Recentemente, participei como convidado do 7º Seminário sobre Violência Sexual Infantil promovido pelo Instituto Liberta. O evento teve como tema central a proteção de crianças e adolescentes conectados à internet, destacando os riscos de abuso e exploração sexual online, além da atuação de aliciadores que, frequentemente, se disfarçam de influenciadores ou atuam em plataformas digitais específicas.
De acordo com a ONG Safernet, que defende os direitos humanos no ambiente digital, o Brasil registrou 71.867 novas denúncias de conteúdo de abuso e exploração sexual infantil online em 2023, o maior número desde o início da série histórica em 2006. Esse dado alarmante reforça a urgência da ação em prol da proteção das crianças e jovens no universo digital.
A pesquisa TIC Kids Online Brasil 2024 revela dados importantes sobre o uso da Internet por crianças e adolescentes brasileiros de 9 a 17 anos, destacando as plataformas mais acessadas, a frequência de uso, os riscos online e a mediação parental.
A maioria dos jovens está conectada a plataformas digitais com frequência: 70% acessam o WhatsApp, 66% usam o YouTube e 60% o Instagram. A frequência de uso é alta: 53% acessam o WhatsApp “várias vezes ao dia”, e 17% todos os dias ou quase todos os dias. Entre as faixas etárias, o YouTube é mais popular entre os mais jovens (9 a 12 anos), enquanto o WhatsApp e o Instagram dominam entre os adolescentes (13 a 17 anos).
Apesar da popularidade das redes sociais, a pesquisa também destaca riscos online. 29% dos jovens enfrentaram situações ofensivas ou bullying na Internet, e 30% tiveram contato com desconhecidos online. A mediação parental se mostra importante, com 61% dos responsáveis monitorando o que os filhos fazem no celular e 34% bloqueando ou filtrando sites. Além disso, 99% dos jovens têm acesso à Internet em casa, e 81% possuem celular próprio.
Esses dados ressaltam a presença massiva de crianças e adolescentes na Internet, a necessidade de garantir a segurança digital e a importância da educação digital e da mediação parental para proteger essa faixa etária dos riscos online.
A importância do diálogo familiar e da denúncia
Durante o seminário, discutimos a importância do diálogo familiar como a primeira linha de defesa no combate a esses crimes. A maioria dos casos de abuso e violência sexual ocorre dentro do núcleo familiar, envolvendo pais, parentes e vizinhos — pessoas conhecidas pela vítima. Esses agressores, muitas vezes, são criminosos por oportunidade e se aproveitam do silêncio da criança, que se sente culpada e envergonhada, frequentemente demorando anos para compreender a gravidade do que ocorreu. Esse silêncio protege os agressores e perpetua o ciclo de abuso.
A denúncia imediata do agressor e a proteção da vítima são cruciais para interromper o abuso. Estudos científicos demonstram que crianças que recebem apoio rápido e eficaz apresentam um desenvolvimento mais saudável, em comparação com aquelas que permanecem em silêncio, vivendo o trauma em segredo. No entanto, muitos fatores dificultam essa denúncia, como o medo das vítimas de contar aos pais e a conivência de adultos que, mesmo cientes da situação, não agem para proteger a criança.
A educação sexual como ferramenta preventiva
A educação sexual desempenha um papel fundamental na conscientização e na prevenção do abuso sexual infantil. Ao criar uma base de conhecimento e respeito sobre o próprio corpo, consentimento e condutas seguras, a educação sexual permite que as crianças e adolescentes identifiquem comportamentos inadequados e saibam como agir em situações de risco. É importante destacar que estudos comprovam que a educação sexual não acelera a iniciação sexual precoce, mas sim contribui para a formação de uma consciência saudável sobre o tema, como os publicados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pela UNESCO [1, 2] e de Kirby, 2007 [3].
