Um relatório do Projeto Oasis Brasil revelou que 45% das redações nativas digitais já enfrentaram assédio online, sendo as que tratam de direitos humanos as mais afetadas. A pesquisa, que analisa a sustentabilidade e inovação dessas iniciativas, também destaca o assédio jurídico como uma ameaça significativa, especialmente para aquelas com menor capital social e financeiro em comparação às organizações tradicionais.
Embora essa realidade não abranja todas as 164 organizações analisadas no estudo, os dados mostram um cenário preocupante: um quarto das redações que sofreram assédio online – geralmente ataques em sequência para derrubar sites, que podem evoluir para outras formas de intimidação – relataram impactos diretos. As consequências vão desde a redução da capacidade de produzir informação até ameaças à própria sustentabilidade da organização.

Para Marcelo Fontoura, coordenador da pesquisa no Brasil, um dos fatores que agravam esse cenário é o porte reduzido de muitas organizações atacadas, tornando-as mais vulneráveis. “Na maioria das vezes, as organizações não contam com profissionais especializados para lidar com situações específicas fora da produção de conteúdos”, destacou.
Esse cenário está diretamente ligado a outro dado da pesquisa, que aponta que 60% das redações nativas digitais mapeadas operam com equipes de até quatro integrantes em tempo integral, com foco principal na produção de conteúdo. Com isso, áreas como negócios, vendas, finanças, marketing e TI recebem menos investimentos, deixando essas redações ainda mais expostas a desafios estruturais.
A pesquisa revela que a sustentabilidade financeira das organizações jornalísticas nativas digitais depende majoritariamente da publicidade, seguida por financiamento — doações diretas ou via editais — e pelo apoio dos leitores. No entanto, a dependência dos financiamentos, principal fonte de receita para 30% das organizações, gera vulnerabilidade diante de possíveis mudanças nas políticas de financiamento. Essa realidade também reflete desigualdades regionais. Mais da metade das organizações que recebem investimentos estão no Sudeste, enquanto nenhuma no Centro-Oeste se sustenta por essa fonte.
Para Fontoura, a localização das redações influencia diretamente seus desafios. “Notamos que organizações que estão mais distantes dos grandes centros urbanos enfrentam maior precariedade, lidam com um volume menor de receita e têm menos acesso a recursos. Além disso, as que estão no interior ficam mais à mercê das forças políticas e econômicas locais.”
O pesquisador também destacou que algumas redações relataram episódios de assédio após publicarem reportagens sobre políticos ou empresários da região, sofrendo retaliações.
A pesquisadora Jéssica Botelho, uma das responsáveis pela pesquisa na região Norte, destaca que o principal desafio enfrentado pelos veículos da Amazônia é o acesso a financiamento direto, sem a necessidade de passar por editais de projetos.
“Os projetos incluídos geralmente envolvem a intermediação de alguma organização localizada no Sudeste, o que implica que há sempre algum nível de tutelamento dos jornalistas locais. Numa região emblemática como a Amazônia, os interesses e essa relação colonial embaraçam as possibilidades de autonomia de comunicadores locais. Quem está na ponta, acaba isolado”, comentou Botelho.
As consequências disso, segundo a pesquisadora, são a “forte presença de conteúdo de assessorias em contraste à baixa cobertura de qualidade de questões socioambientais”, o que favorece a desinformação em um contexto onde o “modelo de exploração predatória continua sendo a perspectiva sobre a região”.
Atuação multiplataforma e foco editorial
As organizações jornalísticas nativas digitais adotam uma estratégia multiplataforma, é o que revelou o estudo, com presença média em cinco canais diferentes. Embora 99% delas possuam perfis em redes sociais e 96% mantenham um site próprio, o YouTube também se destaca, com 80% das organizações presentes na plataforma.
No entanto, o site continua sendo o pilar central das estratégias de produção de conteúdo, sendo a principal plataforma para 80% das organizações, enquanto apenas 8% priorizam as redes sociais. Além disso, canais como newsletters por e-mail e serviços de mensagens, como WhatsApp e Telegram, são amplamente utilizados para engajar o público.
“Isto descreve um cenário em que se busca estar em várias plataformas diferentes, para marcar presença e engajar o público, mas o esforço principal ainda recai sobre a solução mais clássica – e de controle próprio das organizações”, trouxe o relatório.
Em relação às editorias, metade das redações nativas digitais mapeadas se dedica a um jornalismo generalista, enquanto apenas 11% concentram sua atuação em uma única área. O relatório aponta que esse cenário reflete uma característica histórica da indústria jornalística brasileira, que sempre buscou oferecer um pacote diversificado de notícias, em vez de se especializar em temas específicos. O estudo também refuta a ideia de que os veículos nativos digitais se limitam a nichos ou interesses segmentados.
A política se destaca como a editoria mais comum, presente em 82% das organizações, seguida por um segundo grupo, que abrange as áreas de sociedade & direitos humanos, entretenimento & cultura e meio ambiente, com 72% de presença nas iniciativas. O relatório destaca que isso “demonstra a preocupação destas com editorias que, muitas vezes, não fazem parte das prioridades de veículos tradicionais, como meio ambiente e direitos humanos”.
Metodologia
O projeto que mapeou o ecossistema brasileiro faz parte do Projeto Oasis Global, que busca criar dados sobre o setor jornalístico no mundo. No país, a iniciativa foi coordenada pela Ajor com apoio do Google News Initiative. O levantamento nacional foi realizado em cinco meses entre os anos de 2023 e 2024 com 164 organizações jornalísticas espalhadas pelas cinco regiões.
>> Confira o relatório completo no site da Associação de Jornalismo Digital.