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fev 27, 2023 | pontos de vista

Qualquer modelo de regulação digital deve se comprometer com os direitos humanos

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A regulação das plataformas digitais e os diferentes formatos possíveis são matéria de debate interno em muitos países do mundo, em um movimento que tem gerado engajamento também da comunidade internacional. Na última semana (entre os dias 21 e 23 de fevereiro), a Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) realizou a primeira conferência global sobre o assunto – intitulada “Por uma Internet Confiável” (Internet for Trust, no original em inglês).

Como resposta a um chamado do Secretário Geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, que identificou a disseminação indiscriminada da desinformação como “um risco existencial para a humanidade”, o evento concentrou esforços em debater, principalmente, a preparação e o desenvolvimento de um conjunto de “Diretrizes sobre regulação das Plataformas Digitais” (Guidelines on Regulating Digital Platforms, no original em inglês), a fim de criar uma base ou um guia comum de atuação no assunto, em especial para os Estados-membros.

Para isso, buscou-se garantir uma ampla discussão entre diversos setores sociais com algum interesse na temática (representantes governamentais e de organismos internacionais, empresas, academia, imprensa e sociedade civil). Com a pretensão de que a versão definitiva seja divulgada ainda este ano, o texto proposto já passou por rodadas de consulta que introduziram alterações promissoras, a exemplo do destaque à devida diligência em direitos humanos.

Entenda o que é devida diligência

“Devida diligência em direitos humanos” é o termo utilizado para designar processos de governança empresarial alinhados com obrigações e compromissos de proteção e promoção de direitos humanos. Uma explicação mais detalhada pode ser encontrada em: <https://www.conectas.org/noticias/entenda-o-que-e-devida-diligencia-em-direitos-humanos/

No entanto, como destacado por diversas/os participantes do evento e, ao final, acatado por representantes da UNESCO responsáveis pelo processo, a discussão também precisa acontecer em âmbito regional e de forma mais setorizada, o que deve ocorrer por meio de consultas futuras.

Qualquer tentativa de normatizar a atividade das plataformas digitais deve apresentar, tanto como pano de fundo quanto entre seus propósitos, a promoção e proteção de direitos humanos. Dessa forma, a inclusão da devida diligência na listagem dos cinco princípios basilares à atuação das empresas é um avanço que merece atenção.

Formaliza-se o dever de que as plataformas sigam padrões de governança em respeito aos direitos humanos, coordenando sua conduta empresarial com dispositivos pré-estabelecidos, a exemplo dos “Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos”. Aprovado em 2011 na ONU, o documento define (dos Princípios 11 a 24) a responsabilidade de todas as empresas em respeitar todos os direitos humanos internacionalmente reconhecidos enquanto uma norma de conduta, a despeito do lugar de operação.

Destacada entre os Princípios 17 a 21 da ONU, a devida diligência está relacionada ao comprometimento com uma avaliação do risco e impacto para os direitos humanos. E todos os processos que a empreguem como premissa não devem somente considerar a identificação de riscos para a própria empresa, mas também às pessoas que possam ser afetadas pela atividade empresarial (ação ou omissão). Assim, ainda que não houvesse disposição expressa no documento da UNESCO, as plataformas sempre devem adotar políticas e práticas de direitos humanos, trabalhando para localizar, prevenir e mitigar qualquer tipo de dano.

Havendo a escolha de elencar a devida diligência como um princípio orientador do debate, há o fortalecimento das ferramentas concretas a ela relacionadas. Nesse sentido, pode ser ressaltada a possibilidade de que, por meio de avaliações periódicas, as empresas se tornem responsáveis por endereçar qualquer ameaça, seja ela potencial ou real. Além disso, devem prestar contas e divulgar os resultados encontrados em tais exames, reforçando a transparência e abrindo caminho para o recebimento de insumos externos e/ou consultas com especialistas na condução dos processos, inclusive de atores da sociedade civil (os Princípios 18 e 20 da ONU dão destaque para isso).


O comprometimento com esse tipo de auditoria não torna as empresas isentas da responsabilidade de possíveis efeitos de sua atividade para a ocorrência de violações de direitos humanos.

A devida diligência é, ainda, uma ferramenta disponível para assegurar a integridade da informação e a liberdade de expressão, podendo colaborar para que sejam amenizadas as legítimas preocupações sobre as consequências de uma regulação da atividade em ambiente digital. Como já dito acima, qualquer iniciativa que se proponha a estabelecer um arcabouço normativo com o objetivo de regular o funcionamento das plataformas digitais deve priorizar a promoção e salvaguarda de todos os direitos humanos.

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Carla Vreche e Raissa Belintani

Carla Vreche é Assessora do Programa de Fortalecimento do Espaço Democrático da Conectas Direitos Humanos. Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), mestra em Sociologia e bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).

Raissa Belintani é Coordenadora do Programa de Fortalecimento do Espaço Democrático da Conectas Direitos Humanos. É advogada formada pela Universidade de São Paulo (USP) e mestra em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades pela mesma universidade.

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