Estes estudos demonstram que programas de educação sexual baseados em evidências não apenas contribuem para a formação de uma consciência saudável sobre sexualidade, mas também ajudam a prevenir comportamentos de risco, sem incentivar a iniciação sexual precoce. A OMS, em suas Normas para a Educação Sexual na Europa (2010) e a UNESCO, em sua Orientação Técnica Internacional sobre Educação Sexual (2018), destaca a importância de uma abordagem educacional inclusiva e informada para promover o bem-estar e a proteção dos jovens.
As escolas têm um papel essencial nesse processo, implementando programas de educação sexual adequados às idades e necessidades dos estudantes. Além disso, é imprescindível que professores, médicos e outros profissionais, estejam capacitados para identificar sinais de abuso e encaminhar as vítimas para o apoio necessário. A educação sexual deve ser vista como uma ferramenta de empoderamento e proteção.
Sinais de alerta: como identificar o abuso
É importante que pais, educadores e responsáveis estejam atentos aos sinais de alerta que podem indicar abuso sexual, como mudanças de comportamento, isolamento, uso excessivo da internet, baixo desempenho escolar, irritação e automutilação. Esses sinais podem ser indicativos não apenas de bullying, mas também de abuso sexual.
A responsabilidade dos pais e da sociedade
A responsabilidade pela prevenção do abuso sexual infantil não deve recair apenas sobre as instituições, mas também sobre a sociedade como um todo, especialmente as famílias. A comunicação aberta entre pais e filhos é essencial para a criação de um ambiente de confiança e segurança. Os pais devem se envolver ativamente no monitoramento do uso da internet, utilizar ferramentas de controle parental e estabelecer regras claras sobre o uso de tecnologia.
Esses são temas difíceis de abordar, que requerem muito para serem digeridos e, mais ainda, para serem enfrentados. O tempo urge! Para isso, também nós, pais e adultos, precisamos nos desconectar do celular e da internet e melhor observarmos o que se passa ao nosso redor e na nossa casa e família.
A regulação do acesso de crianças e adolescentes às redes sociais: perspectivas globais e iniciativas legislativas
Diante do crescente uso das plataformas digitais por crianças e adolescentes e dos riscos associados a esse uso — como exposição a conteúdos impróprios, aliciamento e dependência de algoritmos viciantes — vários países têm adotado ou discutido medidas legislativas para proteger os menores no ambiente digital. A regulamentação do uso de redes sociais e plataformas digitais por menores de idade tem se tornado uma prioridade global, e algumas iniciativas internacionais estão se destacando.
A Austrália se colocou na vanguarda das políticas de proteção digital ao aprovar uma proposta que proíbe menores de 16 anos de acessarem redes sociais como Instagram, Facebook, TikTok e X (anteriormente Twitter). A medida exige que as plataformas implementem sistemas de verificação de idade dentro de 12 meses. Caso as empresas não cumpram a exigência, poderão ser multadas em até 50 milhões de dólares australianos (aproximadamente R$ 195 milhões).
Plataformas educativas como o YouTube e aplicativos de mensagens e jogos online estão isentos da medida. A decisão reflete a crescente preocupação dos governos com os impactos negativos das redes sociais na saúde mental de crianças e adolescentes, com o objetivo de reduzir riscos como cyberbullying, exploração sexual online e manipulação psicológica através de algoritmos viciantes [4].
Nos Estados Unidos, a regulamentação do uso de redes sociais por menores varia entre os estados. Em março de 2024, a Flórida aprovou uma lei proibindo o uso de redes sociais por menores de 14 anos e exigindo consentimento parental para adolescentes de 14 a 15 anos, mas a legislação está sendo contestada por violar a liberdade de expressão. Em Nova York, a “Lei Safe”, que entra em vigor em 2025, exige consentimento dos pais para o uso de plataformas com algoritmos de recomendação e cria um “período de descanso digital” entre 0h e 6h, visando proteger a saúde digital de crianças e adolescentes.
