O humor é uma das principais ferramentas de disseminação de discursos racistas em plataformas digitais, apontou o mais novo relatório publicado nesta semana pelo Observatório Racismo nas Redes, desenvolvido pelo Aláfia Lab. De acordo com a pesquisa, os ataques vêm disfarçados de “piadas” e “brincadeiras” numa tentativa de normalizar a violência simbólica que está por trás de tais postagens. O uso amplo de emojis, memes e GIFs também são utilizados para tornar os ataques menos explícitos.
O estudo, produzido em parceria com o Laboratório de Humanidades Digitais da Universidade Federal da Bahia (LABDH), buscou analisar as estratégias discursivas em plataformas como Instagram (considerada rede de superfície) e Telegram (rede subterrânea).
Como o racismo se molda a cada plataforma
No telegram, onde os ataques são mais escancarados, os canais são nomeados com as letras “kkk” para reforçar a ideia de que os discursos compartilhados ali são apenas de “entretenimento”. Três canais foram monitorados pela pesquisa: “pretokkk”, “muiekkk” e “nordestekkk” – juntos, esses canais somaram mais de 20 mil imagens de dezembro de 2019 a outubro de 2024.
No Instagram, o racismo aparece de forma mais disfarçada, evitando termos mais explícitos. É nessa plataforma que emojis, eufemismos e comentários opinativos mascaram o racismo para escapar da moderação da plataforma. Nas postagens do jogador Vini Jr., por exemplo, é comum encontrar insultos que utilizam o termo “Mono” e “macaco”, diferentes emojis (🐵🙈🙉🐒🦍🦧) e gifs de macacos.
“Essa diferença evidencia como as redes subterrâneas permitem um ambiente mais permissivo para ataques abertamente racistas, enquanto nas redes de superfície, o racismo persiste de maneira mais velada”, apontou o estudo.
O relatório também destacou que a desumanização e a desqualificação são as duas principais estratégias dos ataques racistas nessas plataformas. Tanto a desumanização e a desqualificação buscam retratar pessoas negras como menos humanas, frequentemente associadas a estereótipos negativos e animalização, e tentam invalidar experiências, identidades e perspectivas.
Em postagens de mulheres negras no Instagram, os ataques investem contra os aspectos físicos, considerando-os traços inferiores e utilizando estereótipos para desqualificar sua aparência e identidade. Uma das formas mais recorrentes é a crítica ao cabelo crespo, frequentemente descrito de maneira pejorativa como “ruim” ou que precisa ser “corrigido”.
Moderação de conteúdo não coíbe o racismo
Apesar das promessas de moderação por meio de inteligência artificial, plataformas como o Telegram seguem permitindo a circulação de conteúdos abertamente racistas, aponta o relatório. Mesmo com ferramentas de monitoramento automatizado, os canais analisados seguem ativos e sem bloqueios, reforçando a percepção de impunidade.
O cenário também preocupa nas redes de superfície. Em 2025, a Meta encerrou seu programa de checagem de fatos, o que, segundo os pesquisadores, pode abrir ainda mais espaço para discursos discriminatórios sob o argumento da liberdade de expressão. Para os autores do estudo, o combate ao racismo nas redes precisa ir além de soluções automatizadas e passar por medidas efetivas de responsabilização, com políticas transparentes, moderação qualificada e diálogo com especialistas.