e organizações da sociedade civil europeus envolvidos com este tema tão desafiador quanto inspirador. “A ideia é perceber como estão tratando a educação midiática e informacional, trazer a dimensão da comunicação como direito fundamental”, explicou Cristiane Parente, da equipe de curadoria.
“A educação ajuda mas não repõe as consequências de estar mal informado. O problema da desinformação deve ser enfrentado de forma racional e também afetiva, incluindo apoio a valores, cultura, tradições”, defendeu Ziga Turk, da Universidade de Ljubljana, Eslovênia. Para ele, as enormes mudanças na produção e consumo de notícias, com impactos no controle de qualidade, amplificação e edição das mesmas, trouxe desafios na mesma proporção para as práticas pedagógicas.
O negacionismo e outros comportamentos extremistas, de acordo com Turk, embutem valores que precisam ser investigados e abordados para alguma mudança eficiente do cenário.
Gianna Cappello, da Universidade de Palermo, enfatizou a necessidade de práticas que estimulem o pensamento crítico para combater a desinformação. “Educação midiática não é só sobre usar a mídia ou tecnologia, mas sobre compreensão crítica, cultura participativa, liberdade de expressão e engajamento civil”. Cappello lembrou os primórdios da internet, quando havia uma expectativa utópica de maior participação e poder das pessoas, panorama muito distinto do que se vê hoje com a plataformização. “Com o desenvolvimento do capitalismo digital, a criatividade dos consumidores passou a ser o produto”.
Na prática, a pesquisadora disse apostar no quadro mais amplo para ensinar como se lidar com fake news. Como, por exemplo, mostrar o oligopólio formado pelas cinco maiores empresas de tecnologia da internet ou discutir o papel dos políticos na disseminação de teorias da conspiração, levando à conscientização de que fake news não são uma questão individual e pontual.
Entre as soluções possíveis, ela sugeriu uma combinação de reforma da mídia e restabelecimento da internet como um serviço de utilidade pública e bem comum (como água e o ar), o que demandará políticas públicas.
Minna Harmanen, conselheira da Agência Nacional para Educação da Finlândia, trouxe o conceito de multialfabetização, a educação midiática como prática transversal para todos os assuntos da escola, desde a educação básica. “Assim, estimulamos o pensamento crítico, a capacidade de interpretar e refletir sobre tudo o que está na internet”.
Na Alemanha, a Associação para Educação Midiática e Cultura da Comunicação (GMK) traz uma perspectiva semelhante, buscando competências práticas e engajadas na relação com a mídia. A GMK apoia projetos coletivos que envolvem cultura e tecnologia, como projeções de memórias e cultura digital, propostas multimídias de teatro e projeções.
O mediale pfade, em Berlim, uma outra organização alemã para prevenção da radicalização online, estimula reflexões sobre racismo, sexismo e todas as formas de extremismo que tomaram as redes. Fidel Bartholdy, que o representou, trouxe algumas ideias sobre a condução do debate acerca de fake news. Para ele, o julgamento afasta as pessoas, então é preciso perguntar, ouvir e discutir com tranquilidade o assunto. Entre as técnicas que utiliza estão as ferramentas de checagem de notícias e games onde os jogadores experimentam o processo de criar notícias falsas.
Glossário
O que é educação midiática ou alfabetização midiática informacional ou letramento midiático?
É o conjunto de habilidades para acessar, analisar, criar e participar de maneira crítica do ambiente informacional e midiático em todos os seus formatos — dos impressos aos digitais.
Fonte: Educamídia
Conheça algumas experiências europeias de educação midiática
Finlândia
- educação mídiática está no currículo da educação básica. Eles chamam de multialfabetização
- Não se trata só de interpretar e produzir textos mas desenvolver a capacidade dos alunos de interpretar e desenvolver o pensamento crítico para todos os assuntos/temas tratados na escola
- Diante da desinformação, eles estimulam diálogos sobre fenômenos científicos, por exemplo
- Algumas perguntas usadas na prática pedagógica: de onde veio esta informação, quais as fontes, é um fato ou uma opinião, quem lucra com esta notícia, o que está por trás?
Alemanha
- GMK é a Sociedade de Pedagogia das Mídias e Cultura Comunicacional, reúne mais de mil instituições com interesse em estudar a mídia
- Conceito que norteia as ações é competência de mídia, a habilidade para ler, compreender e discutir a comunicação e criar suas próprias produções midiáticas
- Propostas de criação coletivas, envolvendo temáticas da cultura e arte
- Mediale Pfade é uma organização para prevenção da radicalização online
- Realizam oficinas e treinamentos para educadores com foco na luta contra o extremismo que tomou as redes; utilizam técnicas de checagem e games
- mostram como fake news têm apelo emocional, fazem parte de estratégias políticas e podem influir na democracia e explicam como as empresas de tecnologia se beneficiam da desinformação
- Como conduzir discussões sobre fake news: pergunte, ouça e discuta, sem julgamentos
França
- EMILE é um programa de mídia, informação e liberdade de expressão, vinculado ao Ministério da Cultura francês
- Treinam tomadores de decisão para alfabetização midiática. Por exemplo: diretor do Louvre, bibliotecários, jornalistas, arquivistas etc
- Alfabetização midiática é visível em todos os setores da sociedade francesa
- Criar acesso e oportunidade de participação através da cultura
- Bibliotecas passaram a funcionar como pontos de acesso a cultura, informação, arte
- O governo exige habilidades de educação digital para os funcionários públicos
- Educação midiática começa aos 7 anos com jogos e ferramentas divertidas. Os alunos são encorajados a levarem questões para os pais de forma a treiná-los também
Bélgica
- Mediawijs, centro de mídia digital no Norte da Bélgica para treinar habilidades para mídias digitais
- A tecnologia digital é uma ferramenta e um objeto
- Dar condições para inclusão digital e habilidades para criação no ambiente online de forma que o usuário deixe de ser apenas consumidor de redes sociais
- Uso da arte e tecnologia, makerspaces, performances digitais, uso de arquivos, imagens, reflexão sobre o papel da arte
União Europeia
- Criou o EAVI, uma organização sem fins lucrativos voltada para alfabetização midiática e promoção da cidadania. A organização apoia iniciativas que preparam os cidadãos para ler, escrever e participar da vida pública através dos meios de comunicação
- Conceito fundamental é o pensamento crítico, voltar ao básico
- Habilidade de estar atento ao que se passa ao nosso redor
- Alfabetização midiática não é só um processo racional, precisa acessar o emocional
- O exercício de se tornar cidadão antecede a habilidade para uso de ferramentas da mídia digital