Na União Europeia, o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) em vigor desde 2018, impõe restrições ao tratamento de dados pessoais de menores de 16 anos, exigindo o consentimento dos pais para processar os dados de crianças. Contudo, cada país da UE tem a liberdade de ajustar essa idade mínima, com variações significativas entre eles. Por exemplo, na Alemanha, o consentimento parental é necessário para menores de 16 anos, na França de 15 anos e Bélgica e Noruega, para menores de 13 anos.
No Brasil, a proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital é um tema em constante debate e houve avanços na proteção digital quando a Comissão de Comunicação e Direito Digital do Senado aprovou, em 27 de novembro de 2024, por unanimidade, um projeto de lei que visa estabelecer regras para as plataformas digitais, com foco na proteção de crianças e adolescentes na internet. O projeto exige que as plataformas adotem medidas de segurança, como verificação de idade e controle parental, para impedir o acesso de menores a conteúdos inadequados, como pornografia, violência, drogas e bullying, além da remoção de conteúdos relacionados à exploração sexual infantil sem a necessidade de ordem judicial. O projeto também prevê que as plataformas serão responsabilizadas se não cumprirem essas normas, com penalidades que incluem multas e até a suspensão de suas atividades no Brasil. Essas medidas visam fortalecer a proteção da infância e adolescência em um ambiente cada vez mais digital e complexo. A proposta agora segue para análise da Câmara dos Deputados.
O aumento das denúncias de abuso sexual infantil online tem sido um dos principais impulsionadores dessa agenda legislativa. O Brasil tem avançado na coleta de dados e na implementação de políticas públicas que buscam combater a exploração sexual infantil na internet, com a colaboração de empresas de tecnologia, plataformas de redes sociais e autoridades locais. Essas iniciativas incluem o fortalecimento da SaferNet Brasil, a ONG que monitora e encaminha denúncias de crimes cibernéticos envolvendo crianças e adolescentes e também o Cetic.br|NIC.br. O governo e organizações não governamentais também têm intensificado as campanhas de conscientização sobre segurança online, além de promover programas educativos para pais, professores e crianças sobre como identificar e prevenir riscos no ambiente digital.
A crescente regulamentação do uso de redes sociais e plataformas digitais por menores de idade é uma resposta urgente aos riscos que essas tecnologias impõem ao bem-estar de crianças e adolescentes. O impacto psicológico e emocional do uso precoce e descontrolado dessas plataformas é uma preocupação crescente, e a implementação de leis como as da Austrália, Estados Unidos e União Europeia está se tornando um modelo a ser seguido em outros países, incluindo o Brasil.
A segurança digital, especialmente em relação ao abuso sexual infantil online, exige uma abordagem global e coordenada, com o envolvimento de governos, plataformas digitais, educadores e comunidades. A chave para a construção de um ambiente online mais seguro está no equilíbrio entre a regulação eficaz, a conscientização e o empoderamento das famílias para proteger as crianças e jovens em um mundo cada vez mais digital.
Como você se sentiria se descobrisse agora que seu filho ou filha está sendo molestado e somente agora percebe a condição abusiva, violenta e prejudicial em que se encontra? Prevenir é sempre melhor que remediar. Aquele que procura, acha, identifica e busca ajuda. Educação é a chave para a cura. Informação cura.
Referências:
[1] World Health Organization (WHO). (2010). Standards for Sexuality Education in Europe. Copenhagen: WHO Regional Office for Europe.
[2] UNESCO. (2018). International technical guidance on sexuality education: An evidence-informed approach. Paris: UNESCO.
[3] Kirby, D. (2007). Emerging Answers: Research Findings on Programs to Reduce Teen Pregnancy. Washington, DC: The National Campaign to Prevent Teen Pregnancy.
[4]
OECD (2024), “Towards digital safety by design for children”, OECD Digital Economy Papers, No. 363, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/c167b650-en. Disponível aqui: https://one.oecd.org/document/DSTI/CDEP(2023)13/FINAL/en/pdf