Nesta sexta-feira (16), começa oficialmente a campanha eleitoral para as eleições brasileiras de 2024. Serão mais de cinco mil municípios realizando votações neste ano, numa dinâmica muito mais descentralizada em relação ao pleito de 2022, e possivelmente mais perigosa para jornalistas e comunicadores que farão a cobertura local. Cuidados com as redes sociais e com a apuração presencial podem ser aplicados para um trabalho mais seguro, enquanto organizações buscam dar apoio jurídico a vítimas.
O Brasil está atualmente na 82ª posição do Ranking de Liberdade de Imprensa do Repórter Sem Fronteiras, sendo considerado uma “área sensível” para atuação de profissionais de imprensa. De acordo com a organização, apesar do novo governo presidencial ter trazido de volta uma normalização das relações entre organizações estatais e a imprensa, há ainda uma violência estrutural contra jornalistas no país, além da desinformação.
Ao longo desse ano, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), que monitora anualmente casos de violência contra jornalistas, já recebeu denúncias de intimidação, assédio judicial e ameaças verbais contra esses profissionais, como contou Angelina Nunes, coordenadora do Programa Tim Lopes. Angelina também faz parte do Núcleo de Segurança da Abraji criado pela associação no ano passado, que agrega, além do Programa Tim Lopes, a área jurídica, a comunicação social, o Programa de Proteção Legal e o monitoramento de ataques.
Para a jornalista, as eleições municipais serão um momento crítico de aumento de violência contra os profissionais da imprensa, principalmente nos interiores do país, marcados ainda pela polarização e por dinâmicas políticas específicas. “Há uma sensação dos agressores de que, como estão muito distantes da capital, é terra de ninguém. ‘Eu posso fazer o que quiser’ e não é assim que funciona”, comenta.
Angelina destaca uma perseguição maior com radialistas locais que trabalham em rádios comunitárias, em razão da linguagem mais contundente que se utiliza geralmente nesses canais, o que incomoda os políticos. “Todo cuidado é pouco, nesse período a gente precisa se cuidar”, alerta.
Em 2023, a Artigo 19 também publicou um relatório mostrando como os comunicadores e defensores dos direitos humanos da região amazônica estão suscetíveis a episódios de violência. Como explica o documento, “a polarização nacional sobre temas como a demarcação de terras, a cultura e a identidade indígenas tem impacto direto na região”.
Abaixo, separamos dicas de segurança para jornalistas se protegerem de possíveis ataques durante a campanha eleitoral deste ano, além de orientações caso o profissional sofra algum tipo de violência.
Dicas de proteção e segurança
De acordo com Angelina Nunes, a primeira dica básica de segurança para jornalistas que farão cobertura em locais sensíveis ou com temas críticos é fechar os perfis pessoais nas redes sociais, tornando-os privados e com acesso somente a familiares e pessoas de confiança. Isso pode evitar que agressores identifiquem o endereço residencial ou a localização exata do profissional. Fechar os perfis de familiares também é indicado.
“Preste atenção se o seu endereço não é identificado. Às vezes você faz uma foto super bonita no shopping pertíssimo da sua casa e você coloca na legenda ‘nada, como caminhar de casa até o shopping, é tão bom, tão perto’. Isso já é um indicativo de onde você mora”, explica.
Caso o repórter esteja trabalhando em um material de denúncia, é interessante guardar todas as provas em diferentes locais, como na nuvem ou até mesmo em formato físico ou com uma pessoa de confiança. O importante é nunca deixar o material em apenas um único lugar.
Outra dica é o mapeamento do local que o profissional irá fazer a matéria. Se precisar ir até uma cidade do interior para cobrir um comício, por exemplo, é indicado fazer um levantamento de informações, considerando possíveis apoios ou até mesmo desafetos.
“Levanta tudo que você puder sobre aquele local, como é que chega? Quem são os amigos e quem são os inimigos? Qual é a rede com quem você pode contar?”, sugere Angelina. “E uma outra coisa: uma rota de fuga. Se der alguma coisa errada, por onde é que eu posso sair? Será que só tem uma estrada de ida e volta você pode sair por outro lugares?”
Procurar participar de redes de jornalistas também é importante, principalmente caso haja ataques. Angelina destaca não só a ABRAJI, mas também as redes construídas por organizações como Instituto Vladimir Herzog, Artigo 19 e Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). “Faça redes, participe de redes, você não tá sozinho”, lembrou.
Nesta sexta, foi anunciada a Coalizão em Defesa do Jornalismo, uma articulação de 11 organizações da sociedade civil em defesa da liberdade de imprensa no Brasil, incluindo também a proteção e segurança de comunicadores e profissionais do jornalismo.
A Fenaj possui diversos documentos de orientação para os profissionais. Em 2022, publicou o “Guia de Proteção a Jornalistas em Período Eleitoral” e o dossiê “Ataques ao Jornalismo e ao seu direito à informação”.
Mais dicas podem ser acessadas no curso de Segurança para Jornalistas, promovido pela Abraji em 2022, disponibilizado na íntegra no canal do Youtube da associação.
A Rede de Proteção a Jornalistas e Comunicadores também mantém uma biblioteca virtual com cartilhas, manuais e outros documentos sobre proteção a comunicadores e profissionais da imprensa produzidos por diferentes organizações da sociedade civil.
Fui atacado, o que fazer?
Também existem dicas de práticas que podem ser aplicadas caso o profissional seja alvo de ataques. Angelina explica que a primeira coisa que precisa ser feito, após o episódio de violência, é fazer um registro – como uma ata notarial em cartório – e um boletim de ocorrência, além de guardar todos os prints e documentos que podem servir de prova do ataque.
Outra orientação é ter cautela na hora de compartilhar os ataques na Internet. Nem sempre divulgar é o melhor caminho, já que quem ataca pode apagar as postagens ou informações que servirão de provas. Uma vez feito o registro e dado entrada no BO, o profissional deve procurar um advogado – tanto a Abraji como outras organizações e redes de jornalistas possuem programas de assistência jurídica para esses casos, como descrevemos abaixo.
Angelina orienta, por fim, a não responder as provocações que surgirão. “Não responda às provocações porque às vezes você está dando munição para as outras pessoas te processarem também”, orientou.
Programas de assistência a jornalistas
Desde abril de 2021 a Abraji possui um Programa de Proteção Legal para Jornalistas, oferecendo assistência jurídica para profissionais que, em razão do seu trabalho, estejam sendo silenciados ou constrangidos por meio de processos judiciais. O programa busca dar prioridade a casos fora dos grandes centros urbanos e que não contam com apoio financeiro de veículos.
Para pedir assistência, é possível entrar em contato por meio do formulário ou do canal oficial de atendimento: [email protected]. Mais informações sobre os critérios de atendimento, é possível encontrar no site oficial da iniciativa.
O jornalista também pode denunciar ameaças ou ataques à Rede de Proteção, projeto coordenado pelo Instituto Vladimir Herzog, que busca prestar solidariedade às vítimas e denunciar ao poder público os casos contra jornalistas e comunicadores de todo o país.
“Dentro das nossas possibilidades, buscaremos dar visibilidade aos casos e, quando possível, viabilizar o acompanhamento de um defensor público ou de um advogado parceiro no desenrolar jurídico dos casos”, traz o site do projeto.
A Abraji em parceria com a Ordem de Advogados do Brasil (OAB) também elaborou uma cartilha descrevendo quais são as medidas legais para a proteção de jornalistas em relação a ameaças e assédio online. O material pode ser lido e baixado aqui.