Desde que Elon Musk assumiu o controle do Twitter, as incertezas pairam sobre a plataforma. Demissões em massa, fechamento da sede e questionamentos sobre atualização do software marcaram as últimas semanas. Na sexta-feira (18), Musk anunciou via Twitter a nova política de expressão da rede: “liberdade de expressão, mas não liberdade de alcance”.
Musk garantiu que os tweets negativos ou com discurso de ódio não serão impulsionados e serão desmonetizados, ressaltando que não haverá receita para o Twitter. De acordo com ele, aquele tweet danoso só será encontrado se for procurado de forma específica. Além desse “anuncio”, o fim de semana foi marcado também pela volta do ex-presidente norte americano Donald Trump à plataforma, ele que havia sido banido em 2021 por descumprir as regras da rede.
“O Musk tem essa visão absolutista da liberdade de expressão e pretende fazer do Twitter o seu quintal, esse projeto super privatista, fazer com que o Twitter tenha essa lógica de liberdade de expressão absoluta. Ele até falou em alguns momentos que ia manter determinados critérios, determinadas proibições, mas desmantelou os contratos de moderação de conteúdo, as principais companhias que faziam a moderação de conteúdo do Twitter, como a Axios, tiveram os contratos suspensos”, revelou Yasmin Curzi, pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio.
A pesquisadora destacou casos de violações de direitos autorais de propriedade intelectual por defasagem na moderação de conteúdo da plataforma, o que seria um “caso fácil” para moderar em situações normais. “Se a gente está tendo problema nesse nível, imagina problemas para questões mais complexas como por exemplo a desinformação”, questionou Curzi.
Para ela, o Twitter Blue, que inclui a compra da verificação do perfil, trouxe uma série de problemas de desinformação, visto que não há mais a possibilidade de determinar se a informação vem de uma fonte confiável ou não. Um dos casos foi a compra do selo de verificado por uma conta que se passou por uma farmacêutica anunciando insulina de graça. O resultado foi uma queda de 4% nas ações da empresa.
Um outro ponto de preocupação da pesquisadora é em relação ao que o próprio discurso do bilionário provoca. Ao pregar uma liberdade de expressão absoluta, o número de discursos extremistas cresceu de forma significativa na rede, além da própria volta de perfis banidos.
Regras do DSA devem mudar compromissos das plataformas
As mudanças no Twitter também preocupam os legisladores. A eurodeputada Christel Schaldemose, que presidirá um grupo sobre a implementação do DSA – legislação europeia que entrou em vigor na semana passada, disse que “se a União Europeia não garantir que as regras de DSA se apliquem ao Twitter, isso seria um fracasso”.
A regulação das empresas de tecnologia é ventilada como uma das formas de reduzir a arbitrariedade das redes sociais e garantir uma responsabilidade mínima por parte das empresas na proteção do debate público online. No Brasil, atualmente, não há nenhuma legislação de regulação específica para as plataformas digitais, mas alguns projetos tramitam no Congresso Nacional. O mais conhecido é o PL 2630/2020, conhecido como PL das fake news.
Para Yasmin Curzi, não há formas de se garantir e fiscalizar o funcionamento de uma legislação no país. No PL, por exemplo, há a previsão de o Comitê Gestor da Internet pedir relatórios e informações sobre os sistemas de recomendação algorítmica, o que para a pesquisadora é pouco. “Isso me desanima um pouco porque esse para mim é o principal problema das plataformas”, pontua.
É preciso ir além da moderação de conteúdo, por exemplo, e focar em questões como privacidade de dados para o perfilamento dos usuários. Esse é o foco de uma ação da ativista de direitos digitais Tanya O’Carroll contra a Meta. O’Carroll processa a empresa para que os seus dados não sejam utilizados para publicidade na plataforma, um direito garantido pela GDPR aprovada em 2018 no Reino Unido. Pela legislação, os usuários podem rejeitar que seus dados sejam usados para esse fim. No entanto, no Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (a nossa equivalente à GDPR) não prevê esse “direito à objeção”.
“Por motivos econômicos e comerciais essas questões ficam de fora das principais legislações porque existem pressões muito fortes. Esse sistema de recomendação de conteúdo é a principal fonte de monetização das plataformas, então o interesse comercial fica na base legal”, explica a pesquisadora.
Em relação ao DSA, a especialista avalia como positivas as novas regras, mas resta saber como serão colocadas em prática. Por exemplo, a Lei de Serviços Digitais prevê a auditabilidade dos algoritmos, no entanto, conta a pesquisadora, um estudo realizado pelo pesquisador Nick Seaver revelou que nem alguns próprios desenvolvedores de algoritmos sabem como eles operam.
Sobre o Twitter sob direção de Elon Musk, Yasmin Curzi acredita que só acontecerá algo a partir de alguma ameaça econômica, caso similar ao que aconteceu com o Telegram no Brasil. “As empresas só obedecem a esse tipo de ameaça econômica porque a única coisa que interessa para elas”.